Com milhares de médiuns espalhados pelo Brasil e exterior, o templo principal do Vale do Amanhecer, em Planaltina (DF), procura manter-se fiel às suas origens e à sua missão de libertar a humanidade.
O Vale do Amanhecer é a maior comunidade esotérica do Distrito Federal. Talvez a maior do país, já que conta com quase 600 templos espalhados pelo Brasil. Além de mais de uma dezena em outros países, como Japão, Alemanha e Trindad & Tobago.
A doutrina surgiu quando a caminhoneira Neiva Chaves Zelaya, ou apenas Tia Neiva, começou a ter visões e contatos com entidades espirituais. Desses contatos, recebeu uma missão: trazer libertação para a humanidade.
E o que significa essa libertação? Antes de responder, vamos dar uma pausa e explicar algumas coisas.
O Dia do Doutrinador
O templo principal fica em Planaltina, uma das cidades-satélites de Brasília. Está ali desde os anos 60, quando Tia Neiva e mais alguns aventureiros mudaram-se para um descampado, à beira de um morro (coisa rara no Distrito Federal, diga-se). Fundaram a Doutrina do Amanhecer, um misto de kardecismo, umbanda e catolicismo.
Eu já havia ido diversas vezes ao local, mas para escrever essa matéria fui de novo, em duas ocasiões. A primeira foi no dia 1º de maio. Para muitos, é apenas o Dia do Trabalhador. Mas para quem é da doutrina é também a data mais importante do ano: o Dia do Doutrinador.
Todo o trabalho lá está baseado na existência de dois tipos de médium: o apará, que é quem incorpora entidades como caboclos e pretos velhos; e o doutrinador, que serve de canal energético entre os dois mundos, o nosso e o espiritual, e é o grande pilar da doutrina.
Nesse dia, centenas de médiuns viajam de todo o país para Planaltina, para participar das festividades e dos trabalhos. Aproveitei para conversar com Jurandir, um doutrinador que enfrentou uma longa viagem de ônibus partindo de Almas, em Tocantins, onde freqüenta o templo local. Queria saber o que o motivou a sair de casa para estar ali.
“Tem que trocar energia com os outros templos. Tem que visitar o pai.”. O pai a que ele se refere é conhecido na doutrina como Pai Seta Branca, o mentor espiritual, retratado na roupagem de um índio. Para eles, Seta Branca é uma outra encarnação do espírito de São Francisco de Assis.
“Não estava preparado”
Darlan, 20 anos, não freqüenta mais o templo, mas tem profundo respeito por tudo o que se passa lá. “Minha mãe mora aqui no Vale. Eu fiz parte da doutrina por dez anos, mas agora saí. Não estava preparado.”.
“E o que é estar preparado?”, pergunto.
“É ter responsabilidade. Aceitar as regras, que incluem não beber nada alcoólico. Um médium tem que estar em equilíbrio energético, e a bebida atrapalha isso. Como ele pode ajudar alguém se não está bem?”, responde ele, que não deixou a fé de lado, e agora faz parte da igreja católica, além de ser DJ quando tem tempo.
Aí a conversa começa a ir por outros lados. Quero saber dele o que acha da expansão do Vale do Amanhecer, que da pequena vila com 500 habitantes nos anos 70 agora virou uma cidade com 35 mil moradores, com escolas, creche, comércio desenvolvido e posto policial. E descubro que muita coisa ali mudou depois da morte de Tia Neiva, em 1985.
Ele é enfático. “A expansão não foi boa para a doutrina. Agora tem violência e assalto. Ficou perigoso. Tem uma área na cidade que não tem compromisso com fé e religião.”
“Então vamos lá”.
“Vamos”.
A outra parte do Vale do Amanhecer é mais pobre. Existe um trecho com ruas sem asfalto e barracos de madeira. E, pelo caminho, muitas igrejas, de todos os tipos: católicas, batistas, evangélicas e até terreiros de umbanda e candomblé. A fé e a religião estão ali, portanto, mesmo que em outras variações de crença.
Paramos para conversar com Messias e Peterson, rappers que moram nessa parte nova da cidade e não participam dos trabalhos do templo. E mesmo assim têm suas vidas ligadas à doutrina, de alguma maneira.
“Vim pra cá porque minha mãe estava doente e procurava uma cura”, conta Messias, que respeita e acredita no que se passa ali do lado. Mas, assim como Peterson, prefere outros caminhos. “A gente sabe tudo de umbanda”.
“E a violência aqui?”, pergunto. “A violência faz parte da nossa racionalidade”, afirma Messias. “É o preço que se paga pelo crescimento.”. Antes de ir embora, peço para eles fazerem um rap sobre o Vale. E lamento ter levado apenas papel e caneta para anotar, pois não pude registrar a criação instantânea da dupla.
Visita encerrada, volto ao lugar meses depois, para colher mais depoimentos. Em comparação com o Dia do Doutrinador, considero que está vazio, apesar de haver trabalhos acontecendo.
Atendimento 24 horas
“Aqui não tem distinção. Todos são recebidos, a qualquer hora. Se chega alguém no meio da madrugada, a sirene é tocada e logo aparecem médiuns para atender”, afirma Solon Pinheiro, um doutrinador que orientava o trânsito de pessoas dentro do templo principal.
Aí eu aproveito e pergunto uma questão que deixei aberta ali no terceiro parágrafo: o que significa esse trabalho de libertação da humanidade?
“Significa manipular energia e libertar vítimas do passado transcendental, espíritos que estão em volta da gente, nos cobrando pelos nossos erros em vidas passadas”, responde, para depois completar, dizendo que ali são atendidas, em média, 5 mil pessoas por mês. Quase 200 por dia. E todas gratuitamente.
No Vale, as doações financeiras são proibidas, e são os próprios participantes da doutrina que mantêm os diversos templos que existem. Em épocas em que fé e comércio se confundem, quero saber o que os move a estar ali. “É um trabalho pelo qual não recebemos nenhum dinheiro. Fazemos apenas pelo amor.”
Outra curiosidade também são as roupas que os médiuns de lá utilizam. Normalmente quem vai visitar não entende nada daquilo. “É simples”, diz Solon. “As calças marrons simbolizam São Francisco. As camisas pretas, o ocultismo. As fitas laranjas e roxas, luz e cura. E a cruz, que aparece sempre vazia, o Cristo liberto.”. Se é sincretismo religioso o que você procura, sincretismo é o que vai encontrar lá.
E agora, para os freqüentadores, qual o papel do Vale do Amanhecer no 3º milênio? “Nosso papel aqui continua sendo de importância esplêndida. Viemos trazer a cura das pessoas. Nosso trabalho abrange o mundo inteiro”.
Para saber mais:
1. www.valedoamanhecer.com.br
2. www.valedoamanhecer.com
3. www.valedoamanhecer.cjb.net
Bela matéria! Mostra um pouco desse grande caldeirão cultural que é Brasília e seu entorno.
Ju Santana · Brasília, DF 4/12/2006 17:44o simbolismo sincrético brasileiro é um exemplo incrível de mixigenação. Se estudarmos um pouco as religiões veremos que todas desde o príncipio se adequaram somando e subtraindo em um eterno sincretismo.
Claudiocareca · Cuiabá, MT 4/12/2006 23:09
Obrigado, Ju.
E é verdade isso, Cláudio. Se você algum dia tiver a chance, visite o Vale do Amanhecer. É impressionante, você acreditando no que tem ali ou não.
Abs
Sou do Vale do Amanhecer. Para jornalistas e curiosos como eu a doutrina é um prato cheio, mas quis a vontade de Deus que eu apenas chegasse lá como um simples paciente, fui convidado para participar da doutrina, fiz meu desenvolvimento mediúnico e hoje sou um doutrinador. Sou do templo Arumã de São Luís do Maranhão. Para além da beleza exterior e da complexidade dos seus ensinamentos, o Vale do Amenhecer tras nas suas bases, heranças transcedentais, isto é comprovado e talvez seja tão mais científico quanto a química ou a física.
Tia Neiva, uma caminhoneira semi-analfabeta, a mulher que nos trouxe esta doutrina, nossa mãe clarevidente, já dizia: "a fé que nega a ciência é tão inútil quanto a ciência que nega a fé".
E aqui estamos todos nós, doutrinando, emanando e curando com amor, humildade e tolerância.
Salve Deus!
Maravilha de postado. Este é o Brasil verdadeiro.
Luz e Paz na Terra. jbconrado
Salve Deus, hj faço parte da Doutrina eu e minha família só tenho alegrias a minha vida teve uma transformação muito boa e posítiva.
Pcs · Iaçu, BA 10/7/2011 20:07Para comentar é preciso estar logado no site. Faa primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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