Festa na Lan House

Foto de Heldr (http://www.flickr.com/photos/obvio171/) - CC-by-nc-sa
Tabela de serviços gerais oferecidos na lan house
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ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ
1/10/2007 · 263 · 16
 

Finalmente muita gente já percebeu. Um dos principais pontos de acesso à internet no Brasil são as chamadas "lan-houses". Quem não sabe o que é não tem desculpa: é só andar atentamente pelas cidades do país, pequenas ou grandes, pobres ou ricas, capitais ou interior, para descobrir o fenômeno. Basta procurar por um lugar muitas vezes modesto, cheio de computadores, mas sobretudo, cheio de gente. Jovens disputando partidas coletivas de videogamente, acessando o Orkut, teclando pelo mensageiro eletrônico. Alguns não vão saber nem ler ou escrever, mas sabem direitinho usar o Skype para bater-papo com gente que está perto ou longe.

O que há pouco tempo era um dado percebido somente antropólogos ou cientistas sociais, agora já aparece em estatísticas. Pesquisa recente feita pelo Comitê Gestor da Internet apontou que 30% dos brasileiros que acessam a internet fazem isso de lugares pagos. Esse número é maior do que aqueles que acessam a rede do trabalho (24%), da escola (15%) ou de centros públicos gratuitos (3%). Esse grande número de pessoas usa a internet em lugares como os cyber-cafés ou lan-houses (a própria distinção do que é um e outro parece ter perdido sentido).

É só passear pela Rocinha no Rio de Janeiro para comprovar. Conversando com as pessoas, há pelo menos cinqüenta lan-houses por lá. Os donos, verdadeiros empreendedores da inclusão digital, geralmente não se queixam do negócio. Com preços variando de R$0,50 a R$1,50 por hora de uso do computador (seja para jogar ou acessar a internet em banda larga), as casas permanecem cheias. Os donos até reclamam sobre um segundo grau de "informalidade": tem gente pegando um cômodo em casa, comprando alguns computadores e montando uma "lan-house" domiciliar. Uma verdadeira lan-HOUSE.

Em outras comunidades carentes do Rio de Janeiro é possível notar que as lan-houses estão oferecendos serviços que vão além da conexão à rede, mas passam a abranger atividades de cidadania e governo eletrônico. Um exemplo é a declaração de isento. Para quem não tem acesso à rede, renovação do CPF depende do preenchimento de formulário e visita aos correios ou casas lotéricas. Pela internet o processo é praticamente imediato. Com isso, as lan-houses passaram a oferecer o serviço por 1 real (vide a foto acima). Outros serviços avulsos oferecidos incluem o pagamento de contas de água, luz e telefone, impressão de documentos, ou ainda, o envio de currículo por e-mail.

Além disso, as lan-houses estão conquistando um espaço simbólico peculiar. Para entender isso, é só verificar uma tendência recente: muitas agora dispõem de um espaço para festas de criança. Aniversários que antes eram comemorados no McDonalds, com sanduíche para todo mundo, agora estão migrando para as lan-houses. O aniversariante convida os amiguinhos e a festa acontece com uso do computador liberado para todos os convidados. É sempre um sucesso e a animação da festa é inacreditável. Poucos são os espaços de sociabilidade tão intensa no Brasil quanto as lan-houses. Esqueça o senso comum, que ainda insiste em enxergá-las como locais de isolamento e solidão.

Três alertas sobre esse fenômeno, que está levando a internet para periferias de todo o Brasil: autoridades de todo o Brasil, deixem as lan-houses em paz. Poucas vezes se viu um fenômeno de empreendedorismo popular tão importante quanto esse. Parabéns ao programa do "computador popular", responsável em parte por isso. Mas por favor, não as perturbem.

O segundo alerta é que existe um potencial de cidadania nas lan-houses ainda inexplorado. O horário da manhã é sempre pouco ocupado, já que a criançada está na escola. Ao mesmo tempo, as comunidades estão sempre perguntando se não há "cursos" oferecidos pela lan-house. Não custa pensar em idéias não-intrusivas, que não atrapalhem o modelo de negócios das lan-houses, mas que explorem esse potencial cidadão, aumentando sua ocupação pela manhã.

Por fim, já estava na hora mesmo de todo mundo começar a entender que os video-games desempenham um papel crucial em qualquer programa de inclusão social. É preciso deixar o preconceito de lado e finalmente perceber que eles são responsáveis por ensinar habilidades fundamentais para esse novo século. Por exemplo, capacidade de trabalhar em equipe, pensamento estratégico e planejamento. Sem essas habilidades, ninguém vai muito longe nos jogos mais populares das principais lan houses do país e nem na vida contemporânea de modo geral. Desafio quem discordar disso a me provar o contrário em uma partida de Counter Strike.

*Artigo publicado originalmente, em versão menor, na minha coluna da Revista Trip (abril de 2007). Link para palestra no FISL, em que o tema das lan-house é exposto: http://www.youtube.com/watch?v=PNCFl-ywSj8

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Thiago Camelo
 

O legal do Overmundo é que, mesmo com a diversidade de assuntos, às vezes acontecem umas leituras temáticas aleatórias muito bacanas. Antes de ler o seu texto, Ronaldo, tinha acabado de ler esse aqui - http://www.overmundo.com.br/guia/internet-gratis-no-calcadao

Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 28/9/2007 14:25
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Léo Lago
 

Muito interessante, volto depois pra votar.

Sugestão de edição: faltou o L no desculpa no primeiro parágrafo, logo no início: "não tem descupa"

Léo Lago · Rio de Janeiro, RJ 28/9/2007 16:06
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ronaldo lemos
 

Opa, valeu Leo, corrigido!

ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 28/9/2007 19:22
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Marcos Paulo
 

Bela colaboração, Ronaldo. Lendo teu texto lembrei que não é só durante o dia que as lan-house ficam lotadas. Tem os famosos "corujões" que levam a garotada permanecer madrugada afora vidrada nos jogos, principalmente o que vc cita, o Counter Strike.

Marcos Paulo · Rio de Janeiro, RJ 1/10/2007 11:56
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joao xavi
 

as lan-house tão cobrindo uma demanda enorme, principalmente nas favelas, suburbios e periferias. a rocinha é um bom exemplo, mas não é o único caso.
isso reflete uma dupla necessidade: de informação, e de entretenimento.

causo curioso: estava numa lan-house em fortaleza, entrou uma menina que aparentava ter uns 14 anos. pediu um trabalho sobre revolução francesa, como quem pede um sanduiche. o cara da lan-house fuçou o google, e em 5 minutos imprimiu um trabalho de história pra menina. ela nem sentou no pc, pagou R$1,50 e saiu fora com o trabalho pronto de baixo do braço.

joao xavi · São João de Meriti, RJ 1/10/2007 21:49
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André Dib
 

Ronaldo, só não entendi o apelo às autoridades: qual é a bronca legal com as lan-houses?

André Dib · Recife, PE 1/10/2007 22:48
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ronaldo lemos
 

Oi André, no trabalho com as lan-houses, temos notado que elas acabam sendo um dos elementos favoritos para a criação de leis municipais ou estaduais, muitas vezes nada razoáveis (dê uma olhada na legislação municipal de Belém no link que proíbe "jogos que contenham cenas de violência" dentre outras disposições no mínimo curiosas). Em outros lugares, há uma demanda constante dos donos das lan-houses por algum modo de formalização da sua atividade, já que elas acabam ficando sujeitas aos mais variados tipos de pressão, de fiscais da prefeitura a policiais.

ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 1/10/2007 23:11
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Savazoni
 

Tenho conversado com o Ronaldo sobre o tema, nos últimos dias. Entendendo melhor o que ele diz sobre "deixar as lan-houses em paz", concordo plenamente. Leis felasdaputa para impedir esse fenômeno de empreendedorismo com potencial de ação social vão surgir pelas mãos do atraso. Então a gente tem que ficar atento mesmo. E pedir que esses deixem-nas em paz.

Acho, no entanto, que a gente pode e deve ir além e estimular a existência das lan-houses por meio de uma política pública associativa com o pequeno empreendedor (inclusive mostrando a ele que existem formas de organização e formatação do seu "negócio" muito mais próximas de suas necessidades). Escrevi sobre isso no meu blog - a partir das conversas que tivemos.

Para concluir, sobre o video-game. Não só devemos derrubar o preconceito, como devemos repensar as nossas ações à luz do que ele traz como potência. Sou jornalista e estamos discutindo como a narrativa interativa e hipermidiática do vídeo-game pode ser o instrumental para a reportagem no século 21 - o que antes era o jornalismo literário, hoje é o jornalismo-vídeo-game.

Sem caretice. Imagine só, uma reportagem. Um roteiro de não-ficção que permite ao usuário se colocar na condição de quem fez o trajeto (no caso, do repórter) sobre um tema, sei lá, uma viagem pelas hidrelétricas do Rio Madeira. O cara joga, vai pra cá, vai pra lá, entra na usina, liga a usina, sei lá, e descobre coisas que são reais e importantes para a sua vida.

Savazoni · Brasília, DF 2/10/2007 11:11
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Kuja
 

Legal Ronaldo!
Acabei de percorrer uma parte do litoral sudeste com dois hackers americanos. Em nenhum momento eles ficaram sem conexão: compraram passagens aéreas, falaram com seus amigos via Skype Out e até conseguiram acessar a conta shell de seus servidores nos EUA. Rimos muito em uma Lan House em Paraty que tinha a seguinte lista de "serviços": 1) acesso a internet; 2) queima de DVDs; 3) impressão a laser; 4) passeio de saveiro

Kuja · São Paulo, SP 2/10/2007 12:27
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Tonico
 

Muito bom o texto. Não resta dúvida que o fenômeno das Lan houses é a maior fator de inclusão digital no Brasil atualmente, principalmente nas comunidades mais carentes e entre os mais jovens.
Segundo a pesquisa realizada pelo CETIC-BR http://www.cetic.br/tic/2006/indicadores-2006.pdf , quanto menor a renda e a idade, maior a inclusão digital via lan houses, senão vejamos:

Ãndice de acesso à internet através dos chamados “Centros Públicos de Acesso Pagoâ€, ou seja, as lan houses:

Região geográfica:
- Nordeste: 52,86 %;
- Norte: 46,06 %;
- Centro Oeste: 40,94 %;
- Região Sudeste: 25,76 %;
- Sul: 13,53 %.

Faixa etária:
- 10-15 anos: 38,74 %
- 16-24 anos: 38,25 %
- 25-34 anos: 26,20 %
- 35-44 anos: 15,12 %
- 45-59: 11,35 %
- 60 + 1,94 %

Renda familiar:
< R$ 300,00: R$ 45,73 %
R$ 301,00 – R$ 500,00: 49,22 %
R$ 501,00 – R$ 1000,00: 36,45 %
R$ 1001,00 – R$ 1800,00: 25, 59%
R$ 1801,00 + : 5,64 %

Grau de Instrução:
Analfabeto/educação infantil: 35,08 %;
Fundamental: 42,05 %;
Médio: 33,89 %;
Superior: 15,61 %.

Classe Social:
A: 8,06 %;
B: 19,33 %;
C: 35,54 %;
D/E: 48,08 %.

Situação de emprego:
Trabalhador: 26,29 %;
Desempregado: 52,76 %;
Não integra população ativa: 36,21 %.

Além dessa constatação, de que quanto mais jovem e menos favorecido economicamente, mais o acesso à internet é feito através das Lan Houses, é fundamental analisar outro aspecto fundamental, e que diz respeito exatamente à colocação “deixemos as Lan Houses em pazâ€. Trata-se das circunstâncias que propiciaram o desenvolvimento desse fenômeno de massa espontâneo. Basicamente, existia uma demanda reprimida de um público carente de acesso à internet, frente a isso, surgiu o fenômeno empreendedor de membros das próprias comunidades carentes que começaram a abrir Lan Houses visando atender esse público. Isso se desenvolveu de forma absurdamente veloz e descentralizada.

Na Rocinha temos cerca de 100 Lan Houses, Manguinhos 40, Antares 7, Cidade de Deus 50, Jacarezinho 60 (todas essas comunidades carentes da cidade do Rio de Janeiro, onde realizei uma série de visitações. Esses números são aproximados).

Além dessa demanda reprimida por acesso à internet, outro fator decisivo para esse crescimento vertiginoso das Lan Houses foi justamente o fato delas se desenvolverem em um ambiente informal, sem a utilização de softwares proprietário licenciados e pagamento de tributos. De outra forma, os custos do negócio provavelmente seriam muito altos, e os preços da hora das Lan Houses inviabilizariam o acesso do público local.

Essa reflexão é fundamental nesse momento. Como podemos intervir nesse fenômeno sem inviabilizá-lo? Já recebi notícias de que policiais já estão em algumas localidades cobrando “taxas†para deixar que o negócio funcione. Uma legalização formal e tradicional dessas Lan Houses inviabilizaria o negócio. Ao mesmo tempo esse empreendedorismo ocupa uma lacuna e atende grande parcela da população que de outra forma continuaria desasistida. Seria muito interessante se o próprio estado e as empresas de software criassem mecanismos para trazer esses negócios para a formalidade, sem onerá-los. A utilização de software livre também poderia ser uma opção, mas teríamos alguns entraves como a dificuldade de se rodar os jogos mais populares em software livre, além da própria cultura já existente de utilizar os softwares proprietários.

O momento é de observação, análise e pesquisa para sabermos de que forma esse fenômeno de inclusão digital pode ser trabalhado da melhor forma possível. No Isummit na Croácia me lembro claramente do diálogo entre o Jimmy Wales, criador da Wikipedia, com o representante do One Lap Top Per child. Eles concluíram que para termos de fato uma revolução digital mais rápida e efetiva, era necessário realizar uma inclusão digital mais ampla e despertar o interesse dos jovens pela tecnologia. As Lan Houses conseguem desenvolver os dois objetivos.

Tonico · Rio de Janeiro, RJ 3/10/2007 11:00
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Higor Assis
 

Gostei do texto, está votado.

Obs: Senti falta do relato de algum usuário.

Quanto ao empreendorismo, realmente é fato.

Higor Assis · São Paulo, SP 4/10/2007 07:32
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Maíra Fernandes de Melo
 

Savazoni,
Simplesmente genial o jornalismo videogame!!!!!!!!! Essa discussão está acontecendo? Em que meios? Em que canais? Como tomar parte dela?
Bjs,
Maíra

Maíra Fernandes de Melo · Rio de Janeiro, RJ 4/10/2007 10:25
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Tonico
 

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14295
Entrevista na Carta Maior com o Dando, um usuário, técnico e dono de Lan House em Antares, uma das comunidades mais carentes do Rio de Janeiro. O cara é um belo exemplo.

Tonico · Rio de Janeiro, RJ 4/10/2007 13:55
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Luciana Maia
 

Achei interessante quando você comentou sobre possiveis cursos dentro da lan-house, nunca parei pra pensar nisso. Esse seria o ponto-chave pra inclusão digital.

Luciana Maia · Rio de Janeiro, RJ 4/10/2007 20:36
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Spírito Santo
 

Ronaldo,
É tudo isto mesmo. Num novo curso que implantei na Cidade de Deus, o patrocinador, um órgão governamental, me exigiu, no programa, 40 horas do que ele chama de 'inclusão digital', nos obrigando a introduzir a galera (adolescentes) nos segredos do acesso à internet.
Partiram do princípio estúpido de que nós possuiríamos 25 terminais com banda larga para cumprir a exigência. Como assim? De onde eles tiraram esta idéia? Esqueceram de doar os PCs. Afirmar que está fazendo inclusão digital assim é mole, certo?
Bem, é típico deles esta presunção do tipo ' te vira', mas, a gente não te nada, a gente se safa, sabe como ? TODOS os alunos já sabiam acessar a internet na Lan House da esquina.

Spírito Santo · Rio de Janeiro, RJ 7/10/2007 12:55
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Spírito Santo
 

(bem, aprender a digitar é outra história, certo)

Spírito Santo · Rio de Janeiro, RJ 7/10/2007 12:57
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