Quando vi o Museu Guggenheim em Bilbao pela primeira vez pessoalmente achei menos surpreendente do que nas fotos, nas quais parecia uma alucinante e futurista escultura de titânio. Era difÃcil, mesmo para um arquiteto, acreditar que poderia haver uma “ordem arquitetônica†alà e que a revolução formal pretendida resultasse em beleza para olhos acostumados à tradição da arquitetura limpa de inspiração modernista. Quando cheguei perto da obra, apesar de só poder apreciá-la de fora ( não pude entrar, pois o museu estava fechado) consegui compreendê-la melhor, mas mesmo assim ela não me cativou de cara como outras grandes obras arquitetônicas, cuja a beleza apreciada de perto, muitas vezes, me emocionara. O prédio - ou aquela escultura na qual se podia penetrar e exercer atividades - me pareceu uma construção extremamente tecnológica e portanto fria, para mim. Aquelas formas mirabolantes só poderiam ser projetadas e construÃdas com a ajuda de poderosos programas de computação gráfica e alto desenvolvimento tecnológico de materiais, portanto com um suporte técnico e um custo muito elevados. Aliado ao efeito de espetáculo urbano que o projeto provocara, atraindo investimentos urbanos e turÃsticos e potencializando a função capitalista da “arquitetura de grifeâ€, a euforia gehriana não me contagiou. Não havia nela a simplicidade, a leveza e a espontaneidade do traço arquitetônico de um Niemayer, por exemplo.
Esta impressão modificou-se bastante quando assisti ao documentário “ Sketches of Frank Gehry†de Sidney Pollack. Ao invés de ver Gehry como um contraponto a Niemayer, passei a vê-lo como um continuador deste, ( embora Gehry provavelmente não se veja assim), no rompimento da rigidez formal do modernismo e na incorporação da forma livre como expressão arquitetônica acima de tudo. Ou acima da função, de acordo com a conhecida polêmica entre arquitetos formalistas e funcionalistas. Assim como Niemayer, Gehry, antes de ser um arquiteto é um genial escultor e trata desta forma a obra arquitetônica. Há discordâncias quanto a “boa arquitetura†ser, antes de tudo, formal, mas há de se reconhecer a grande plasticidade dos projetos de Gehry e Niemayer. È claro que nem sempre esta plasticidade significa beleza para a maior parte das pessoas. Ou seja, Gehry e Niemayer também projetam obras que são consideradas feias e sem a genialidade de suas obras primas.
Interessante é vermos ambos - Gehry e Niemeyer – como homens simples e poetas do traço livre, que preferem conceber suas obras a partir de croquis desenhados a mão. Nenhum dos dois desenha em computador, embora tenham equipes de profissionais altamente treinados em sofisticadas tecnologias a os assessorar. Os dois pensam a arquitetura, desde a concepção do projeto, como volume plástico e objeto escultório que deve proporcionar surpresa e emoção à s pessoas em primeiro lugar. O que os diferencia: Em Gehry é o arrojo das formas curvilÃneas e o uso sofisticado de materiais “high tech†que cria a surpresa arquitetônica, em Niemeyer é a singeleza e sofisticação do traço curvo e o desenho limpo que levam à beleza. Gehry esculpe no metal – material caro e sofisticado da arquitetura de impacto midiática do Sec XXI , Niemeyer no concreto– material barato e terceiromundista, a pedra transformada em arte edificada pela arquitetura brasileira modernista da década de 1950/60.
Gehry consequiu dar vazão ao seu poder criativo com o auxÃlio da terapia e quando resolver ousar na profissão. Niemayer sempre afirmou que dá menos importância à arquitetura – a qual exerce diariamente até hoje com seus 100 anos - do que a vida. Conclui-se que o aspecto humano é o que diferencia estes mestres. Há razão, contudo, em muitas crÃticas a eles feitas e muitas vezes contradição na humanidade que desejam para a sua arquitetura e no que ela, de fato, representa, enquanto sÃmbolo midiático e de poder. Porém contradição, desigualdade, paradoxo, beleza e caos são traços próprios da arte e não se pode cobrar coerência dela, sob pena de esterelizá-la.
Lucio Costa deveria ser homenageado tanto quanto Niemeyer, pois foi ele quem colocou os projetos do mestre, de pe'. A beleza para ele (Niemeyer) e' tão importante, que nao se importa muito com a funcionabilidade dos mesmos...ele e' o que Vinicius de Moraes dizia: Me desculpem as feias, mas beleza e fundamental ! E o "velho" tem razão... Parabens pelo texto
victorvapf · Belo Horizonte, MG 3/1/2008 21:19Maravilhoso texto, pena sem muitas fotos. Mas quanto a Lucio Alves, últimos anos vivendo muito mal...Tão grande quanto estes arquitetos-poetas.
Cintia Thome · São Paulo, SP 5/1/2008 10:02Perdoe, Lucio Costa.
Cintia Thome · São Paulo, SP 5/1/2008 10:03
Victor e Cintia, obrigado pelos comentários. De fato, Lucio Costa foi um tanto injustiçado pela mesma mÃdia que enaltece Niemeyer. O mais comum é creditar a Oscar o projeto urbanistico de BrasÃlia, que é de autoria de Lúcio. Lúcio deixou importantes contribuições em projetos urbanos e de edificações e também na teoria de arquitetura e urbanismo. Na verdade ele foi o mestre e primeiro incentivador de Oscar Niemeyer, empregando-o em seu escritório quando Oscar ainda iniciava sua carreira. Também foi Lúcio quem colocou Oscar na equipe de arquitetos, por ele chefiada, que projetou o Ministério da Educação no Rio de Janeiro, primeira grande obra modernista no Brasil. Viva sempre Lúcio Costa.
PS - quanto às fotos, Cintia, tentei mas não consegui postar
Voltando para cumprir meu dever civico! Gyothobat, seu comentario e' uma justa homenagem ao grande Mestre de Brasilia, Lucio Costa, que sempre se portou de uma maneira humilde, deixando a cena para os outros. Niemeyer merece esta homenagem ! Novamente, meus parabens,
victorvapf · Belo Horizonte, MG 5/1/2008 22:21
Para quem quiser ler o texto no meu blog e ver as fotos e links para páginas que complementam as informações o endereço é:
http://baumental.blogspot.com/
Gyothobat
Ok. Terei prazer em ir ao teu blog. Mas teu texto é brilhante. Nasci em Campinas/sp e lá tem um EdifÃcio projetado nos anos 50 por Niemayer e o que fico chateada é que este edifÃcio (residencial) não está incluÃdo em nada quando o assunto é Oscar...Vou tirar umas fotos e te enviarei uma...Quanto a Lucio, ele sabia que Oscar era bom...
abçs.
GYOTHOBAT,
Maravilha de texto.Como, ao que parece, também você, fico lisongeado de ser um dos milhões de pessoas que fazem a adoração do futuro mais remoto quando vejo Niemeyer (ou um Gehry destes). Estamos sim, admirando maravilhas do gênio humano que os nossos descendentes mais distantes admirarão.
Abs
É Spirito Santo, a boa arquitetura é beleza edificada e seu valor se mede pela permanência das suas qualidades estéticas no tempo.
Gyothobat · BrasÃlia, DF 6/1/2008 17:55
Gyothobat,
Texto muito bom. tanto a exposição, a amarração e o cotejo entre o trabalho dos dois artistas. Para uma pessoa leiga como eu, fica mais fácil ver sob o esse ponto de vista: "Interessante é vermos ambos - Gehry e Niemeyer – como homens simples e poetas do traço livre, que preferem conceber suas obras a partir de croquis desenhados a mão." Assim, posso dispensar qualquer conhecimento técnico e apenas admirar a poesia na arquitetura de ambos. Parabéns. Bjs.
oi Gyothobat: por morar em BrasÃlia, e gostar de Lao Tse, talvez você se divirta com este meu texto - abraços!
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 16/1/2008 00:55
Hermano, arquitetos e planejadores sempre assumem ares de quase-deuses quando “desenham†a vida dos outros nos espaços que projetam. E quanto mais famosos e incensados são mais a própria sociedade os transforma em quase-deuses. Na verdade há uma conveniência ideológica ou mercadológica no endeusamento de arquitetos e planejadores. De fato, o que revitalizações urbanas em cidades como Bilbao, Barcelona Berlim e Buenos Aires (1) promoveram, além de toda badalação e a atração da atenção da mÃdia para si, foi o espetacular resultado econômico imobiliário, turÃstico e comercial dos seus emprendimentos urbanÃsticos e arquitetônicos. A assinatura de arquitetos do “star system†como Gehry, Koolhaas, Nouvel, Calatrava e outros conferem um retorno altamente lucrativo a estes investimentos urbanos, embora não se possa dizer, separando a obra arquitetônica do seu resultado capitalista, que estas não tenham valor em si. Algumas, de fato, cumprem o papel da arquitetura enquanto arte, que é o de criar a beleza, o inusitado, a emoção estética, o puro deleite. Mas, referenciado em Lefebvre, não se pode deixar de admitir que a arquitetura-espetáculo unida ao urbanismo de resultados, produzem uma interação quase perfeita entre consumismo e culturalismo, na qual a cidade-produto (mercadoria – valor de câmbio) encontra o seu melhor resultado na cidade-obra (monumento, arte, espetáculo- valor de uso). Dogmas ou modismos do passado, como o modernismo e o planejamento centralizador são substituÃdos por novos paradigmas do presente como o planejamento estratégico-participativo e a estética high tech e midiática mas o papel dos arquitetos e planejadores como artistas de reis mecenas (travestidos de grandes investidores urbanos) não mudou no decurso da história.
(1) – Por uma estranha coincidência não planejada o nome de todas estas cidades começam por “Bâ€
Olá Cintia Thomé
Quando você tiver fotosda obra de Oscar me passe por favor. Estou viajando cada lugar onde tem um obra do oscar niemeyer. Uma odissáia particular. Faça contato: hainneraz@gmail.com.
Ficarei muito grato.
abração
Olá Cintia
Há uma citação na wikipédia da obra.
Veja lá: http://pt.wikipedia.org/wiki/Edif%C3%ADcio_Itatiaia
Abração
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