Era pra ser um tÃpico programa de sexta-feira. Não aqueles da juventude. Onde biritas coexistiam numa boa com besteiras variadas e alguma rebeldia roubada dos livros beat.
Eram bons tempos.
Mas dessa vez era simplesmente um crepe. Minha mulher queria muito conhecer o Coco Bahia. Vinha de longa data essa vontade dela. Sempre alimentada por amigas (preciso saber quem são), parentes (esses também) e outros seres inomináveis (esses melhor deixar para lá).
Tudo era muito simples. Era sentar, pedir uma entrada, estirar as pernas. Tomar uma Coca Cola, comer o tal crepe e cair fora. Ah! também conversar um pouco. Exercitar o nosso lado social. Dizem que é bom fazer isso à s sextas. Mas não me disseram que esse exercÃcio tornava-se algo cruel quando se tem fome.
Lugar para colocar o carro? Fácil. Manobrista e uma taxa de não sei quanto para os caras. Nós, por sorte, conseguimos uma vaga numa viela qualquer, dispensando os serviços de mais uma daquelas empresas de estacionamento. Nada que faça você desistir.
Entramos num local amplo. Parecia bacana. A decoração em si me agradou: várias mesas rústicas bem distribuÃdas; um pequeno riacho artificial com peixes logo na entrada para distrair os desavisados que tinham de esperar com suas respectivas senhas nas mãos; palhas tomavam todo o teto; o chão de areia batida; iluminação bacana, na medida. Ao fundo, podÃamos ouvir mambos variados. Os garçons atenciosos, trajando fardas de Indiana Jones.
Chapéu, colete, bermuda de bolsos laterais. Tudo na cor cinza.
Bem, vocês já notaram que sou o tipo de sujeito que não perde detalhes. Que ri deles. E chora em muitos outros. Por isso, logo ao sentar na nossa mesa (senha 469, como vou me esquecer?) comecei a me perguntar qual a relação entre crepes, garçons com roupa de caçador, mambos e um som artificial – vindo de caixas escondidas - de pássaros cantando. A resposta deles é que o local é temático. Algo relacionado com a Mata Atlântica.
Nem sei, nem quero saber, quem teria uma idéia dessas. A todo momento ressoavam aqui e ali sabiás, curiós e outros seres da nossa fauna. Tudo isso em estéreo. E, pela demora em acabar o tal cd, em arquivos mp3.
Fazendo jus ao meu comportamento meio antinatural, fui dar uma olhada na cozinha. Ou melhor, cozinhas. Nada muito difÃcil. Elas ficam a mostra de quem quiser ver. Num total de três vale a pena dar uma espiada na galera que trabalha no ramo.
Creio que o trabalho era bem dividido e todos pareciam estar dispostos. Uma equipe numerosa e ágil dava conta do recado – leia-se um monte de universitários, bancários, operadores de telemarketing, adolescentes sem habilitação para biritas e carros, em pleno gozo dos seus direitos de ser humano numa sexta-feira soteropolitana.
O cardápio era grande. Variado mesmo. A comida era diversificada, o que é legal quando queremos ir a um lugar sem firulas para poder comer o que der na telha. Pizzas, crepes, saladas, brownies, sorvetes, caipiroscas, beijus (sulistas conhecem como tapioca). Bacana e sincero.
Pedimos uma casquinha de pizza de gorgonzola como entrada. Boa pedida. Massa finÃssima. Éramos quatro na mesa. Tudo bem, tivemos de lembrar que entrada não é refeição. Muito boa mesmo.
Com os pedidos já encaminhados – o garçom pareceu não gostar quando o chamei, num momento de infantilidade para com os do ramo, de “formidávelâ€; frisou que seu nome era Félix – ficamos observando o ambiente.
Quer dizer, fiquei observando. Meu olho rodava. Ora na cozinha, ora nos garçons. Um monte deles, rápidos e alertas. Os pratos chegavam às mesas. Pessoas comiam. Conversavam. O mambo começava a incomodar. Os pássaros em estéreo continuavam sua opereta ecológica. Minha Coca tava acabando.
Muito barulho. O povo que conversava e a música ensurdecedora, me obrigaram a perguntar de novo qual a relação entre elementos tão dÃspares: pássaros em Dolby, roupas de caçador, mambo, minha fome. O que eu queria ali afinal?
- Ô Félix – perguntei inquieto
- Pois não senhor – sempre solÃcito, o rapaz
- Vai demorar muito?
- Mas o senhor acabou de pedir...
Concordei com ele. Alguns segundos e eu já queria fugir para um matagal real e distante. Nada daquela Mata Atlântica artificial, com sua fauna em Mp3. Virar o Thoreau. Deixar a barba crescer, andar nu. Queria uma casa no campo, para compor os tais rocks rurais. Ir embora.
Algo assim...
Fui salvo de tais pensamentos por minha mulher, que fez a gentileza de lembrar quem eu era, e pelo nosso querido Félix, que colocou os crepes na mesa antes que eu começasse a uivar.
Bem servido. Um crepe polpudo, grande mesmo, generoso. Guarnecido com uma bem temperada salada de alfaces verde e roxo (alguns chamam de americano), tomates cereja, aceto balsâmico, azeite de oliva. O recheio que não foi lá boa pedida – erro meu, confesso. Carne moÃda com ovo e bacon. Senti falta de algum molho, sei lá.
Devia ter tentado os crepes doces. Eles juram que as receitas são da famosa escola francesa Le Cordon Bleu.
No que se refere à comida o que posso pontuar é que o crepe veio um pouco oleoso. Nada demais, creiam. Indo lá, alertem o garçom. Isso faz bem para os negócios. Quando se é um chef ou dono de estabelecimento com algum senso, dicas como essa podem salvar empregos e sonhos. Comi meu prato contente.
Mas havia os pássaros numa interminável tortura e o tal mambo. Numa quantidade de decibéis além do necessário para um ambiente daqueles.
Resumo da ópera: vale a pena. Se vocês conseguirem encarar tudo isso com mais humor que eu, o crepe, a comida em geral e o brownie compensam a aventura. Se aceitam uma sugestão, levem uns fones de ouvido. Ou então cheguem cedo, num dia de semana. Quem sabe assim eles esquecem de apertar o play no tal cd dos passarinhos.
Já pensou Habib´s com sons de camelos e atendentes em roupas árabes?
Falam mal do Habib's...
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