Como escrever sobre um mestre (para mim) como o Figueiredo? Uma pessoa que apesar de não ter quase nenhum estudo (ginásio completo) conhece tudo (ou muito) de filosofia, poesia, literatura, história, religião... Fala pelo menos cinco idiomas, viajou o mundo todo durante anos e já morou em casas abandonadas na Inglaterra e em cavernas na Ãfrica. Autodidata e pesquisador nato. Como falar de uma pessoa que prima pela palavra exata e que parece mais um ourives que um poeta?
Não sou propriamente um leitor ávido de poesia, que devore inúmeros poemas e que tenha um conhecimento muito grande das letras. Gosto. Procuro ler os clássicos mundiais, sejam romances ou poesias, e tenho uma intuição nata para garimpar e avaliar as dicas alheias.
Minha relação com o Figueiredo data de 1997 quando fui procurá-lo na ADAG-SP, agência de publicidade, para estagiar na área de marketing polÃtico. Figueiredo me acolheu de tal forma que o rodÃzio que se faz naturalmente entre os setores da agência não foi realizado e eu fiquei colado a ele auxiliando-o nas suas tarefas. Atendemos a conta de JundiaÃ, Hortolândia, S. José dos Campos, entre outras. Aprendi muito com essa pessoa simples e extremamente inteligente e culta. Aprendi sobre a minha profissão, mas também sobre a vida e expandi os meus horizontes com as leituras que ele me indicou.
A primeira vez que eu li os Goliardos foi como colocar o carro na frente dos bois. Não entendi nada. Não sei porque, já que hoje me parece tão simples e profundo ao mesmo tempo. Acho que eu já o li pelo menos umas seis vezes, e a cada vez que leio sinto como se estivesse junto dele ouvindo as suas histórias incrÃveis. Os Goliardos foram os beatnicks do século XII, como explica abaixo o próprio Figueiredo.
Hoje, ele vem trabalhando junto com o Marcelo Cid, um latinista, traduzindo os poemas dos goliardos para a publicação do livro: “Sexo, vinho e poesia - uma antologia de poemas goliardos, os beatniks do Século XIIâ€. Além disso, ele também está lançando pela editora Lazuli um livro para o público infantil chamado “Uma Aventura nas Bermudas†e que estará a venda dentro de um mês ou um mês e meio. Carlos também está trabalhando em um novo livro de poesia intitulado Arquitetura da Ausência, que deve sair do forno nos próximos dois anos.
Neste final de semana, dia 21 de outubro, ele fará uma palestra sobre o seu trabalho no MENSA, São Paulo. Entre os livros publicados por ele estão: Estranha desordem (poesia), Goliardos (poesia), 100 poemas essenciais da lÃngua portuguesa (coletânea de poesias), 100 discursos históricos e os 100 discursos históricos brasileiros.
Para quem quiser adquirir os Goliardos ou o Estranha Desordem pode entrar em contato com o escritor através do e-mail figueiredo@globo.com, o custo dos Goliardos é de R$ 30,00.
Abaixo uma breve entrevista feita por e-mail com o próprio.
1. Quando o Goliardos começou a nascer? Quanto tempo para editá-lo?
R. – Goliardos é o meu segundo livro de poesia. A obra de estréia foi Estranha Desordem, editado pela Paz e Terra, em 82. Goliardos foi publicado em 98. Não consigo precisar a data do surgimento do embrião. Pelo menos uns dez anos antes. Quando ficou quase faisandé, tinha de ser, então, editado, o que foi feito, sem nenhum problema, praticamente. Na verdade, o Samir Meserani, que era muitÃssimo respeitado, instado por mim a ler o manuscrito – Por favor, Samir, observe a regra de Ortega y Gasset: a grande cortesia do Século XX é a não publicação de obras desnecessárias – recomendou a sua publicação.
2. Quais as traduções que você já fez?
Traduções. Existem ideologias, aÃ. Ideologia emburrece, é claro. Para mim, o padrão é a tradução que Machado fez de um verso de Shakespeare
When I consider the things that grow -- Se tudo quanto cresce, eu fico a meditar.
Fiz uma tradução do poema “Atlantis†do Auden que está no site ZUNAI. Basta entrar no Google. No presente, estou envolvido na tradução, do Latim, que está sendo feita pelo latinista Marcelo Cid, de poemas goliardos, para meu novo livro “Sexo vinho e poesia – uma antologia de poemas goliardos, os beatniks do Século XIIâ€.
3. De quando a quando durou o seu tour ao redor do mundo?
No total, uns seis anos. Nos anos 70, embora a primeira saÃda, tÃmida (éramos uma meia dúzia de malucos, numa Kombi. Um deles é um grande músico, o Tavinho Moura) por Uruguai, Argentina e Chile via o extinto transandino (um trem que cortava então os Andes) tenha se dado em 62. A saidona se deu porque dois contatos meus, na resistência à ditadura, no Rio, foram presos. Estávamos planejando raptar um ministro do Geisel. Eu conhecia uma pessoa, um diretor de cinema, que era amigo da filha do ministro e fazia a planta da casa dele. Eu era o intermediário. Aconteceu então que fiz uma festa de aniversário (eu morava numa garagem, na Montenegro, no Rio) e apresentei um para o outro – os meus dois contatos – o que foi uma falha na segurança, pois eles só se conheciam por codinomes. Quando ambos foram presos, um após o outro, concluà que o próximo seria eu. Fui para Foz do Iguaçu (a porosidade da trÃplice fronteira é um fato) e de lá, para a Argentina. DaÃ, fui para o Chile, Peru, Colômbia e voltei ao Brasil. Depois, foi a vez da Europa e norte da Ãfrica e Europa, novamente – Portugal, Espanha, Marrocos, Argélia, França, Inglaterra – daà fomos para o oriente –Alemanha, Bulgária, Turquia, Afeganistão, Khyber Pass, Paquistão, Ãndia e Nepal. Depois, voltamos para a Inglaterra. Retornamos então para a Ãndia, passando dessa vez por Damasco. De lá, ziguezagueamos de volta, até a Grécia, de onde fomos para a Inglaterra, Paris e Amsterdã. AÃ, perdemos tudo (?!) num incêndio, minha filha Luar já havia nascido, eu consegui mais algumas cicatrizes, e resolvemos então vir pro Brasil. Fomos para Paris, onde passamos o Natal e o Reveillon, daà fomos para a SuÃça e de lá, para o Rio de Janeiro.
Muitas foram viagens feitas de carona, dormindo na beira da estrada. A gente tinha um fogãozinho sueco a querosene e cozinhava chapatis, arroz integral e comia também tomates, coisas assim, que os camponeses nos davam. Uma vez viajamos três meses de carona, de Teerã a Londres. VivÃamos, literalmente, on the road.
Alguma coisa dessa viagem está em Memórias de um Hóspede, um texto que escrevi há uns 15 anos, com o Guará e que, agora, com a morte dele, no começo do ano, parece que vai ser editado. Estou, no momento, fazendo uma revisão desse material. Espero que saia publicado no ano que vem. Tem, ainda, alguma coisa relatada no livro do Mano Melo, Viagens e Amores de Scaramouche Araújo e em Os Sonhos não Envelhecem, do Márcio Borges.
4. Como surgiu o interesse pela poesia? E pela leitura em geral?
R. Desde sempre. O motor me parece que é uma curiosidade inata. Eu sempre quis saber que história é essa? E você vai se animando a cada coisa boa que lê.
5. Você pode nos dar alguns dados sobre o Goliardos e sobre os 100 poemas essenciais?
Demorei uns 10 ou 12 anos para escrever Goliardos. Tomas de Aquino dizia que escrever é uma tarefa infinita. Alguns versos, ficaram sendo escritos e reescritos durante uns quatro anos. Alguns poemas, no entanto, a maioria, na verdade, foram escritos quase de prima.
Quanto ao livro 100 Poemas Essenciais, trata-se, na verdade, de uma obra polÃtica. O Brasil está em último lugar, segundo uma pesquisa feita pela OCDE entre trinta paÃses, quanto ao entendimento do conteúdo do texto. A idéia é, vamos dizer, popularizar o contato com a poesia de qualidade, em lÃngua portuguesa.
6. Quem são seus poetas preferidos?
Os poetas que me atingem, e isso varia conforme o momento. Permanentes são Homero, Dante, Camões, Pessoa, Drummond e os goliardos. Estou tentando reunir as traduções que posso, de Ésquilo; veja esses versos dele, na tradução do Junito Brandão:
E os cadáveres amontoados, na sua linguagem muda, revelarão/aos olhos dos mortais, até a terceira geração, que o homem não deve/ ter sentimentos orgulhosos, pois a hÃbris, ao amadurecer, produz/ espigas de erro e a seara ceifada será tão-somente de lágrimas.
Esses gregos sabiam mesmo escrever. Gosto muito de Cesário Verde, Jorge de Lima, Bandeira, principalmente os poemas em prosa, Saint-John Perse, Rimbaud, Elizabeth Barret Browning, principalmente os Sonetos da Portuguesa, Elliot, Rilke, Gôngora, e é melhor parar por aqui, porque senão perde o sentido.
Entre os contemporâneos brasileiros, o Piva tem poemas impecáveis, como “Ode a Fernando Pessoaâ€, que ele escreveu acho que em 55 e os poemas e as traduções do Cláudio Willer, uma pessoa extraordinária. Ando com um verso de Heine na cabeça: “Eu te amarei por toda a eternidade. E ainda maisâ€. Para mim isso é quase uma definição do que é poesia. É o que vai além. Ou como diz o Piva, um salto no escuro. E eu acrescento, em um outro poema que escrevi: e aà é que estão as coisas.
7. Fale um pouquinho da diferença entre prosa e verso? A importância dentro da literatura?
São dois tipos de textos, com ritmos próprios, e o que vale para um, não vale para outro. A composição de um poema ou de um texto em prosa depende muito do ouvido. Como diz o Ricardo Daunt, não existe poema átono. A experiência concreta morreu de morte morrida.
Importância dentro e da literatura: a poesia é o que vai além. Segundo Heidegger, é a fundação do ser pela palavra. A prosa, por sua vez, chega a ser assustadora, como em Proust, Conrad, Cortazar ou Guimarães Rosa. Uma frase e surge um mundo inteiro. O Soares Feitosa diz que o Saramago escreve poesia. Pode escrever poesia, mas não escreve poemas, quando escreve prosa. Por quê? Por causa da andadura. Fiquei um tempo lendo Love Song of Alfred J. Prufock, do Elliot até pegar a andadura e aà o poema se revelou. A poesia é, até hoje, meio entoada. A prosa não. Isso, todavia, não impede que se leia La prosa del Observatório (Cortazar) quase sem poder respirar (la leve sal de tus senos). Quanto à importância da literatura: não se pode imaginar, como diz o Prof. Ottaviano de Fiori, uma civilização sem literatura, porque isso não existe, na História.
8. Ainda existe uma maneira de ter acesso ao Estranha Desordem?
Claro. O livro foi um tremendo encalhe. Tenho um monte de exemplares, aqui em casa.
Olá Cláudio, será que vc poderia me explicar melhor sobre os Goliardos? Em dado momento fiquei um pouco na dúvida se o livro é inspirado nos Goliardos, se é uma tradução de poemas dos Goliardos... enfim, curiosidade mesmo. No mais, parabéns pela colaboração, um monte de conhecimento novo : )
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 19/10/2006 16:21
Obrigado, Thiago, o livro Goliardos(1998) é o segundo livro de poesias do Carlos Figueiredo. Ele está pesquisando e traduzindo os poemas dos goliardos junto com o Marcelo Cid, do latim. Esta coletânea(tradução) será lançada em breve com o tÃtulo de “Sexo, vinho e poesia - uma antologia de poemas goliardos, os beatniks do Século XIIâ€.
Tem algumas destas poesias neste link:
http://www.revista.agulha.nom.br/cfi.html
Inclusive tem mais informações sobre os nossos amigos beatnik da idade média.
Mais goliardos também aqui: http://www.revista.agulha.nom.br/cfi.html#goliardos
Direto ao ponto eu diria.
As fotos do livro Goliardos (aliás, fartamente ilustrado) são do fotógrafo Toni Nogueira. E são ótimas! Nem mencionei...
Claudiocareca · Cuiabá, MT 20/10/2006 19:43sempre bom saber dessas figuras loucas e arredias que conectam todas as rebeldias. o tempo é só o tempo. o homem é que é o bicho.
eduardo ferreira · Cuiabá, MT 20/10/2006 20:04Achei muito legal os goliardos e o Figueiredo... O importante é saborear tudo isso que o Careca criou, que o Tiago perguntou e que meu admirado Eduardo pontuou. Até breve, MarÃlia Beatriz
MarÃlia Beatriz · Cuiabá, MT 22/10/2006 21:21muito bom mesmo.vou me interar mais certeza
capileh charbel · São Paulo, SP 23/10/2006 10:47
No contato com Carlos Figueiredo uma coisa é inevitável: transformar-se. O modo com o qual ele duvida de qualquer verdade absoluta nos faz refletir sobre o mundo de coisas que nos cerca...o seu gosto pela arte de modo geral nos torna ainda mais adoradores de sua arte, de seu modo peculiar de ser. É livre...principalmente em seus pensamentos e isso o faz uma criatura extremamente interessante, instigante: surpeendente!
Surpreendente também será ver traduzidas as obras dessa ala profana da coorporação clerical. Hum...não vejo a hora!
Parabéns pela matéria Cláudio!
Obrigadão, gente! O Figueiredo é uma pessoa maravilhosa e merece todos os adjetivos usados para tentar descrevê-lo. Um grande abraço a todos e vamos esperar esta obra profana ser desencavada da sepultura.
ah, mas eu fiquei mesmo intrigada foi com essa fotografia.
castalia · Cuiabá, MT 25/10/2006 21:32Castalia, o livro Goliardos tem diversas fotos feitas pelo Toni que mostram um pouco dessa aventura beatnik do Figueiredo.
Claudiocareca · Cuiabá, MT 26/10/2006 12:06
Muito bom. Se não me engano, eu já tinha batido com essa poesia do link há algum tempo atrás quando procurava informações sobre os goliardos na internet.
Não esqueça de avisar quando sair o livro "Sexo, vinho e poesia", fiquei interessado. Infelizmente, é muito raro livro em português sobre eles... Eu pelo menos não tenho nenhum.
Oi Léo. o livro do Carlos Figueiredo chamado Goliardos está a venda e é inspirado nestes beatniks da idade média. É maravilhoso! Acho q na livraria cultura tem.
abs
Caraca, Careca...
Teu produtivo texto sobre este Galiardo é beat - trasfere-me (ao vazio da inalterabilidade poética de mim mesmo - tal a nervura da Poesia que escorre deste Ãcone que o Mundo precisa se inteirar: Figueiredo, é demais.
Parabéns...
Já estás nos meus favoritos, amigo.
Forte abraço,
Benny Franklin
O cara é maravilhoso, mesmo Benny. Vc leu outras coisas dele?
Um grande abraço,
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