Você acaba de rodar seu curta-metragem com a avançadÃssima Sony HVR-Z1 e, então, após queimar seus olhos semanas seguidas na ilha de edição (um Mac, obviamente), descobre que praticamente todos os festivais brasileiros de cinema importantes não aceitam inscrições de filmes digitais. (Eu sei, em sentido estrito, não existe "filme digital" mas apenas "vÃdeos". Ok. E daÃ?) "F...-se", você pensa. E, ao investigar, descobre que ainda há muitos dinossauros que desconsideram a produção digital como sendo cinema de verdade... (!) Ora, será que quando criaram a brochura os defensores do códice saÃram por aà a dizer que aquele objeto não correspondia a um livro de verdade e, por conseguinte, tampouco era literatura? Claro que não, trata-se de um falso problema. A grande e irônica prova disso é que 90% dos leitores de hoje jamais saberiam apontar a diferença entre um códice e uma brochura. Você sabe? (Se eu não tivesse escrito, em 1994, na Universidade de BrasÃlia, um trabalho sobre a história do livro, é provável que eu tampouco conheceria tal distinção.)
Em 1992, Coppola lançou Dracula, o primeiro longa-metragem de um grande estúdio editado não-linearmente, isto é, digitalmente. Coppola... Não-linear... Dracula... Correto. Foi gravado em formato digital? Não, foi captado em pelÃcula, mas já era então possÃvel processar, em computadores, os dados registrados por pelÃculas. Para os entendidos: já era possÃvel "renderizar" um filme de alta definição. Logo, o problema nunca foi a capacidade de processamento dos computadores, nunca foi a idéia de que um computador jamais conseguiria trabalhar com toda a informação contida numa pelÃcula, do contrário não assistirÃamos a nenhum filme hoje, haja vista que todos, sem exceção, são editados não-linearmente. Até o Spielberg, que torce o nariz para as câmeras digitais de alta definição do seu amigo George Lucas, edita digitalmente. O cara filma em pelÃcula, transfere tudo para o computador, edita e, por fim, devolve o produto final para pelÃcula. É este o procedimento. Enfim, o único e verdadeiro problema sempre foi este aqui: as câmeras digitais são capazes de captar imagens com a mesma qualidade da pelÃcula? Resposta: já estão praticamente cabeça com cabeça. Em dez anos, quem quiser continuar preso ao alto preço da pelÃcula só terá uma justificativa para isto: puro fetiche. Melhor faria se todas as noites ficasse nu e se masturbasse em sua própria cama enrolado em 60 metros de pelÃcula virgem...
Como eu dizia, você procura um bom festival brasileiro que aceite filmes digitais e não encontra mais que três ou quatro. Gramado? BrasÃlia? Não, não aceitam. Pedem um DVD apenas para apreciar a obra e, caso selecionada, exigem a presença da famigerada e nobre pelÃcula. Sim, para exibição só recebem pelÃculas de 16mm ou 35mm, uma coisa super glamorosa. (Sacou a contradição? Se eles defendem tanto a qualidade da pelÃcula contra a do digital, por que usam o DVD para avaliar previamente a qualidade dos trabalhos? Bem, na verdade, a questão é outra...) E a piada de humor-negro por trás disso tudo é que a transferência de vÃdeo digital para pelÃcula não sai por menos de R$ 1.000,00 o minuto, uma coisa linda que o faz pensar se vale a pena vender a casa da sua mamãezinha apenas para satisfazer seu ego de artista. Como você é filho duma geração muito bacana e por isso ainda curte sua mãe, passa alguns dias melancólico, imaginando o quão diferente sua vida seria hoje se sua mãe tivesse sido uma louca espancadora de crianças...
Passada a decepção, você inicia uma peregrinação virtual pelos sites dos mais diversos festivais internacionais e descobre que até o Oscar aceita filmes digitais (!). E não é só: Festival de Berlim? Aceita. De Biarritz? Aceita. De Clermont-Ferrand? Aceita. De Sundance? Aceita – assim como mais algumas centenas de outros festivais espalhados pelo mundo, o que você poderá verificar tranqüilamente através do site Withoutabox.com. No fundo, creio que tudo não passa mesmo de pura e simples pobreza de terceiro-mundistas. Não, pobreza mental, não: pobreza material. Se os vÃdeos digitais tornam a produção de um filme muito mais barata, por outro lado exigem que o exibidor adquira um novo e esfuziante projetor digital, que, com o passar de dois ou três anos, deverá ser novamente trocado por outro projetor digital ainda mais esfuziante e ainda mais capaz. Quem tem dinheiro para isso num paÃs onde se trabalha quatro meses apenas para pagar impostos? No final das contas, a culpa não é dos organizadores de festivais e de seu suposto fetiche por pelÃcula: é dureza mesmo. Daà meu conselho: se você acredita no seu filme digital, gaste dinheiro com a tradução e a legendagem e o envie para festivais internacionais. Afinal, para que servem esses festivais? Não é para garimpar talentos? E quem disse que o talento depende do suporte material da obra artÃstica?
O mais curioso, Yuri, é que a maioria dos curtas em 35 que passam em festivais foi filmado, inicialmente, em digital. Os próprios autores assumem que o principal motivo de fazerem o transfer é para passar os filmes nos festivais. Bom, tenho uma certa tranquilidade quanto a isso. É inevitável que esse tipo de exigência por pelÃcula, muito em breve, termine. É um caminho sem volta.
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 19/11/2007 16:09
Yuri, acho, sei não, mas a maioria dos festivais que eu conheço e não são poucos, aceitam, sim, obras em suporte digital. O problema que você decidiu procurar exatamente festivais que estão morrendo aos poucos, perdendo importância cultural. O lance é procurar outros festivais.
No mais, acho que sua matéria poderia ser acrescida da visão dos diretores destes eventos.
É verdade, Thiago, grande parte dos curtas-metragens de 35mm em circulação, hoje, foram produzidos em formato digital e posteriormente finalizados em pelÃcula (transfer). Como disse, nossa intenção era fazer o mesmo, mas isso apenas encareceria muito nosso orçamento. Tal atitude seria apenas mais uma versão do famoso "se não pode vencê-los, junte-se a eles".
Sim, Roberto, existem muitos festivais aceitando mÃdias digitais, mas, em geral, são os festivais mais novos e/ou underground. A grande maioria dos festivais tradicionais continuam aceitando apenas pelÃcula. Ok, eu também poderia correr atrás da opinião dos organizadores desses eventos, mas minha idéia era apenas dar um depoimento da perspectiva de um realizador. Nas conversas que tive durante os dois últimos festivais de que participei - ganhei o prêmio de melhor direção no III FestCine Goiânia - pude perceber que o fato real é: os projetores digitais são muito caros e a maioria das velhas salas de cinema - onde ocorrem os festivais tradicionais - ainda mantêm o velho e bom projetor de pelÃcula. Já os festivais que aceitam mÃdias digitais, aqui no Brasil, não possuem senão projetores de baixa resolução, em geral para DVD, cuja qualidade apenas corrobora a opinião dos defensores da pelÃcula...
Abraços! :)
Yuri, acho que esta exigência vai acabar rapinho. A qualidade da captação e edição digital está, como vc disse, quase cabeça a cabeça com a pelÃcula. Tenho também um certo fetiche pela pelÃcula, coisas da idade, mas estou cada vez mais interessada em outros processos, inclusive os realmente populares, onde a baixa qualidade faz parte da linguagem. Acho que esse é o caminho, a verdade e a vida do audiovisual. Ignorar os novos meios de produção é perder o trem de Lumiére.
As salas de exibição, inevitavelmente, terão que se render ao digital. Até porque a tendência é que a distribuição seja digital também, em pouco tempo. É um momento de transição, esse que vivemos.
Sempre haverá discussão.
Mudo x falado, PB x cor, pelÃcula x digital.
É tudo uma questão de transformação. E como você mesmo bem encerra: talento não tem nada que ver com suporte.
Viva a democratização do audiovisual. E as belas idéias que podemos ver realizadas graças a ela.
Faz parte de uma tradição elitista e cara, manter esta exigência.
Concordo com vc Yuri: é um desperdÃcio de talentos, e uma imposição à produções de alto custo.
Tomara que acabe rápido, para dar acesso a uma leva de apaixonados pelo cinema, que conseguem fazer coisas muito boas, com uma câmera na mão, uma boa idéia na cabeça, e um olhar sensÃvel para as coisas do mundo.
Abraço!
O Vitória Cine-VÃdeo aceita. Inscreva-se lá e em Sundance.
Estrangeiro · Rio de Janeiro, RJ 23/11/2007 18:53Muito bom o texto e muito pertinente a crÃtica! E acho que quanto mais realizadores baterem o pé pelo digital, mais rápido a coisa muda!
Mah Caldeira · Belo Horizonte, MG 23/11/2007 19:23
Uma Otima dica essa semana!
Dia 27 de novembro(terça-feira)haverá um coquetel de lançamento do livro-dvd Cancha 2,com apresentaçao de curtas e palestra com o escritor, diretor teatral e jovem cineasta curitibano, Adriano Esturilho e tambem um bate-papo com os criadores dos curtas e com o cineasta Walter Lima Júnior.
Entrada Franca!
Yuri, participei de apenas de 2 festivais, sendo o de Gramado o primeiro, com o curta O MACACO E O CANDIDATO http://www.portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=763
E do Guarnice Cinema e VÃdeo do Maranhão, que fui convidado pela Universidade Federal do Maranhão, para fazer parte do juri técnico do festival.
Acho, que esta exigência ainda é feita, pq são os que vendem as pelÃculas que patrocinam os tais festivais. Tb não veja a hora que isso acabe...
Abraços
VOTEI NO TRABALHO...
AMIGOS E AMIGAS...
Para o bem do OVERMUNDO
E da liberdade do autor – leiam:
http://www.overmundo.com.br/overblog/tirem-do-ar-moleques
http://www.overmundo.com.br/forum/debate-geral-o-que-e-cultura
Desculpem! Foi necessário!
Grande abraço!
Lailton Araújo
Tenho essa indignação também Yuri. Fiz o meu curta de forma independente e procuro até hoje festivais para participar. Participei de 2 aqui do Brasil até agora. Os mais tradicionais não aceitaram meu filme feito com a minha verba, portanto sem transfer. Acho que muitos trabalhos hoje tem qualidade técnica, de imagem e som, compatÃvel até com as melhores salas de cinema. A revolução digital já está aÃ, boa parte do cinema já capta e finaliza em digital, os festivais que não colocarem a mão no bolso, vão desaparecer. Bem feito pra eles.
NERO · Porto Alegre, RS 27/3/2008 13:40Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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