Assistir a uma apresentação de Folia de Reis - bem como de muitas outras manifestações da cultura popular brasileira - é poder dar aos olhos a sensação colorida de que é possÃvel tocar a alma com o que se vê; e como é. No próximo dia 06 de outubro, cerca de 90 grupos de Folias se reúnem para o maior Encontro de Folias de Reis do paÃs, na pequena e histórica cidade de Muqui, sul do EspÃrito Santo. O evento, que acontece todos os anos, teve inÃcio em 1950, por inciciativa do professor e então prefeito da cidade Dirceu Cardoso, um entusiasta da cultura popular. De lá pra cá, o Encontro só cresceu e reúne foliões de toda a região sudeste e turistas de todo o paÃs.
Ver, ouvir, cheirar a cultura popular assim de frente, tatear a si próprio e perceber o arrepio manifestado através dos sentidos todos é permitir-se viajar no tempo e no espaço da alegria, da encenação de algo sagrado, folclórico, que nos faz silenciar e aperfeiçoar as atenções para um ritual que encanta. É assim que me sinto sempre que paro para sentir uma Folia - ou Terno de Reis, em algumas regiões. Foi assim, também, que me senti quando estive na residência do senhor Aldemar Gasparelo, mestre da Folia Três Reis do Oriente, a mais antiga, em atividade, do EspÃrito Santo.
O carismático senhor Aldemar Gasparelo tem 85 anos e desde os 12 acompanha os grupos de Folias de Reis. "Eu comecei menino ainda, no estado do Rio, em Miracema, terra do Dr. Dirceu Cardoso, mas não tinha fardamento (uniforme tÃpico dos foliões) nem nada. Quando viemos pro EspÃrito Santo, eu e meus irmãos continuamos participando da Folia, mas chegou uma hora que eu falei que a gente tinha que ter nossa própria folia". Foi aà que, em 1940, ele e seus irmãos fundaram a folia Três Reis do Oriente.
Tradição
Ele nos conta que, atualmente, muitas folias perderam sua caracterÃstica, sua tradição original. Pois, no tempo em que era jovem, eles saÃam a zero hora do dia 25 de dezembro, visitavam famÃlias da região, cantando e levando a bênção da Folia e só retornavam no dia 06 de janeiro, dia dos Santos Reis Magos, que visitaram Jesus recém-nascido na manjedoura. Nessa peregrinação de 12 dias, eles dormiam onde lhes davam abrigo e comiam o que recebiam nas casas por onde passavam. "Às vezes a gente jantava, outras era só um café, e a gente ia, não podia parar".
Nos dias de hoje, segundo o Sr. Aldemar, são poucas as Folias que cumprem com essa obrigação. Pois quando um grupo de foliões decidem formar uma Folia, eles assumem um compromisso, uma espécie de promessa aos Santos Reis, de que irão cumprir o ritual por sete anos. Passada esta fase, eles decidem se continuam ou não. No caso da Folia Três Reis do Oriente, já são 67 anos de história.
Nessas quase sete décadas, os filhos, noras e netos do Sr. Aldemar também entraram para o grupo. A famÃlia toda se envolve, desde a confecção do fardamento, bonés, bandeira com imagem dos Reis Magos, as máscaras dos palhaços, até a conservação dos instrumentos e a organização do Arremate - uma festa que cada Folia faz para comemorar o fim de sua peregrinação. O Arremate pode ser no dia 06 de janeiro, ou em outra data do ano.
Para manter a tradição das Folias, muitos grupos formados por adultos inserem entre eles adolescentes e jovens. Há Folias inteiras formadas só por crianças, são as Folias Mirins.
A comerciária Maria da Penha Moreira da Silva, de Cachoeiro de Itapemirim, conta que participa do encontro em Muqui há um ano. "É um espetáculo maravilhoso e belÃssimo, muito bem preparado e organizado. É fantástico! Nunca imaginei que fosse tão lindo". Sua estréia no Encontro de Folias se deu por causa do filho, Hugo da Silva Pimentel, de apenas cinco anos.
Segundo Maria da Penha, "desde bebê ele já adorava ver a Folia tocar, e quando mais grandinho já acompanhava o ritmo certinho das batidas dos instrumentos, foi aà que o tio dele - que integrava a Folia de Reis Parada Cristal de Jerônimo Monteiro, junto com o pai e o avô do garoto- resolveu fazer uma roupa igual à da Folia pra ele". Quando o filho resolveu ir ao Encontro com o pai e o avô, a mãe acabou indo também e não pretende deixar de ir nos próximos anos.
No encontro anual em Muqui, vê-se um pouco de tudo: crianças, jovens, adultos, idosos; homens e mulheres; negros, brancos, Ãndios, pardos; é uma festa que une culturas, etnias, famÃlias do interior de uma região que tem a cara e a cor de todas as outras, a Região Sudeste.
Componentes
Como nos conta o mestre Dulcino Gasparelo - filho do Sr. Aldemar e integrante da Folia Três Reis do Oriente desde os sete anos - normalmente uma Folia tem entre 12 a 14 componentes, podendo variar de acordo com cada grupo. O número de integrantes equivale ao número de apóstolos de Cristo, 12; mais um ou dois soldados de Herodes - o rei que mandara matar Jesus, quando do seu nascimento- somando 13 ou 14 componentes. "Mas tem Folia com 11, porque ignora Judas como Apóstolo; outras com 15, varia". Para ele, a Folia é uma religião. “Eu saio com a Folia, rezo um pai nosso, uma ave-Maria. No que eu peço, sou atendidoâ€, conta emocionado. Na cidade de Muqui, além da Folia da famÃlia Gasparelo, há outros 11 grupos de Folias.
Entre os componentes estão os mestres - que conduzem a Folia, cantam, falam os versos nas chegadas das casas-; os contra-mestres, os reis magos - que representam os Reis do Oriente na busca pela estrela que os levará ao menino Jesus, o(s) palhaço(s) e os outros integrantes, chamados de foliões. Todos, porém, cantam e/ou tocam instrumentos como sanfona, viola, violão, bandolim, cavaquinho, triângulo, pandeiro, bumbo, caixa, chocalho, entre outros.
O palhaço
Uma curiosidade sobre o palhaço é que ele, apesar do que comumente se diz, não representa, segundo o mestre de Folias Dulcino Gasparelo, o demônio. A figura caricata do palhaço representa os soldados de Herodes, que, disfarçados em farrapos e máscaras, perseguiam os Reis Magos, a fim de informar o Rei Herodes onde estava o menino Jesus. Mas, ao encontrarem o menino, eles se arrependeram e se ajoelharam em adoração a Jesus.
Os palhaços sempre acompanham a Folia de longe, indo atrás, meio que na penumbra para não serem notados e só depois se revelam e, nesse momento, cantam versos. No Encontro de Folias, os palhaços costumam se apresentar e, inclusive, duelar entre si, por meio de suas trovas. Na bênção das Folias, na igreja Matriz, ponto alto do Encontro, os palhaços tiram suas máscaras para entrarem na igreja, pois já não são mais mensageiros de Herodes. Os que se recusam a tirar as mácaras, têm que esperar os outros foliões do lado de fora.
A Festa nas ruas
A festa anual faz com que muitas famÃlias abram suas casas para que as Folias cantem seu louvor. Os donos das casas enfeitam as janelas e o interior com toalhas, flores e imagens de santo, para receberem foliões e turistas. Muitas dessas casas são tombadas pelo patrimônio histórico estadual, o que torna ainda mais harmonioso o Encontro. É uma festa popular, em meio aos casarões que lembram a nobreza cafeeira do século 19. É o maior Encontro de Folias, no maior sÃtio histórico do EspÃrito Santo. É beleza que não acaba mais, é encanto, fé, poesia viva, saltando aos olhos e corações. E não precisa ser religioso, a festa é para todos e as bênçãos também.
Lembro-me de que quando era pequeno, meu pai e minha mãe, nos acordavam cedo - a mim a aos meus irmãos - para irmos ao Encontro de Folias. Morávamos na roça, era distante, mas Ãamos felizes assistir à quela festa. Ficávamos o dia todo, só voltávamos pra casa à noite. Na minha cabeça, a imagem do palhaço pulando e cantando é a mais marcante.
Música
Muitas manifestações culturais e religiosas em nosso paÃs se baseiam em músicas ou mesmo em quadras -estrofes com 4 versos-, com versos falados ou cantados, passados de geração em geração pela rica cultura oral. As músicas ou versos cantados nessas manifestações têm uma cadência tão caracterÃstica, e temática tão própria que só de ouvir de longe já se sabe do que se trata. O canto entoado pelas Folias de Reis é assim. Ao ouvi-lo, já se pode imaginar que há uma folia cantando em alguma casa do campo ou da cidade. E se além de ouvir, pudermos ver, aà sim, a magia se completa, é quando a música da folia toca a alma da gente.
Com a Folia, a alegria do comércio local
Nos últimos anos, o encontro tem reunido um público em torno de oito mil pessoas, entre foliões e visitantes. Para 2007, a expectativa é de que dez mil pessoas venham ao cenário das Folias em Muqui. Todo esse movimento agita a cidade, que tem menos de 15 mil habitantes. Segundo a secretária de Cultura e Turismo do municÃpio, Joelma Consuelo, "o que o comércio fatura em apenas um dia de Encontro é o equivalente ao lucro de um mês de vendas".
O artesanato local também fatura com o evento. Dona Juracy Mattos de Oliveira, atesã há 40 anos, recebeu encomenda para confeccionar mais de 100 miniaturas de palhaços de Folias de Reis, somente para este ano. Ela, que já produzia bonecas de retalho, palha, bucha vegetal; chinelos, chapéus, bolsas de crochê e tricô, aprendeu, por meio de uma oficina com o mestre de Folias Dulcino Gasparelo, a trabalhar com couro e a confeccionar os palhaços das Folias de Reis. O couro, matéria-prima para o artesanato dos palhacinhos, é comprado diretamente com criadores de gado do municÃpio.
Outras atividades como a agroindústria de doces e licores recebem grande procura nesta época do ano, com o Encontro de Folias e em fevereiro, com o Carnaval Folclórico do Boi Pintadinho.
O Encontro Nacional de Folias de Reis reacende essa cultura popular cristã, vinda de Portugal com os colonizadores e miscigenada pela diversidade etnica e cultural brasileira. O Encontro acontece, geralmente, no mês de abril, mas, este ano, a festa será no dia 06 de outubro.
Vale muito a pena experimentar as cores e a emoção marcantes. O canto das Folias tocam e ritmam nossas sensações.
Antes que voce volte - meus parabens pela iniciativa, a foto....
andre.
Vlw Andre.
Está convidado para o Encontro. Aliás, vc e todos que lêem.
Abraço
Linda matéria! Lindas fotos!
Que tal uma sobre o Boi Pintadinho?
Então, Ana,
primeiro obrigado. Depois, quero sim fazer uma cobertura sobre o carnaval do Boi Pintadinho de Muqui.
Melhor ainda vao ser se vc estiver por lá, como nos outros anos.
Bjos
Ei Ériton!
Como sempre, texto perfeito e trabalho competente.
Grande abraço!
Ériton, que festa linda essa de Folia de Reis. Só continua de pé por causa de nobres criaturas como o Sr. Aldemar Gasparelo. Isso é fé, amor e dedicação. Sua matéria está excelente e aprendi muito. Aqui em Alvinópolis acontece no próximo dia 06 o Congado, também é uma festa linda. Um abração. Votado, viu?
anamineira · Alvinópolis, MG 3/10/2007 16:30
Q legal, no ES também temos uma rica cultura do Congo. Vc bem que podia cobrir este Congado aà em Alvinópolis e mostar pra gente, hein?
Sr Aldemar é um gracioso. Recebeu-me em sua casa, com bom café de fogão à lenha, bolinhos de chuva e de mandioca. Qse não voltei mais de lá. E a famÃlia dele, desde os filhos, noras e netos, recebe a gente como se fosse de casa. A casa e o sÃtio dos Gasparelo daria um bom Guia.
Bjos Ana
Bonito isso, tchê!
Adroaldo Bauer · Porto Alegre, RS 3/10/2007 17:08
Que delÃcia! Em outubro essa festança todo ano?Texto muito bom, adorei saber destas delÃcias...E olhe, sucesso nas coberturas...
O Boi Pintadinho deve ser uma alegria! Texto copiado e salvo.
Parabens Eriton.
votado.
Copiei, pois nao dá para salvar. um abraço.
Cintia Thome · São Paulo, SP 3/10/2007 18:35
Ériton
voce está intimado no ano que vem inserir um monte de vezes na agenda. ou aqui mesmo, é mais lido.
arquivei. Olha de uma lida rápida, achei das resenhas assim
mais completas, claro um pouco diferente do nordeste, ou Goiás, mas vou reler, um abraço, andre.
Me emociona muito o amor pela sua terra! Parabéns pelas fotos de Humberto Capai e pela beleza de suas matérias! VotadÃssimo!!!
ps: o Ceará está ótimo! E daqui uns dias mando as minhas matérias. Me aguarde.
Abraços, querido.
Folia de Reis é top no meu conceito.
Valeu muito a colaboração Ériton!
Abraços
Gostei!
Não sabia que no EspÃrito Santo existia essa festa.
A festa que eu conheço de lá é o CONGO, que acontece na Barra do Jucu. Tem até uma música do Martinho da vila que fala sobre a festa e sobre a cidadezinha, MADALENA.
Parabéns por suas informações. Me cadastrei ontem no OVERMUNDO e estou entusiasmada com tantas informações da nossa cultura e com as poesias apresentadas pelos colegas.
Muito bom!!!! Valeu!!
Cintia e Andre,
o Encontro acontece todos os anos sim. E no ano q vem, lembrarei a todos do Overmundo com antecedência. quem puder, apareça!
Candice,
aguardo sua matérias sobre seu lindo estado.
Jornalista81,
Além do congo em diversos municÃpios capixabas, como na vila da Barra do Jucu (Vila Velha), há a Folia de Reis em, muitos lugares por aqui. Muqui concentra um número grande de Folias e é onde acontece o Encontro nacional. A cidade tem também o carnaval de Boi Pintadinho. Aproveite e apareça!
Ilze Soares,
bem-vinda ao Overmundo!
Espero q goste do que verá por aqui. Há muita coisa boa!
E mande boas coisas da Bahia pra gente. Coisa boa aà é o que não falta.
Ériton, sempre que tenho a oportunidade de assistir uma apresentação de Folia de Reis aqui na minha cidade sempre sigo atrás no cortejo. É para mim a parte mais especial, gosto demais da folia.
Abraços
Elizete
Ériton, que rico este seu texto!
E as fotos estão maravilhosas.
Como já disse na outra colaboração sua, adoro festas de reis e agradeço por ter me encantado com essa beleza.
beijos
P.S. Demorei para comentar porque estava sem teclado.
Elizete,
O cortejo da Folia é mesmo a parte mais emocionante. Eu também adoro. E, imagina vc, q em Muqui, são 90 Folias tocando ao mesmo tempo, em vários pontos da cidade. É lindo!
Obrigado, Saramar, e espero q tenha gostado do mini poema q deixei em sua página, rs.
Abração
Oi Querido,
o trânsito na avenida principal vai parar.
Sabe o que isso significa não é? Ôooo cidade festeira!
Que venham os convidados do OverMundo, a gente recebe.
bjs
puget
Ériton, finalmente consegui vir até aqui e ler esse seu texto super informativo e interessante: e, coincidentemente, no dia da festa! Puxa, deu vontade de embarcar praÃ!
Nunca acompanhei uma foilia de reis. Certamente existem muitos grupos espalhados pelo Rio - recentemente soube de alguns numa cidade aqui pertinho de casa e também sei que a tradição é mantida em algumas favelas, como o Morro Dona Marta ou São Carlos (não sei ao certo!), aqui no Rio, mas não sei de nenhum encontro como esse daÃ.
Abraços e parabéns pelo texto!
Muito bom seu material!!!! Com certeza nos encontraremos em Muqui esse ano.
Quando puder dê uma olhada
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