Marília Lamas e Carolina Machado
“Fundir”, segundo o dicionário Houaiss, é “incorporar (várias coisas em uma só); reunir (-se); juntar (-se); confundir (-se); organizar (-se)”. Já “progresso” é “o fato de expandir, propagar-se; propagação, expansão”. Fundição Progresso, portanto, é um nome perfeito para o local que abrigou o ensaio para o Tangolomango na última sexta-feira, 7 de novembro.
Em nossa visita às oficinas de sexta, vimos que os diversificados grupos culturais que compuseram no domingo, dia 9, o show do Circo Voador fizeram do prédio histórico da Rua dos Arcos um espaço para reunião, junção, expansão, e, é claro, um pouquinho de confusão. E que confusão gostosa: cores vivas associadas a sons vibrantes; batuque de um lado, sanfona de outro; acrobacia pra lá, sapateado pra cá; um espetáculo sinestésico completado pelo cheiro de suor e Gelol que dava pra sentir de vez em quando. “A gente procura escolher grupos diferentes, que utilizam linguagens diferentes. É claro que isso também cria conflitos, mas a gente quer a diversidade gerada a partir de conflito, não de consenso”, diz Sidnei Cruz, organizador e diretor artístico do evento.
Esta edição do Tangolomango tem sotaque carioca, pernambucano e chileno. A interação entre o Gigantes pela própria natureza, do Rio, o Balé Afro Majê Molê, do Recife, e o Circo del Mundo, de Santiago do Chile, permitiu a simbiose de números circenses, passos de dança de influência afro e exercícios acrobáticos. Perguntamos a todos se houve dificuldades de comunicação. A resposta foi unânime: “Nossa única dificuldade é o idioma, mas estamos conseguindo nos entender”. Ouvindo Jamile Roberta, do Majê Molê, percebemos a lógica do intercâmbio generoso que norteia os ensaios: “É fácil: um sabe uma coisa e o outro sabe outra, aí a gente troca. Se a gente não conseguia falar, fazia algum gesto e se entendia bem”.
Além de dominar a linguagem a corporal, o que certamente ajuda a suplantar as dificuldades de entendimento, os três grupos pareciam dispostos a trocar, compartilhar e receber. “Tivemos que falar outras linguagens que não a do circo. Essa troca a princípio é difícil, mas engrandece qualquer grupo. É evidente que as pessoas aqui estão entregues. Isso é muito bom de sentir”, diz Amanda Wilson, do Circo del Mundo. O Tangolomango garantiu a Amanda uma impressão positiva do Brasil no que diz respeito à integração cultural: “O Brasil tem um desenvolvimento e uma força no folclore e na tradição que considero muito valiosa. Eu não conheço no Chile uma experiência como esta”.
Em sua segunda visita ao país — e primeira ao Tangolomango —, a chilena Soraya Sepúlveda nos contou que, há doze anos, a partir de uma experiência de capacitação do Circo del Sol, do Canadá, foi criada no Chile uma sede do Circo del Mundo, que existe em outros países da América Latina. Depois, o grupo capacitado se desligou do Circo del Sol e criou uma ONG, que, depois de dez anos, deu origem a uma escola profissionalizante, de modo que agora funcionam a ONG e a escola.
Outra integrante do Circo, Daniela Torreblanca, parecia empolgadíssima com a visita ao Brasil: “A idéia que tinha era de pessoas muito alegres, um país muito amistoso e com muita energia, e confirmei isso quando cheguei aqui. Mas tivemos azar, porque agora que chegamos está nublado e parece que vai chover!”, conta Daniela, sorrindo. Sorrindo, aliás, como quase todos por ali.
Marcado por espontaneidade e improviso, o encontro agradou a Sonia Destri, da Cia Urbana de Dança, que credita boa parte do sucesso do festival à “ausência de ego” e ao despudor dos participantes: “É só ver as caras deles: estão imundos sem o menor problema. Não tem primeira pessoa, não tem o eu. É um espetáculo de ninguém e de todo mundo, de nada e de tudo”.
O que presenciamos na Fundição foi uma celebração da multiplicidade por meio de um exercício de entrega espontânea e despretensiosa. Um intercâmbio bonito de se ver, ouvir e sentir.
Muita bem, Marília e Carolina (dois nomes lindos!). Vocês fizeram um excelente relato de "uma celebração da multiplicidade por meio de um exercício de entrega espontânea e despretensiosa. Um intercâmbio bonito de se ver, ouvir e sentir".
A Fundição Progresso tem história.
Vale a pena relatar, sempre que possível, o que lá acontece.
Gostei muito.
E além disso.
Que texto gostoso de se ler!
Queria ter ido. =(
E que dupla, hein?
Parabéns às duas! Marília escreve realmente muito bem. Já pode me considerar seu fã! :)
Gustavo Penha · Duque de Caxias, RJ 12/11/2008 10:26Também achei o texto bem bacana e as fotos lindas! Captaram bem o clima despretensioso e criativo da dinâmica. Abraços
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 12/11/2008 11:47Marília e Carol, o texto de vocês é denso em informações, o que mostra empenho na apuração, e ao mesmo tempo flui sem acusar obstáculos, o que evidencia o esmero na redação. Sei que vocês cobraram um comentário meu, e aqui está. Registro que o silêncio era uma manifestação de aprovação.
Augusto Gazir · Niterói, RJ 13/11/2008 17:03Para comentar é preciso estar logado no site. Faa primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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