Grito Rock em Uberlândia

RonaldoLemos - público do festival Grito Rock em Uberlândia
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ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ
18/2/2007 · 215 · 15
 

Por alguma razão, sempre achei que Uberlândia fosse um pouco o túmulo do rock.

Especialmente em contraste com outras cidades da região, as atividades roqueiras por aqui nunca tinham me chamado muito a ateção.

Araguari, por exemplo, situada a exatos 29 kilômetros de Uberlândia, sempre teve uma vocação mais rock, com uma profusão de bandas não só de metal, mas também experimentais e “indieâ€. Uma das explicações possíveis para isso é o fato da cidade ter servido de experimento para o governo federal no final dos anos 80. Não sei bem o porquê, mas Araguari foi escolhida como a primeira cidade do Brasil para receber um sistema de TV a Cabo, ainda em caráter experimental.

O resultado disso foi bombástico. Quando as primeiras transmissões da MTV ocorreram em 1990, foram assistidas ao vivo e a cores por toda uma geração de araguarinos. Considerando-se que na época apenas três canais de televisão eram recebidos na região (Globo, Bandeirantes e Manchete – nada de SBT ou de Record), o resultado foi impactante. Isso conjugado com a disponibilidade de uma série de canais estrangeiros (o início da Guerra do Golfo também foi assistido ao vivo através da CNN), acabou trazendo um certo cosmopolitanismo para a cidade, que acabou se refletindo na sua cultura jovem. Ao sair para uma “balada†em Araguari na década de 90, era flagrante a diferença do tipo de música que se ouvia na cidade em comparação com outras da região.

Uberlândia, nesse mesmo período, firmava sua imagem nacional de capital do pagode, especialmente pela emergência do Só Pra Contrariar, capitaneado pelo carismático Alexandre Pires. Além disso, mostrava sinais de vitalidade também com relação ao metal, talvez o único estilo musical realmente universal no mundo de hoje, presente desde o Triângulo Mineiro até as províncias mais obscuras da Ãndia. Nessa área, destaque para o Sarcófago, venerada banda de death metal uberlandense, autora de canções como The Black Vomit e Deathrash. A banda alcançou um certo destaque nacional e internacional, um pouco na esteira do sucesso do Sepultura, mas inegavelmente também por mérito próprio, como sua estética radical (roupas de couro e aparelhos ortodônticos nos dentes).

Pano rápido. Estamos em fevereiro de 2007. Fico sabendo que no dia 14 haverá em Uberlândia uma edição do Grito Rock, o incrível festival simultâneo espalhado por diversas cidades brasileiras na época do carnaval. Desconfiado, vou ao site do evento procurar qual a programação na cidade. Resultado: nada. Todas as cidades tinham confirmado suas programações, mas Uberlândia não. Mais desconfiança. Aproveitando as matérias sobre o Grito Rock no Overmundo, posto comentários em pelo menos duas perguntando se alguém sabe me dizer qual a programação do Grito Rock em Uberlândia. A resposta chega quase que imediatamente, dizendo que o melhor é aguardar mais um pouco que a programação seria confirmada através do site. A desconfiança aumenta ainda mais.

Poucos dias antes da data marcada para os shows, leio no jornal Correio de Uberlândia que a programação tinha sido confirmada. As seguintes bandas estão escaladas:

Dia 14 de Fevereiro

Juana Barbera
Porcas Borboletas (de Uberlândia)
Asthenia (MT)


Dia 15 de Fevereiro

Mersault e a Máquina de Escrever (Goiânia)
1Bando e o Fim da Quadrilha
Nanji (de Uberlândia)


A notícia é dada pela jornalista Adreana Oliveira, que escreve a coluna Giro Indie no jornal Correio de Uberlândia. Na mesma matéria, a colunista Adreana informa estar de malas prontas, já que optou por assistir ao Grito Rock em Cuiabá em vez de permanecer em sua cidade de origem. Minha desconfiança atinge níveis perigosos.

Chega o dia 14 de fevereiro e me dirijo à Universidade Federal, onde estão programados os shows. Minha expectativa não é das maiores. Talvez um evento para alguns gatos pingados que não sabem muito bem o que está acontecendo, em um lugar pequeno, algo mais para o lado mambembe. Quando finalmente chego, percebo que as coisas estão animadas. A Juana Barbera está no processo de tocar suas duas últimas músicas, para uma platéia de cerca de 400 pessoas, todas animadíssimas. Pelo pouco que consigo pegar do show, trata-se de uma banda legal, cantando em português um rock viajante e alto. Pela reação do público e pelo tamanho da fila da cerveja, vejo que a festa está boa.

Fim do show da Juana Barbera. Mais gente chega. Calculo que o público atingiu seu ápice com cerca de 700 pessoas aguardando ansiosamente o show dos Porcas Borboletas, sem nenhuma dúvida a banda mais esperada da noite. Enfrento a fila da cerveja por cerca de 30 minutos e me posiciono estrategicamente em frente ao palco aguardando o início.

Bastaram cinco minutos de apresentação para que toda a minha imagem de “túmulo do rock†associada a Uberlândia caísse por terra. Tenho em casa o CD dos Porcas Borboletas, mas nunca tinha visto uma apresentação da banda (apesar de saber que causam boa impressão por todos os festivais que passam). A música deles cava um buraco direto dos anos 70 para os anos 2000, com uma estética divertidíssima. O público fica cada vez mais animado a cada música nova. O baixista da banda, tocando um seríssimo baixo de seis cordas, vestindo camiseta vermelha e camisa verde, em estilo Napoleon Dynamite. Percebo em certo momento um coro de veneração a ele, puxado por parte da platéia, que por alguns momentos o chama de “gênioâ€. Constrangido, ele muda momentaneamente de lado do palco. Impossível não notar também os dois vocalistas de estética indescritível, uma mistura de indie-índio (um deles combinava um calção estilo adidas, do mesmo tipo muito apreciado por vários povos indígenas da amazônia, com um colete marrom de inspiração claramente “modâ€, bem britânico/britrock).

O momento do ápice vem quando a banda canta “Cervejaâ€, com sua divertida letra:

Melhor chorar: “Amor, acabou a cereveja!†do que “Cerveja, acabou o amor!"

A platéia canta e pula juntinho e o show prossegue até que a banda é convocada ao bis, onde para felicidade geral manda mais duas músicas. Fim da desconfiança: aquilo era um show de rock e dos bons, acontecendo para uma platéia bem grande, no meio da Universidade Federal da Uberlândia. Noto gente de todos os tipos na platéia. Não só universitários, mas faixas etárias diversas, garotos e garotas que estão ali pela paquera, alguns metaleiros, alguns indies e uns poucos (muito poucos) emos. Ou seja, rock funcionando de verdade.

Andando pelo lugar, esbarro em uma amiga de faculdade, excelente fotógrafa profissional, que não via há bastante tempo. Conversa vem e ela me diz que deixou SP e o Rio e se mudou definitivamente para Uberlândia. Não deixo de notar uma satisfação inegável na afirmação. Pergunto se ela está gostando de morar aqui depois de tantos anos fora e ela responde entusiasticamente que sim. Pergunto se ela vai voltar no dia seguinte, para assistir ao show do Nanji e das outras bandas. Ela diz: não sei, shows como esse acontecem toda semana por aqui. Eu arregalo os olhos, surpreso, e decido não perguntar mais nada. Já entendi porque ela está feliz em Uberlândia. A cidade está cada vez mais legal.

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Bruno Maia (sobremusica.com.br)
 

Salve Ronaldo...
Genial os versos dos Borboletas... agora, nao entendo como é que sua amiga disse que esses shows estao rolando a toda hora e, pouco tempo antes, vc nao tinha conseguido acessar as infos de quem iria tocar... a comunicacao dessa cena em uberlandia se dá através de que mídia? vc conseguiu sentir algo sobre isso?
abs
BM

Bruno Maia (sobremusica.com.br) · Rio de Janeiro, RJ 15/2/2007 19:43
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ronaldo lemos
 

Fala Bruno, muito da divulgação é feita por meios bem tradicionais, como murais das escolas e faculdades. Por isso é difícil para quem é de fora ficar sabendo com antecedência. No entanto, o Correio de Uberlândia sempre divulga os shows da cidade, mas isso geralmente ocorre no próprio dia dos shows. E a Internet, comunidades do Orkut, blogs e outras ferramentas são também muito importantes. Até fiz um artigo sobre a tecnologia no contexto de Uberlândia, que pode ser lido aqui.

ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 16/2/2007 00:52
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dansudansu
 

É claro que Uberlândia é o túmulo do rock! De onde mais poderia ter saído o Sarcófago? Nossa, sem graça mandou lembranças... Sobre os Porcas Borboletas, nada poderia simbolizar mais esses dias de carnaval do que esses versos sobre a cerveja e o amor. Mto legal!

dansudansu · Rio de Janeiro, RJ 18/2/2007 14:46
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procuradosaber
 

Lembro-me que quando fiz faculdade na ufu, sempre tinha shows, cheguei a ver o do Chico Science, do Arnaldo Antunes, e ia a maior galera, muita gente mesmo que curtia música boa, tudo bem que rola muito sertanejo na cidade, e tem o pessoal que gosta de pagode mas nunca tive problemas em achar boa música, principalmente na facul... mesmo assim, que bom que sua teoria caiu por terra! Ficou muito bom seu texto! tem os sites dos grupos de rock uberlandenses que vc citou? ou algum lugar onde eu possa ouvir as músicas? Abraços,

procuradosaber · São Paulo, SP 19/2/2007 13:04
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Laine M. Souza
 

Ola Ronaldo, tinha certeza que te vi no grito rock aqui em Udi. Bem, foi maldade este artigo seu :) deu a sensação de desorganização, o que não é verdade.
Quanto ao Nanji e as demais bandas, não é verdade que eles tocam toda hora, como disse sua amiga. Ela está mal informada.
Mas, a qualidade e quantidade cultural da cidade melhorou muito, e vem melhorando ao piscar dos olhos, neste ultimos 3 anos.
O grito rock foi um sucesso. o pequeno problema foi bater data com o carnaval.
saudações mineiras. :)

Laine M. Souza · Uberlândia, MG 19/2/2007 16:14
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ronaldo lemos
 

Oi Laine, valeu pela mensagem. Da próxima vez que tiver algo em Udi me avisa. Quem sabe a gente não arma um encontro de Overmanos e Overminas po aí? Quanto ao grito, nenhuma crítica sobre desorganização. O evento estava ótimo e todo mundo na cidade sabia que ia acontecer, tanto que estava cheio. Meu relato é da visão de um "forasteiro" com dificuldades de se orientar para saber como ir de penetra na festa. Quanto à freqûëncia dos shows em Uberlândia, minha amiga não se referia especificamente ao Nanji, mas sim que há sim uma cena de shows, que acontece periodicamente. Essa informação para mim é importante, porque meu ponto de referência anterior era o que rolava por lá no começo da década de noventa. Mas só para enfatizar, o Grito foi um sucesso e a festa realmente estava ótima. Sempre que houver outras e eu estiver na área, vou tentar ser "penetra" de novo.

Oi procuradosaber, os sites das bandas citadas são bem fáceis de serem encontrados. O do Porcas Borboletas está aqui. O do Nanji está aqui. E uma pesquisa no Google acha fácil o que mais houver.

ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 19/2/2007 18:30
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Marielle Ramires
 

bacana, ronaldo! se tivesse diagnosticado sua desconfiança teríamos trocado um pouco mais de idéia em relação ao grito uber. os organizadores são agitadores culturais em luta há muito tempo na cena independente brasileira, inclusives são organizadores do festival jambolada, um dos membros fundadores da Abrafin, e um dos principais festivais do gênero na agenda de calendários indie do país. enfim, a correria é grande e o trabalho é sério! Quanto aos gritos integrados é bom saber que as experiências vem sendo bem sucedidas. Prova de que o circuito Fora do Eixo está cada vez mais vivo e pulsante. =)

Marielle Ramires · Cuiabá, MT 19/2/2007 20:26
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Daniel Duende
 

Texto excelente com muito boas novas. Gol de cantinho de gaveta, Ronaldão! :D

Mas e a Adreana, e o pessoal da organização do Grito, estão por aqui? O Overmundo seria um lugar fundamental pra divulgar a cena rock de uberlândia e as movimentações off-centre do Grito Rock. Queria ver mais matérias a respeito.

Abraços do Verde (que todo dia tem coceiras por não estar em Brasília para ajudar os manos de lá a colocarem toda a produção da terrinha no Overmundo).

Daniel Duende · Brasília, DF 19/2/2007 22:10
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Daniel Duende
 

Ooops... agora que ví. Tem um monte de matérias sobre o Grito Rock...
Eu sou mesmo um distraído. :D

Bem... parabéns pra galera toda pelo trampo.


Abraços constrangidos do Verde.

Daniel Duende · Brasília, DF 19/2/2007 22:39
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Adreana
 

Fala Ronaldo! Fala povo! Eu não optei por cobrir o Grito Rock Cuiabá frente a Uberlândia. A princípio estaria nos dois. A questão é que tive um compromisso inadiável em São Paulo nos dias do Grito em Uberlândia, eu queria demais presenciar esse momento tão importante para a cena que nós queremos criar na cidade. Estou em Cuiabá, o lance aqui tá demais, o Grito Rock em todas as cidades aqui representadas teve repercussão positiva e é isso que conta. O lance inadiável em SP renderá frutos num futuro breve para meus leitores e para apaixonados por rock, acreditem. Eu não faltaria se não fosse a última das saídas. Valeu demais por dar esse apoio pra gente. Abraços, hasta la vista. Adre

Adreana · Uberlândia, MG 20/2/2007 00:05
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Daniel Duende
 

Olha a Adreana aí, minha gente! :D

Seja bem vinda, moça!
Pode chegar chegando pq a casa também é sua. Ia ser legal ver algumas matérias suas por aqui.

Abraços do Verde.

Daniel Duende · Brasília, DF 20/2/2007 00:22
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ronaldo lemos
 

Oi Adreana, demais ver você no Overmundo. Sempre leio suas matérias lá no Correio. Depois conta para a gente aqui também como foi o Grito em Cuiabá. Esse festival é de fato extraordinário, vida longa e evoé a ele!

ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 20/2/2007 00:29
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Adreana
 

Hey Ronaldo e Daniel, valeu pela acolhida :)
A viagem foi trash, mas sobrevivi e valeu a pena pelo festival... Finalizo a matéria hoje pro Correio e disponibilizo para vocês, blz? Abração!

Adreana · Uberlândia, MG 23/2/2007 09:21
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Talles Lopes
 

Grande Ronaldo,
Fiquei muito feliz por saber que vc esteve no Grito Uberlândia. Infelizmente estava muito ocupado metendo a mão no gelo (sabe como é, produtor independente tem que fazer de tudo, desde de reuniões institucionais, curadoria, até colar os cartazes e vender a cerveja) o que impossibiltou de nos encontrarmos. Vc sabe que sempre foi um desejo da récem construída cena uberlandense esta troca de figurinhas e espero que este ano possamos contar contigo na Jambolada, que vai ocorrer em Setembro. Vc identificou muito bem o processo apontando as dificuldades, principalmente no que se refere a comunicação, e também o lado positivo que é o surgimento de uma cena musical rica e em processo de articulação. Um gande abraço e contamos contigo nesta empreitada, que não é só uberlandense, mas de todo o Triângulo Mineiro.
Talles Lopes (produtor Porcas Borboletas, da Jambolada e do Grito Rock Uberlândia)

Talles Lopes · Belo Horizonte, MG 23/2/2007 10:12
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ronaldo lemos
 

Grande Talles, fiquei muito empolgado com o que vi no Grito Rock. Pode contar comigo sim. E me avise quando a Jambolada for acontecer! Adreana, valeu mais uma vez. Vou acompanhar a coluna no Correio. Abração!

ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 23/2/2007 11:40
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Porcas Borboletas tocando no festival Grito Rock em Uberlândia zoom
Porcas Borboletas tocando no festival Grito Rock em Uberlândia
Público venerando os Porcas Borboletas zoom
Público venerando os Porcas Borboletas
A banda Asthenia fechando o festival Grito Rock em Uberlândia zoom
A banda Asthenia fechando o festival Grito Rock em Uberlândia

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