A Africa já foi diagnosticada pela geopolÃtica contemporânea como a periferia esquecida. Que dentro do entendimento geopolÃtico implicaria em uma região periférica (terceiro mundista) que, diferente de espaços como a América Latina e Ãsia (Brasil e Ãndia no G4, por exemplo) não recebe nem mesmo a inclusão perversa que chega até nós a cargo das polÃticas neoliberais e da globalização dos mercados e estruturas de produção. E a afirmativa obviamente tem sua parcela de acerto. Porém, os geógrafos, que nesse tipo de análise operam fundamentalmente com dados de macro economia e indicadores sociais, deixaram de lado um aspecto fundamental para se compreender o poder de inserção e alcance de uma região. Minha pergunta é, onde fica a cultura nessa história? E, introduzindo o motivo maior deste texto: Será que nossos colegas acadêmicos já ouviram falar de Fela Kuti?
Se as histórias de sofrimento e as imagens do flagelo vivido no continente mãe da humanidade não foram suficientes para mobilizar uma real sensibilização e qualquer organização séria e consistente que planeje minimizar os danos que nós causamos aos “esquecidosâ€. A música, como sempre, diga-se de passagem, cumpriu o papel de irromper o tampão da ignorância ano após ano habilidosamente construÃdo para bloquear nossos canais de comunicação e de compreensão da voz do outro. E o principal embaixador informal dessa missão super humanitária é um nigeriano chamado Fela Anikulapo Ransome Kuti.
Fela esteve neste planeta entre 1938 e 1997, mas a força da sugestão de sua obra inspira hoje a realização do evento mundial Fela Day. Quando, no dia 15 de outubro, pessoas do mundo inteiro celebram o nascimento de Fela Kuti. Graças à força de todos os santos, ou a boa vontade de gente que rala pra produzir festas boas. Os culpados, que neste caso é bom citar, são as festas Makula e QuintEssential Grooves, com o apoio da sempre guerreira Rádio Gruta. Foram eles que promoveram a edição do Fela Day aqui no Rio. Mas para entender o que é o Fela Day e como ele aconteceu articulado em várias cidades do Brasil, nada melhor do que citar um trechinho do texto disponÃvel no blog do evento: “A partir de Salvador, a comemoração chegou a outros estados, criando uma rede chamada Articulação Nacional Fela Kuti. Durante esta semana, grupos de cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e BrasÃlia também promovem programas de rádio, saraus, shows, recitais, exposições e aulas sobre o nigeriano. A resposta foi imediata e ativistas de 8 estados apontaram positivamente para celebração, o que, sem dúvida, é um marco para expansão da música e do pensamento polÃtico do artista no paÃs.â€
No Brasil tive notÃcias de que o Fela Day aconteceu no Rio de Janeiro, na Bahia, Recife, BrasÃlia, Cabo Frio, e São Paulo. Alguém sabe onde mais? Tive a sorte de presenciar o turbilhão que foi o Fela Day aqui no Rio e não me arrisco a tentar transpor em palavras a experiência daquela noite. Mas posso tentar minimamente apresentar algumas impressões. Respira fundo, e vamos lá! O primeiro acerto foi o local escolhido, o já batido bairro da Lapa (que MC Aouri, dos Inumanos, chama de LAboratório Pequena Ãfrica) tem uma ligação histórica, filosófica e espiritual com os nossos ancestrais africanos. O que, na lógica de uma celebração como a proposta no Fela Day, fez todo o sentido. O espaço, Casa de Jorge, também é um ambiente agradável e, incrivelmente!, com som, valeu Serginho!, bom o bastante pra segurar a onda da banda. A banda, ah, a banda! Esse sim foi o grande trunfo. A banda do Fela Day, anunciada como a única banda de Afrobeat do Brasil, o que não é muito difÃcil de se confirmar como verdade, foi formada por músicos de primeirÃssima qualidade. Gente do quilate de Thomas Harres, Mônica Ãvila, Alexandre Garnizé e, encarnando o papel de Fela, Donatinho. Pra mim, que sempre escutei Fela através de fitas K7 e arquivos Mp3, foi um choque ver uma banda com gente de carne e osso tocando com precisão, até mesmo nos cacoetes, o som eternizado pelo povo de Lagos. O mais incrÃvel foi perceber que aquela aura que está presente nos vÃdeos das apresentações de Fela, principalmente os filmados em Lagos, baixou com toda força dos arranjos recheados de metais, sintetizadores e com um baterista que emulava a presença de Tony Allen batucando firme na alma de quem se espremeu para dançar naquela noite de quinta. A troca de suor generalizada serviu para evidenciar até ao mais insensÃvel o que se buscava ali no sentido da palavra celebração.
Perceber a força da música, que revela a potência de um sentimento, o espÃrito de um momento histórico vivido naquela periferia nigeriana onde Fela criou seu império particular, é vislumbrar uma maneira possÃvel de reverter “a nova ordem mundialâ€. Nova no que diz respeito ao mundo Moderno, ditado pela agenda judaico cristã, esse mundo que se moldou depois da devastação racionalmente promovida da Ãfrica. É perceber como é possÃvel o terceiro mundo fazer o mundo inteiro girar diferente, mesmo que só por uma noite. Mesmo que só pela força da música.
O universo de Fela permanece circulando por aÃ, um viva ao Mp3!, em áudio e vÃdeo. Um dos melhores Dj´s do Rio, Dj Tamenpi, publicou em seu blog, Só Pedrada, um especial com discos de Fela. Eu recomendo a audição cuidadosa. E para quem quiser saber mais da história de Fela, existem por aà alguns bons documentários, posso citar de cara “Black President†e “Music is the weapon†(esse se encontra até em locadoras populares), mas deve ter mais alguns escondidos por aÃ.
Gostaria de ler por aqui notÃcias dos outros Fela Day que rolaram pelo Brasil afora. Será que alguém se encoraja?
Vi Fela ao vivo no Shrine, Lagos, Nigéria. Foi, sem dúvida nenhuma, um dos melhores shows da minha vida. Horas e horas de som da pesada, mesmo com pouquÃssima gente na platéia (ele tocava lá acho que todas as terças e sábados). Depois fui na casa dele (a Kalakuta Republic, com todas suas mulheres ali em volta) algumas vezes, implorando para que autorizasse a gravação de um show ou que nos desse pelo menos uma entrevista. Estávamos produzindo o African Pop (que foi ao ar na TV Manchete, em 1989, com Manu Dibango, Mory Kanté, Youssou N'Dour, Baaba Maal, Franco, Papa Wemba, Tabu Ley, Mahmoud Ahmed, Cheb Khaled, Johnny Clegg, Olodum, Ebenezer Obey e tantos outros). Ele cobrava uma fortuna. DeverÃamos ter pago, é claro. Mas não tÃnhamos dinheiro...
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 17/10/2009 00:40
xavi,
Se arrependimento matasse... Estava convidado para dar mais uma microcanja com o meu quase ressuscitado Grupo Vissungo nesta Fela Fest da Lapa. Outros compromissos me azedaram a vontade. Fôssemos, haveria pelo menos mais uma onda ao vivo, modéstia à parte, pelo menos parecida com Afrobeat (o nosso é um afrobeat menos visceral, mais conceitual, digamos assim).
Lendo o hermano me deu também uma bruta saudade daquela série African Pop que ele fez brilhantemente e, mais ainda da minha longa estada nas Oropa onde fiquei, de vez, viciado nesta história do pop africano desta lista toda aà de cima, uma onda que não chega nunca no Brasil, de verdade por causa de...sei lá por que.
ManeirÃssima matéria!
Abs
Hermano, lembro de você ter me contado essa história num encontro do Overmundo que rolou em Botafogo há algum tempo atrás. Legal que o texto tenha servido pra torná-la pública. Falando em tornar coisas legais acessÃveis, o que será que aconteceu com o arquivo desse African Pop?
Spirito Santo, que pena que você não deu o ar da graça! Queria ter tido a chance de conhecer o Afrobeat conceitual. Fico na torcida para que o Vissungo toque o quanto antes.
abraçsss
Aliás, como acho que deixei este conceito 'afrobeat conceitual' assim meio no ar, me explico: A onda do Vissungo era (ou é, sei lá) fazer uma leitura menos cover (se é que me entendem) do gênero, usando os ganchos pop dos elementos e grooves da black music norteamericana (Jazz, Funk e Soul) que marcam o gênero Afrobeat, mas fazendo isto a partir de música afro-brasileira também (ou de uma Ãfrica mais ao sul daquela de onde a onda do AfroBeat convencional emanou. AÃ, no nosso caso, entravam (entram?) Samba e quejandos e também muita música angolana, afrolatinoamericana, por aÃ.
Um lance que eu acho mais maneiro nesta história (e é aà que o foco daquela série do Hermano acertava na mosca) é a curiosa e complexa urdidura do fusion que caraterizou o que chamaram de Afrobeat: Música africana da diáspora (EUA e Cuba) que de tradicional foi 'virando' tão pop (moderna) que acabou se espraiando pelo mundo, regressando à Ãfrica para, de novo, se fundir à música tradicional africana sobrevivente e se transformar no Afro beat já véio de guerra.
Tenho aqui comigo agora mesmo um livro exemplar sobre esta história: "African AllStars The pop music of a continent" de Chris Stampleton e Chris May o qual recomendo com entusiasmo (deve rolar algo deste livro na internet)
Abs
Xavi, o link do Dj Tamenpi não funciona. Pô, quero baixar isso ai... como é que faz?
Ilhandarilha · Vitória, ES 19/10/2009 22:06
Ia repetir a informação da Ilha,
- A situação dentro do conceito da classificação econômica passa pelo Cisma Cristão. A grande acumulaçao de capital do "mundo" judeu está na remessa que eles fazem de cada parte do globo para um tipo de caixa universal judeu, cujo endereço é apenas um nome "CAPITAL JUDEU". Para com a Ãfrica ainda resta as sobras da escravidão.
Mas voce se refere a um Ãtem da diversidade cultural da Africa, recente, presente dado como visivel. E o grande Ãtem oriundo da Ãfrica, do povo africano é o BELO. A beleza tem origem no povo
Africano. O enfeitar-se com ouro, mesmo com o ferro; e a grande magia das cores. Quem pinta o corpo, talvez antes dos Ãndigenas do mundo inteiro (sendo o proprio negro indegena), é o negro.
E repisando um tema em moda, na ordem do dia> OLIMPIADAS
O Brasil, parece, vai perder a grande chance de iniciar a INDENIZAÇÃO DOS 500 ANOS ENTRE ESCRAVIDÃO E ESCRAVISMO.
Com os 180 bilhões ou mais, que serão investidos, para as Olimpiadas de 2016, o Brasil, poderia iniciar esta viagem em sentido contrário.
Ainda nos resta o tempo e o escândalo se batermos nas portas dos tribunais..................
abraço
andré
Vivas ao Fela!
fizeram um espetáculo p/ a Broadway, com música do Antibalas:
Fela!
http://www.felaonbroadway.com/
galera, acabei de falar com o tamenpi e o blog foi retirado do ar. mas tudo que estava neste endereço do blogspot, incluÃndo as coisas do fela kuti, foram restauradas no endereço: http://sopedrada.wordpress.com/
acessem e façam a festa, literamente!
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