Fetiche por película

Cassius Cordeiro
ESPELHO (2007)
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yuri vieira · São Paulo, SP
23/11/2007 · 276 · 12
 

Você acaba de rodar seu curta-metragem com a avançadíssima Sony HVR-Z1 e, então, após queimar seus olhos semanas seguidas na ilha de edição (um Mac, obviamente), descobre que praticamente todos os festivais brasileiros de cinema importantes não aceitam inscrições de filmes digitais. (Eu sei, em sentido estrito, não existe "filme digital" mas apenas "vídeos". Ok. E daí?) "F...-se", você pensa. E, ao investigar, descobre que ainda há muitos dinossauros que desconsideram a produção digital como sendo cinema de verdade... (!) Ora, será que quando criaram a brochura os defensores do códice saíram por aí a dizer que aquele objeto não correspondia a um livro de verdade e, por conseguinte, tampouco era literatura? Claro que não, trata-se de um falso problema. A grande e irônica prova disso é que 90% dos leitores de hoje jamais saberiam apontar a diferença entre um códice e uma brochura. Você sabe? (Se eu não tivesse escrito, em 1994, na Universidade de Brasília, um trabalho sobre a história do livro, é provável que eu tampouco conheceria tal distinção.)

Em 1992, Coppola lançou Dracula, o primeiro longa-metragem de um grande estúdio editado não-linearmente, isto é, digitalmente. Coppola... Não-linear... Dracula... Correto. Foi gravado em formato digital? Não, foi captado em película, mas já era então possível processar, em computadores, os dados registrados por películas. Para os entendidos: já era possível "renderizar" um filme de alta definição. Logo, o problema nunca foi a capacidade de processamento dos computadores, nunca foi a idéia de que um computador jamais conseguiria trabalhar com toda a informação contida numa película, do contrário não assistiríamos a nenhum filme hoje, haja vista que todos, sem exceção, são editados não-linearmente. Até o Spielberg, que torce o nariz para as câmeras digitais de alta definição do seu amigo George Lucas, edita digitalmente. O cara filma em película, transfere tudo para o computador, edita e, por fim, devolve o produto final para película. É este o procedimento. Enfim, o único e verdadeiro problema sempre foi este aqui: as câmeras digitais são capazes de captar imagens com a mesma qualidade da película? Resposta: já estão praticamente cabeça com cabeça. Em dez anos, quem quiser continuar preso ao alto preço da película só terá uma justificativa para isto: puro fetiche. Melhor faria se todas as noites ficasse nu e se masturbasse em sua própria cama enrolado em 60 metros de película virgem...

Como eu dizia, você procura um bom festival brasileiro que aceite filmes digitais e não encontra mais que três ou quatro. Gramado? Brasília? Não, não aceitam. Pedem um DVD apenas para apreciar a obra e, caso selecionada, exigem a presença da famigerada e nobre película. Sim, para exibição só recebem películas de 16mm ou 35mm, uma coisa super glamorosa. (Sacou a contradição? Se eles defendem tanto a qualidade da película contra a do digital, por que usam o DVD para avaliar previamente a qualidade dos trabalhos? Bem, na verdade, a questão é outra...) E a piada de humor-negro por trás disso tudo é que a transferência de vídeo digital para película não sai por menos de R$ 1.000,00 o minuto, uma coisa linda que o faz pensar se vale a pena vender a casa da sua mamãezinha apenas para satisfazer seu ego de artista. Como você é filho duma geração muito bacana e por isso ainda curte sua mãe, passa alguns dias melancólico, imaginando o quão diferente sua vida seria hoje se sua mãe tivesse sido uma louca espancadora de crianças...

Passada a decepção, você inicia uma peregrinação virtual pelos sites dos mais diversos festivais internacionais e descobre que até o Oscar aceita filmes digitais (!). E não é só: Festival de Berlim? Aceita. De Biarritz? Aceita. De Clermont-Ferrand? Aceita. De Sundance? Aceita – assim como mais algumas centenas de outros festivais espalhados pelo mundo, o que você poderá verificar tranqüilamente através do site Withoutabox.com. No fundo, creio que tudo não passa mesmo de pura e simples pobreza de terceiro-mundistas. Não, pobreza mental, não: pobreza material. Se os vídeos digitais tornam a produção de um filme muito mais barata, por outro lado exigem que o exibidor adquira um novo e esfuziante projetor digital, que, com o passar de dois ou três anos, deverá ser novamente trocado por outro projetor digital ainda mais esfuziante e ainda mais capaz. Quem tem dinheiro para isso num país onde se trabalha quatro meses apenas para pagar impostos? No final das contas, a culpa não é dos organizadores de festivais e de seu suposto fetiche por película: é dureza mesmo. Daí meu conselho: se você acredita no seu filme digital, gaste dinheiro com a tradução e a legendagem e o envie para festivais internacionais. Afinal, para que servem esses festivais? Não é para garimpar talentos? E quem disse que o talento depende do suporte material da obra artística?

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Thiago Camelo
 

O mais curioso, Yuri, é que a maioria dos curtas em 35 que passam em festivais foi filmado, inicialmente, em digital. Os próprios autores assumem que o principal motivo de fazerem o transfer é para passar os filmes nos festivais. Bom, tenho uma certa tranquilidade quanto a isso. É inevitável que esse tipo de exigência por película, muito em breve, termine. É um caminho sem volta.

Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 19/11/2007 16:09
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Roberto Maxwell
 

Yuri, acho, sei não, mas a maioria dos festivais que eu conheço e não são poucos, aceitam, sim, obras em suporte digital. O problema que você decidiu procurar exatamente festivais que estão morrendo aos poucos, perdendo importância cultural. O lance é procurar outros festivais.

No mais, acho que sua matéria poderia ser acrescida da visão dos diretores destes eventos.

Roberto Maxwell · Japão , WW 20/11/2007 01:47
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yuri vieira
 

É verdade, Thiago, grande parte dos curtas-metragens de 35mm em circulação, hoje, foram produzidos em formato digital e posteriormente finalizados em película (transfer). Como disse, nossa intenção era fazer o mesmo, mas isso apenas encareceria muito nosso orçamento. Tal atitude seria apenas mais uma versão do famoso "se não pode vencê-los, junte-se a eles".

Sim, Roberto, existem muitos festivais aceitando mídias digitais, mas, em geral, são os festivais mais novos e/ou underground. A grande maioria dos festivais tradicionais continuam aceitando apenas película. Ok, eu também poderia correr atrás da opinião dos organizadores desses eventos, mas minha idéia era apenas dar um depoimento da perspectiva de um realizador. Nas conversas que tive durante os dois últimos festivais de que participei - ganhei o prêmio de melhor direção no III FestCine Goiânia - pude perceber que o fato real é: os projetores digitais são muito caros e a maioria das velhas salas de cinema - onde ocorrem os festivais tradicionais - ainda mantêm o velho e bom projetor de película. Já os festivais que aceitam mídias digitais, aqui no Brasil, não possuem senão projetores de baixa resolução, em geral para DVD, cuja qualidade apenas corrobora a opinião dos defensores da película...
Abraços! :)

yuri vieira · São Paulo, SP 20/11/2007 02:23
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Ilhandarilha
 

Yuri, acho que esta exigência vai acabar rapinho. A qualidade da captação e edição digital está, como vc disse, quase cabeça a cabeça com a película. Tenho também um certo fetiche pela película, coisas da idade, mas estou cada vez mais interessada em outros processos, inclusive os realmente populares, onde a baixa qualidade faz parte da linguagem. Acho que esse é o caminho, a verdade e a vida do audiovisual. Ignorar os novos meios de produção é perder o trem de Lumiére.
As salas de exibição, inevitavelmente, terão que se render ao digital. Até porque a tendência é que a distribuição seja digital também, em pouco tempo. É um momento de transição, esse que vivemos.

Ilhandarilha · Vitória, ES 22/11/2007 08:18
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Ana Murta
 

Sempre haverá discussão.
Mudo x falado, PB x cor, película x digital.
É tudo uma questão de transformação. E como você mesmo bem encerra: talento não tem nada que ver com suporte.
Viva a democratização do audiovisual. E as belas idéias que podemos ver realizadas graças a ela.

Ana Murta · Vitória, ES 22/11/2007 11:22
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Roberta Tum
 

Faz parte de uma tradição elitista e cara, manter esta exigência.
Concordo com vc Yuri: é um desperdício de talentos, e uma imposição à produções de alto custo.
Tomara que acabe rápido, para dar acesso a uma leva de apaixonados pelo cinema, que conseguem fazer coisas muito boas, com uma câmera na mão, uma boa idéia na cabeça, e um olhar sensível para as coisas do mundo.

Abraço!

Roberta Tum · Palmas, TO 23/11/2007 10:16
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Estrangeiro
 

O Vitória Cine-Vídeo aceita. Inscreva-se lá e em Sundance.

Estrangeiro · Rio de Janeiro, RJ 23/11/2007 18:53
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Mah Caldeira
 

Muito bom o texto e muito pertinente a crítica! E acho que quanto mais realizadores baterem o pé pelo digital, mais rápido a coisa muda!

Mah Caldeira · Belo Horizonte, MG 23/11/2007 19:23
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Gabriele
 

Uma Otima dica essa semana!

Dia 27 de novembro(terça-feira)haverá um coquetel de lançamento do livro-dvd Cancha 2,com apresentaçao de curtas e palestra com o escritor, diretor teatral e jovem cineasta curitibano, Adriano Esturilho e tambem um bate-papo com os criadores dos curtas e com o cineasta Walter Lima Júnior.
Entrada Franca!

Gabriele · Rio de Janeiro, RJ 24/11/2007 13:58
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Kais Ismail
 

Yuri, participei de apenas de 2 festivais, sendo o de Gramado o primeiro, com o curta O MACACO E O CANDIDATO http://www.portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=763
E do Guarnice Cinema e Vídeo do Maranhão, que fui convidado pela Universidade Federal do Maranhão, para fazer parte do juri técnico do festival.
Acho, que esta exigência ainda é feita, pq são os que vendem as películas que patrocinam os tais festivais. Tb não veja a hora que isso acabe...
Abraços

Kais Ismail · Porto Alegre, RS 25/11/2007 14:31
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LAILTON ARAÚJO
 



VOTEI NO TRABALHO...


AMIGOS E AMIGAS...

Para o bem do OVERMUNDO

E da liberdade do autor – leiam:

http://www.overmundo.com.br/overblog/tirem-do-ar-moleques

http://www.overmundo.com.br/forum/debate-geral-o-que-e-cultura

Desculpem! Foi necessário!

Grande abraço!

Lailton Araújo

LAILTON ARAÚJO · São Paulo, SP 25/11/2007 18:18
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NERO
 

Tenho essa indignação também Yuri. Fiz o meu curta de forma independente e procuro até hoje festivais para participar. Participei de 2 aqui do Brasil até agora. Os mais tradicionais não aceitaram meu filme feito com a minha verba, portanto sem transfer. Acho que muitos trabalhos hoje tem qualidade técnica, de imagem e som, compatível até com as melhores salas de cinema. A revolução digital já está aí, boa parte do cinema já capta e finaliza em digital, os festivais que não colocarem a mão no bolso, vão desaparecer. Bem feito pra eles.

NERO · Porto Alegre, RS 27/3/2008 13:40
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