No nosso caminho até o local da reunião do Rap’ensando Sussuarana, seguimos pelo canto da Avenida Ulisses Guimarães, colados ao muro das casas que ficam do lado esquerdo da pista. A estreita avenida não tem meio fio e, do lado direito, um barranco de cerca de 30 metros de altura, protegido apenas por alguns blocos de cimento, faz com que as pessoas evitem passar pelo lado de lá. “Há pouco tempo, por uma reivindicação da comunidade, colocaram esses blocos. Por aqui não passam dois ônibus ao mesmo tempo e já aconteceu de cair um carroâ€, explica Sérgio Bahialista, componente do grupo, que nos guia até a casa de um dos membros, local do nosso encontro.
O ponto de referência para chegar no bairro foi a parada de ônibus após a Igreja Universal do Reino de Deus – instituição que é quase um signo de comunidades de baixa renda por estar presente em praticamente todos os bairros pobres de Salvador. No caminho de barro batido, andamos menos de um quilômetro e mais duas igrejas evangélicas. Lá embaixo da cratera, muita lama e jovens jogando futebol.
O bairro da Sussuarana - nome de uma espécie de onça parda, que vive em locais de difÃcil acesso como florestas, desertos e montanhas -, na periferia de Salvador, já foi considerado o mais violento da cidade por três vezes. Faz parte do Quilombo do Cabula, um dos maiores existentes em território baiano. Ironicamente, a Sussuarana fica ao lado do Centro Administrativo da Bahia (CAB), onde estão localizados os edifÃcios nos quais são tomadas as decisões sobre as polÃticas públicas para os bairros da cidade, mas, apesar da proximidade geográfica, o descaso dos dirigentes com relação ao bairro salta aos olhos. Seus habitantes estão expostos cotidianamente a uma série de riscos sociais – violência, carência de saneamento básico, de postos de saúde, falta de espaços de lazer para os jovens, planejamento urbano etc. Até 2004, a comunidade não tinha escola de ensino médio. Só depois de uma série de reivindicações populares – muitos pneus queimados nas ruas – o direito à educação passou a ser minimamente respeitado.
O Rap’ensando Sussuarana é um grupo cultural que surgiu em 2003, com o intuito de articular os grupos culturais que realizam os mais diferentes trabalhos artÃsticos: teatro, dança, Hip Hop, poesia e outras viagens. “Nos batÃamos em caminhadas, mas não nos reunÃamos. Resolvemos nos encontrar e começamos a nos colocar enquanto grupoâ€, explica Josival Andrade, ou JASF, nome que adotou depois que entrou para o Hip Hop. O grupo é composto de 10 pessoas, com idades entre 16 e 23 anos, mas é aberto à entrada de novos integrantes.
Sussuarana Existe
A primeira atividade do grupo foi o “Sussuarana Existeâ€, em 2003. O evento foi feito para “mostrar à Sussuarana a própria Sussuaranaâ€, a que não aparece nos meios de comunicação de massa que circulam pela cidade. Houve duas edições e foram promovidas oficinas de rap, cordel, grafite e teatro para os moradores do bairro.
Em 2004, o grupo articulou dentro da escola Municipal Novo Horizonte – maior referência no bairro – o Projeto “Rap’ensando Novos Horizontesâ€. O mais interessante sobre essa ação é que ela foi pensada e construÃda dentro da semana pedagógica da escola, de forma integrada, entrou no currÃculo. Foram oficinas de rap, cordel e grafite utilizando temáticas próprias da cultura baiana, sua pluralidade cultural e a força da cultura negra. Participaram os alunos da manhã, tarde e noite e o projeto culminou numa grande Mostra de Arte e Cultura, que, além de apresentar os resultados das oficinas, promoveu apresentações dos grupos culturais da comunidade e exibição de vÃdeos. “O grande ganho foi que conseguimos mostrar através da arte o potencial que os alunos considerados piores tinhamâ€, diz Sérgio, que é recém formado em pedagogia.
Ainda em 2004, o grupo assumiu o desafio de discutir a questão da violência sexual contra crianças e adolescentes na comunidade. O projeto foi batizado de “Cutucando a Onça com a vara Curtaâ€. Além da discussão com os moradores, foi apresentada a peça teatral Silêncios Sentidos, que trata desse tema, produzida pelo grupo de teatro Àbebé Omi, da ONG CRIA (Centro de Referência Integral de Adolescentes), que é apoiadora do grupo.
“Hip Hop na Onçaâ€
No dia 15 de julho deste ano acontecerá na Sussuarana a quarta edição do “Hip Hop na Onçaâ€, festival anual de Hip Hop organizado pelo Rap’ensando. O evento é uma grande mostra que expõe para a comunidade os 4 elementos dessa linguagem: grafite, rap, break, dj e mais o cordel, considerado o “quinto elemento†do Hip Hop na Susuarana. A intenção este ano é que o “Hip Hop na Onça†seja mais que um festival comunitário. Serão convidados outros nomes da cena soteropolitana como o Calazar, Os Agentes, Simples Rap’ortagem, Afrogueto, o grupo de grafiteiros NP Crew, entre outros.“A proposta é que seja abrangente, que chame atenção da cidadeâ€, garante Fábio Bispo ou RAIF, como prefere ser chamado.
O Rap’ensando trabalha com várias linguagens artÃsticas, porém, com o tempo, o cordel e o Hip Hop foram se destacando. Quase todos os componentes são rappers, djs ou grafiteiros. O grupo hoje não é mais uma articulação e sim uma equipe que organiza suas próprias atividades. Seus componentes se ajudam mutuamente na sustentabilidade do projeto coletivo. A interação entre os grupos artÃsticos do bairro fica por conta do Fórum de Entidades ArtÃstico-culturais de Sussuarana (FEACS), composto por cerca de 30 grupos culturais.
Parcerias
O grupo tem interlocução com a Rede Jovens do Nordeste, uma articulação de jovens que atuam em diversos movimentos e organizações discutindo temas como protagonismo juvenil no nordeste, polÃticas públicas para juventude, gênero, sexualidade etc.
O Rap’ensando também dialoga com diversas outras entidades do bairro: o CENPAH – Centro da pastoral Afro Pe. Heitor, a Escola Municipal Novo Horizonte, RBF – Rapaziada da Baixa Fria (grupo de rap que também promove eventos culturais na comunidade), o CRIA – Centro de Referência Integral de Adolescentes e o Clube de mães Estação da Primavera.
Dois integrantes do Rap’ensando, JASF e RAIF, apresentam o programa Hip Hop em Órbita, na Rádio Planeta FM, no bairro de São Marcos. O programa vai ao ar aos sábados e domingos, das 8h às 10 da noite.
No final de 2005, o grupo foi convidado para participar do projeto Escola Aberta, do Governo Federal, que incentiva abertura de escolas públicas nos finais de semana com atividades de lazer para os estudantes e a comunidade. O trabalho terminou em março e eles realizaram oficinas de Hip Hop, teatro e cordel para cerca de 100 jovens.
Voltando pra casa...
Depois de toda essa história de luta contada, saÃmos da Sussuarana com o desafio de reportar a existência dessa forte mobilização cultural comunitária. Voltamos pelo mesmo caminho sem calçada, passamos pela mesma imensa cratera - que ainda continua lá - mas, junto com o sentimento de que há muito o que fazer, fica a certeza de que a comunidade da Sussuarana está muito bem repensada por seus próprios filhos.
por Vânia Medeiros e Nilton Lopes
Bem, esse texto foi muito bom de fazer. A galera da Sussuarana é massa! Altos novos revolucionários. É muito interessante ver o que eles fazem por lá, um processo de Dinamização cultural do bairro. E Hip Hop na embolada deles... É muito legal, espero que gostem!
Abraços
e o texto ficou muito bom! o hip hop está presente em todas as periferias do Brasil. Seria bom que o Overmundo pudesse fazer um mapeamento de todas as iniciativas que combinam hip hop e trabalho social/cultural/educacional comunitário pelo paÃs afora
fiquei curioso em saber mais como o cordel entra no projeto - o pessoal da Onça já publicou algum cordel? Há cordelistas em atuação por lá?
Seria realmente bacana se rolasse esse mapeamento, Hermano. É incrÃvel como essa estética tem crescido, tomado espaço e fazendo a cabeça de muita gente pelas periferias do mundo afora, ganhando uma nova cara de acordo com o lugar...
A galera da Sussuarana já publicou cordel sim. Vários, inclusive. Os Agentes, dupla de MCs que faz parte do Rap'ensando já publicaram alguns, Serginho (o Bahialista, mencionado no texto) publica sempre e esse tipo de arte influencia bastante na forma como eles constróem as letras das músicas.
Ficamos muito felizes de você ter curtido a matéria :) Suas escrivinhações sobra cultura jovem da periferia são uma grande referência pra nós.
Grande Abraço!
Sensacional! Realmente, bem que vocês podiam contar mais sobre essa questão de o cordel ser considerado o “quinto elemento†do Hip Hop na Susuarana. CuriosÃssimo isso! Parabéns pelo texto, emocionante!
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 28/4/2006 15:17
Parabéns por todas as fases de superação. Ótima matéria da equipe do Overmundo. Vou passar adiante esse exemplo de busca por um mundo melhor.
Gostaria de fazer contato com o grupo. Para tanto, deixo meu e-mail pessoal:
robertquaresma@yahoo.com.br
Essa matéria está realmente muito legal. Aproveitando a deixa do Robert, a equipe do Overmundo é realmente todo mundo, qualquer pessoa pode contribuir. É o caso da Vânia, que aliás, está de parabéns. Ela mandou a matéria genial para o Overmundo que acabou indo para o primeiro lugar. A gente fica na espera de mais matérias dela (e de quem mais quiser contribuir)!
abs
Bacana Helena, Ronaldo e Robert. Que bom que gostaram da matéria. Então, mandaremos seu contato Robert para o grupo e quem sabe uma articulação pode ser feita entre vocês. Tem uma matéria nova de Vânia na fila de edicção sobre como eles utilizam o cordel junto com os elementos da cultura Hip Hop. Seria bacana vocês darem uma olhada também. Abraços para vocês.
Niltim Lopes · Salvador, BA 6/5/2006 08:46
e ai galera, gostaria de saber qual o nome do artista e da musica q rola de fundo no programa Hip Hop em Orbita...o prog é style e eu e a galera curti muito...vlw...
se ter como mandar pro meu email agradeco...vlw (wolfboarder@hotmail.com)
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