Humberto Espíndola: O Dono dos Bois (2)

Jefferson Ravedutti
O dono dos bois Humberto Espíndola
1
Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS
19/10/2007 · 84 · 9
 

Vamos à PARTE 2 da entrevista HUMBERTO ESPÍNDOLA: O DONO DOS BOIS!

Se você não leu ainda a PARTE 1, a hora é está!

A conversa rendeu duas noites de muito trabalho para decupar o bate-papo. Por isso, dividi a entrevista em duas partes.

A conversa abaixo está sem cortes e como rolou naturalmente o encontro.

Com vocês, Humberto Espíndola (parte 2)!

...em termos culturais o grande momento que se espera para o Brasil é do casamento do interior com o litoral. Porque o Brasil foi um país litorâneo colonizado. Até o que existe de mais interior que é Minas Gerais, a cultura barroca mineira acontece porque o ouro lá foi um ouro debaixo da terra, um ouro de minas. Então teve de ser demorado para cavar e deu tempo de surgir um Aleijadinho, de fazer todas as igrejas barrocas, de construir a civilização mineira. O nosso ouro não! Foi um ouro de aluvião. Um ouro rápido de 50 anos que apareceu em Goiás, Mato Grosso e Cuiabá e acabou. Ficou a solidão. A borracha foi a mesma coisa na Amazônia. Ficou a solidão. O vazio. Então se espera que esta geografia brasileira com a sua população, com as coisas que sobraram do seu mito, com a sua curtição, com a sua reflexão solitária de interior de Oeste, ela venha a dar esta contribuição e realmente se case com o litoral. Seja recebida pelo litoral. Aí surge esta filha que é a verdadeira cultura brasileira que todos nós torcemos ainda como uma utopia. Neste sentido nossa parte de artes plásticas e musical nós fizemos. Nós temos pouco a pouco dado a nossa contribuição. O Amazonas também. Nós estamos querendo emplacar os nossos bugres. Um dia vamos emplacar tudo isso.

RT – Você acredita nisso?
Vai. Porque o caminho é este. Nós não somos um bando de bugres? Nós temos emplacado alguma coisa? Historicamente nós existimos. Podemos não existir provisoriamente, agora, por enquanto. Não sermos visto porque não há um interesse político de nos ver, nem um interesse político local em nos projetar. Não foi visto esta importância cultural.

Você está se referindo ao MS ou ao Brasil?
Dos dois lados. Porque tinha que ser dos dois lados. Agora, alguém tem que provocar? Porque na minha área quando saí com a minha obra debaixo do braço e fui aos lugares certos, que eram os salões e críticos de arte, fui aclamado e premiado. Agora. Passou o meu tempo. Existe um tempo de currículo. Saí do anonimato a um tipo de generalato, que foi a Bienal de Veneza. Depois disso veio para mim o vazio igual a crise do ouro. E tive que voltar, reflexionar e construir uma coisa sólida. Ou teria que me mudar e vocês nem estariam falando comigo hoje. Faria igual ao Roberto De Lamonica que mudou-se para Nova Iorque, morreu e deixou a obra lá. Considerado um dos maiores gravadores do mundo saiu de Ponta Porã aos 16 anos. São opções que você faz na vida. Eu não. Gosto da opção que fiz. Gosto de ver toda esta arte dos dois estados que ajudei a botar adubo com a minha mão, que ajudei a colher as flores e mostrar estas flores. Então esta coisa de sair de Campo Grande e trocar de Capital quando veio a Divisão que estava escondida, que ninguém pensava que ia acontecer e o Geisel faz a divisão, o que aconteceu? Em Cuiabá que achava que perder o Sul do estado era um desastre econômico, porque só aqui iria crescer e que eles iam ficar só com mato. Teve um impacto dramático. Os vultos históricos, Dom Aquino, Pedro Celestino, Candido Rondon foram todos cobertos de preto. Parecia uma peça de Shakespeare na hora que Julieta morre. No outro dia a cidade amanheceu de luto. Isso teve um impacto em mim. Eu estava lá.

Quando aconteceu a divisão você morava em Cuiabá. É isso?
Eu estava morando lá na minha Capital do nosso Estado. De repente ela não era mais. Tinha uma outra Capital. A minha cidade estava lá. Como que ia pedir demissão do serviço e sair que nem um louquinho para vir aqui soltar foguete em Campo Grande, hastear bandeirinha, correr nos pés do Harry Amorim e falar me dá um espaço, me dá um espaço... Será que as pessoas reclamam isso de mim? Não. Mudei para cá dois anos depois. Estava de volta ao meu estado, com as pessoas cheias de ambição e, vi isso, os espaços tomados. Espaços que antes a gente tinha começado. Como um esquecimento. Como se a História não valesse nada. Como se Mato Grosso do Sul tivesse começando também naquele momento. Foi a grande confusão na busca da identidade que na verdade a identidade existe desde que você nasce. É a sua história. A identidade do Mato Grosso começa no Sul. Aí eles procuraram uma identidade que vinha simplesmente do rompimento. Uma identidade a partir da canetada que o Geisel deu e dividiu este estado. Que só meia dúzia de nomes sabiam. E ficou com este nome de Mato Grosso do Sul de teimoso.

Então o que te revoltou foi a maneira e não a divisão em si?
Foi a maneira. E é esta maneira satírica que está na minha obra.

E deveria ter mudado para Mato Grosso do Norte?
O Mato Grosso não quis se chamar do Norte porque sempre foi Mato Grosso. Porque ele iria mudar para Norte? Nós é que não deveríamos ter sido chamados de Sul.

Na época você achava isso também ou foi posterior?
O Geisel pensou melhor que todo mundo. Ia ser Estado de Campo Grande. E aí meia dúzia de pessoas daqui que sabiam ficaram com medo de deputados de Dourados e Corumbá de terem ciúme do nome Campo Grande e isso criar alguma coisa que o Geisel voltasse atrás. Porque todo mundo tinha medo de milico. Então não queriam nem contrariar. Mas eles tiveram algumas reuniões secretas e ‘para agradar então Corumbá e Dourados tem que tirar o nome de Campo Grande’. Porque seria maravilhoso. Aqui é uma terra de campos grandes. E seria capital Campo Grande. E é a cidade mais poderosa, ela é um terço do estado. É igual Buenos Aires para a Argentina hoje. Não tinha nada demais o Estado ser chamado de Campo Grande. Mas não. Quiseram acomodar a situação e inventaram este Mato Grosso do Sul. O Geisel deu uma de Pilatos e falou ‘bom, então lavo as minhas mãos’. Mas também não desagradou ninguém e foi uma coisa que rapidamente concordaram e acertaram com o ministro.

Quem são estes políticos que você está se referindo?
Eram os nossos coronéis. Não vou falar o nome deles. Estão todos vivos. Só morreu o Paulo (Coelho Machado). Mas todos eles tiveram esta importância do nome ter ficado assim como Mato Grosso do Sul. Hoje não ligo mais. Sempre fui mato-grossense e não estou nem aí. Sou aquele que não fala do Sul para ninguém.

Você se desgastou quando abraçou a causa de mudar o nome de MS para Estado do Pantanal em 1999?
Me desgastei. Claro. Mas fiz. Tive coragem de assumir. Sempre fui um homem de cultura. Faz parte da história o meu desgaste. Não sou imortal.

Como você analisa este movimento para o 1% do orçamento da prefeitura de Campo Grande para a cultura?
É uma conquista que vai ser conseguida porque não tem como evitar. É igual a uma criança. Você engravidou? Esta criança vai crescer no seu útero. A não ser que você aborte. Mas não tem como você abortar um filho, principalmente se é um filho da cultura. Quanto se esperou esta gestação? A gestação longa que vem há 40 anos. Ela não vai ser abortada mais. Não tem mais jeito! Tomara que nasça um gêmeos, trigêmeos e que possa aparecer algo que nos levante uma bandeira. Quantas vezes nós temos tentado ser alguém para o Brasil? Encontrar a nossa linguagem para contribuir na cultura brasileira. Quando fui secretário busquei o plano de identificação ameríndia e depois o Zeca fez os festivais em Corumbá com esta visão de integração da América do Sul. O André Puccineli não desmanchou esta idéia. Porque é uma idéia vitoriosa. Predestinada. É uma idéia da História. Porque a história também começa a se escrever e depois ela se torna irreversível. É como uma semente que é lançada e ela vai brotar. São coisas da nossa história que vem lá dos tempos pré-colombianos. Que é a nossa posição. Estes rios, os povos mbaya e guaicuru, eles já tinham um destino de misturar as tribos, de fazer um comércio entre os Andes, estas terras e o litoral. Já tinha tido uma Peabiru, que saiu de Machu Pichu e foi até São Vicente, isto antes de Cabral chegar. São coisas que estão escritas na Terra como marcas, escrituras. Elas vão acontecer mais cedo ou mais tarde, porque nós dentro do tempo da história não somos ninguém. Não é nada 40 anos de Bovinocultura. Vai depois que eu estiver morto há 50 anos, analisado por algum crítico de arte do futuro, ‘pô o cara levou quatro décadas fazendo isso’ e vai fazer uma análise. Os erros e os equívocos acontecem. A crítica de arte também não é infalível. Mas existe a História. E a história ela marcha determinada. Mais cedo ou mais tarde os fatos históricos se revelam. Ainda hoje estão procurando a tumba de Jesus e os Novos Evangelhos, tem dois mil anos. Mas a História é implacável. Ela chega lá e levanta os fatos.

A História é o berço do artista!
É a nossa única salvação porque a gente sabe que está fazendo alguma coisa e que um dia não vai ser esquecido.

Porque a arte é imortal!
A arte é imortal. E se você é um bom artista. Se você sabe que o que está fazendo presta. Você tem que ter confiança em você. Por isso, que a história resolve para você. Eu não estou preocupado com a minha fama agora. Eu to preocupado com o meu padrão de vida, em viver bem, com a minha a saúde, com a minha pintura, com o que eu vou deixar para a posteridade.

Como está a sua situação hoje? O seu metro quadrado custa R$ 8 mil. É verdade?
É. Claro que às vezes você tem que fazer abatimento, a prestação... Sou um dos poucos artistas (de MS) que tento manter um padrão de mercado. Na hora que estou sem dinheiro, vou num banco, faço empréstimo para não vender o quadro mais barato do que é porque seria um desrespeito com aquilo que eu propus. Demora muito a ser criado o mercado de arte e tem que ser mantido. Para surgir galerias como surgiu, a presença da Mara Dolzan quando ela chegou aqui ela fez um trabalho em cima do mercado de arte, suspendeu o preço. Agora, os artistas, nós, somos muito provincianos. Os artistas da terra viveram sempre com muita dificuldade. Muitos tiveram que vender quadro para pagar a conta de luz. Isso não é só aqui. Em Cuiabá também. Outros para sustentar pequenos vícios, suas cervejadas, suas cachaças... Que ninguém é de ferro. Isso é normal. No passado também na boemia francesa Picasso também pagava a conta do restaurante com desenho. Mas lá dava. Vou eu aqui fazer isso e sair sem pagar a conta para ver o que acontece comigo. Não adianta ser Humberto Espíndola nesta hora. Senão eu usaria tudo na permuta aqui. Que seria meu sonho. Eu consigo algumas vezes. Mas eu deveria afinal meu dinheiro é a minha arte. Deveria estar vivendo pelo menos mais confortavelmente, ser capas de trocar imposto de IPTU por obra de arte, isso deveria ser todo o direito do artista. E deveria ser também um conceito político. Afinal de contas a categoria artística é tão pequena dentro da sociedade que não tem nada demais se ela fosse mais bem reconhecida.

(toca celular)

...

Vamos acabando...
O que mais que você não entendeu da Divisão?

Entendi um pouco mais...
Eu pintei algumas coisas da Divisão por aqui, mas aqueles quadros dramáticos...

Foi um rompante...
Graças a Deus porque senão ela não teria tido este sentido. Teria ficado fria. Qualquer co-pintura que tenha o elemento da alegria pode ficar palhaça.

Você acha que o boi hoje ainda representa aquele símbolo que você elegeu na Bovinocultura?
Ainda é e cada vez mais forte. Naquela época eu o via como um símbolo regional. Tinha uma inversão de valores. De certa forma eu via o boi como alguma coisa que tinha embrutecido a nossa sociedade. Hoje eu o vejo de uma forma que enriqueceu a nossa sociedade. Eu satirizava que a sociedade que vivia das ‘benesses’ do boi não via estética plástica neste animal. Então eu o pintei de certa forma que depois eu fui estudar melhor a sua estética. Isso aconteceu também com o aperfeiçoamento das raças. Nestes 40 anos do nelore do boi do tucura nós saímos para o nelore de milhões de reais que estão nos leilões e que todo mundo fala que lindo. Aparece na televisão cheio de luzes e cores. É um boi-show para o leilão-show. Tudo isso mudou também. Hoje uma pessoa que cria gado fala ‘ai que vaca linda, que touro maravilhoso’. No tempo que eu comecei ninguém achava bonito e nem queria saber de botar um boi na parede. O cavalo tinha o direito de freqüentar a parede, mas o boi não tinha. Então era essa uma das minhas batalhas estéticas. Buscar, devolver este status de beleza ao animal que é belo e que a História da pintura o consagrou. Que outras civilizações no passado o compararam e fizeram o símbolo de Deuses é porque certamente o acharam bonito. Na história da mitologia indiana a vaca é a mãe do universo, por isso que a Via Láctea chama-se Via de Leite porque é o leite que espirrou da teta da vaca que pariu o universo. Aqui não. A vaca era um animal rude dos campos que roubava o tempo e que criou um bando de fazendeiros, mas que são hoje os avós de uma sociedade mais requintada. É um pessoal que juntou dinheiro e consolidou o homem na terra e politicamente este estado. Tudo veio do boi.

Hoje o MS tem 30% de residentes de fora do estado. Isso até a década de 80 eu acredito que era o inverso. Neste sentido estamos começando a ter o sul-mato-grossense de verdade. E agora?
O sul-mato-grossense está aí para ser definido. Eu acho que tem muita gente faltando porque é um estado difícil. Quem é o sul-mato-grossense? Ele está em um período de transição. Temos que nos definir melhor. Nossas raízes, nossas bases foram plantadas. Agora, estamos naquele período da estiagem. Temos que esperar para ver o que vai acontecer. Se as chuvas serão boas, se a safra vai ser bem colhida, se os frutos não vão ser mirrados... Estamos indecisos porque também existe a mídia nacional. A influencia da globalização. Tudo isso são fatores fortes que não podemos isolar e nem podíamos prever a 40 anos atrás. Um movimento musical forte. Que uma rede de televisão ia entrar na casa de todo mundo e tirar o sentido que nós tínhamos de isolamento. Nos tirou. Quer dizer. Os de fora chegaram até nós. Mas nós não fomos até os de fora.

É verdade que você está indo morar no Rio de Janeiro?
Sempre sonhei em ter um ateliê no Rio de Janeiro. Tenho em Campo Grande e Cuiabá. Picasso teve ateliê pela França inteira. Ficar só em Campo Grande é difícil. Quero reduzir meu espaço aqui, dividir este espaço com o Rio, pintar e circular um pouco.

Uma coisa é se mudar e outra coisa é montar uma base por lá...
Pretendo montar esta base. Tenho meu escritório de arte aqui que é o meu escritório de produção. Que é uma coisa que to trabalhando com projetos culturais e leis e que é uma saída para a cultura e para as artes. Uma saída técnica de trabalhar fora do governo e ter como você colaborar, prestar serviço em uma coisa que entendo. Também não vou jogar isso pela janela. Afinal vivi minha vida inteira aqui e não vou deixar Campo Grande. Uma base com estrutura e um relacionamento forte com a sociedade. Isso existe e é definitivo. Agora, quero abrir novas portas para mim. Tem artista que abre a porta, simplesmente sai de casa, e bate a porta para trás. Não vou fazer isso. Mas quero abrir outras portas. Estas cobranças que me fizeram antes, pretendo agora dar satisfação. ‘Porque que ainda você está aqui?’ ou ‘porque não foi para os EUA?’. Não sei. Nunca tive estes planos. Tive um plano de trabalho que realizei. Agora me sinto mais libertado deste plano de trabalho, meu olhar está voltado para o futuro. Embora esteja com 64 anos.

Aquela bíblia ali não tinha antes em sua sala.
É. Realmente voltei as minhas raízes religiosas e me ajudou muito neste sentido de me tornar mais espiritual. Mais seguro. Sinto Deus mais próximo da minha vida.

Mas o que aconteceu para voltar este lado mais religioso?
Sempre fui, mas andei por várias religiões. Fui monge do Rajneesh, recebi sânias, estive na Índia, fiz meditação transcendental, trabalhei com o Maharishi (Mahesh Yogi) que foi o guru dos Beatles, depois fui para a Seicho-no-iê, comecei a estudar candomblé... Agora descobri mais uma vez Jesus na minha vida. E tenho com muito orgulho. Só que você sofre muito preconceito das pessoas se você se tornar crente, devoto. As pessoas querem ver só você ir à missa fazendo pose, vestido bem arrumadinho, passar aqueles 40 minutos lá escutando mais ou menos uma coisa ou outra e ir para casa correr para seus afazeres, suas cervejas, churrasquinho, cinema, seus pecados... Então é mais bonito do que ler a Bíblia, ou pensar em Jesus ou falar seriamente sobre o Evangelho. Para as pessoas é isso. Agora, o fato de ser artista para mim só melhorou. Porque antes não tinha várias musas e hoje a minha musa começa a ser Deus realmente. Uma coisa mais sagrada. Encontrei uma posição mais sagrada para a minha cultura e é por isso que eu estou mais calmo. E por isso acho que a minha pintura está mais bela e mais madura e mais espiritualizada. Porque é o meu caminho. É o caminho do espírito. A arte é a espiritualização. A estética é algo do espírito. Não é da matéria, que é a plástica. Mas a essência, aquilo que ela passa, que vem de dentro, e muita gente não consegue, que às vezes faz uma arte engessada, borrões que não conseguem passar nada para ninguém. Neste ponto não sou nada modesto. Acho que faço uma grande pintura porque ela tem alma.

A entrevista se encerra e começamos a conversar. Pergunto então, ‘Até que ponto a Aline Figueiredo é responsável pelo que saiu de seus pincéis?’ e o Humberto desanda a falar. Resolvo religar o gravador, pois é uma ‘provocação’ importante...

Humberto - ...ela influenciou para eu ser artista. O nosso encontro me fez optar pela arte. Primeiro porque ela pintava. E o dia que ela entrou na minha casa e viu minhas pinturas, foi quando ela me conheceu, ela falou ‘encontrei quem estava procurando’. Ela voltou e queimou todos os quadros dela. Isso no início de 1966. Este fato forte dela falar ‘você é o pintor que estava procurando, porque eu pintava para fazer movimento. Para carregar a bandeira, agora achei o pintor’. Neste momento teve o divisor de águas. Ela passa a ser mais teórica. E eu passo a cumprir na prática aquilo que ela viu de talento. Então ela foi super importante como companheira, como decisão, pacto... Não podia fazer um pacto de sangue sozinho. Fiz com ela. De ficar aqui, permanecer, jogar, projetar o estado... Isso foi uma coisa que nós começamos juntos. Claro que depois a vida vai colocando distanciamento. Os fatos históricos vão acontecendo. Ela foi permanecendo mais em Cuiabá, foi se tornando mais escritora, mais pesquisadora e eu fui pelos meus caminhos.

Mas você acha que dentro da Bovinocultura a Aline Figueiredo estava segurando a sua mão no comando do pincel até que ponto?
Ela nasceu no Pantanal. Tinha a experiência vivencial da vida rural. Os pais fazendeiros. Vi todos os problemas que ela teve com a família para ser crítica de arte, para ter um namorado artista, ela enfrentou um milhão de coisas e vi bem a sociedade do boi o que era com o artista. E dali mesmo pude fazer as minhas críticas. Dentro de casa, da própria família, do meu próprio noivado. Saí com as críticas e com os temas todos. Porque ela foi uma pessoa que saiu do Pantanal para ser crítica de arte. Um fenômeno. Eu saí de uma família de gaúchos, funcionários públicos, para ser o principal pintor do Estado. Mas era assim que estava escrito.

Você é o verdadeiro fazendeiro deste estado.
Já me chamaram, porque aqui morou os principais fazendeiros neste quarteirão. Só se eu for como o Drummond, fazendeiro do ar, os meus bois são de pano.

Seus bois vão ficar para sempre e os bois deste pessoal aí vão sumir. Não é?
É. De uma certa forma sou fazendeiro.

Carlos (parceiro de Humberto) fala alguma coisa relativo à Aline Figueiredo e Humberto volta ao assunto...

Humberto – A Aline foi o aplauso que precisava. Em uma terra que ninguém entendia, se não a tivesse para falar ‘ai que lindo, que maravilha que você está fazendo’, não teria ido adiante. A obra de arte só existe entre duas pessoas. Entre o que faz e o que vê. Se não existir estas duas pessoas, não existe arte. Então nós no meio daquela solidão, daquele marasmo cultural, éramos nós dois.

Falo em relação à Aline no sentido dela instigar o artista Humberto. Não estou falando que sem a Aline o Humberto não seria Humberto Espíndola. Não é isso!
Acho que sem o Humberto Espíndola a Aline não teria escrito ‘A Propósito do Boi’. Que ela considera o principal livro da vida dela. E nem por isso é um livro de arte sobre a minha arte porque nunca permiti que ela fizesse pelo fato dela ser minha esposa para evitar falatório. Não precisa. Fui descoberto por outros críticos, não foi só ela a minha crítica. Todos os críticos brasileiros me elogiaram. Ela foi a minha companheira. Nos momentos difíceis, na Bienal de São Paulo que precisei gastar fortuna para montar aquele ambiental, ela me ajudou. Ela era aquela companheira. Mas não para dar palpite. Eu que a

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Helena Aragão
 

Rodrigo, engraçado ler sobre os bois do Humberto agora que o Rio está cheio de vacas. :)
Mas falando sério: achei interessante a postura do Humberto, a linha de raciocínio "os de fora chegaram até nós. Mas nós não fomos até os de fora". Tem um lado de auto-crítica que é raro, em geral as pessoas preferem culpar os outros.
Só uma coisa: o texto tá cortado! Acho que não coube tudo! E vale a pena dar uma revisada geral também. Valeu!

Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 16/10/2007 18:39
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Rodrigo Teixeira
 

Olá Helena!
Coloco aqui o restante do texto que ficou faltando para a conclusão do Humberto:

'Eu que a encantei, que a seduzi com as minhas obras. Tanto é que ela está do meu lado até hoje.'

É engraçado o Rio estar tomado por vacas realmente. Tudo a ver e quem sabe seja um presságio para realmente Humberto circular e criar na Cidade Maravilhosa.

A Aline Figueiredo citada por Humberto já foi entrevistada aqui no Overmundo por Eduardo Ferreira na matéria Aline Anima.

O artigo que me referido na abertura do texto é Os Filhos de Humberto! Me surpreendi inclusive voltando a ele, pois já foram feitos 128 downloads!

Abração!

Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 19/10/2007 01:35
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 Profeta  Teatro
 

Rodrigo, Humberto é o cara!!!
Além do "Artista" que é, tem um carater "Invejável"...
Abraços, a Humberto e a você pela bela entrevista...
Parabéns

Profeta Teatro · Campo Grande, MS 19/10/2007 20:20
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Marcelo Armoa
 

Meu amigo Rodrigo.. Pena que essa entrevista não pode ser publicada na íntegra no jornal hein.. De qualquer forma, já valeu.. Você já começou a fazer 'provocações' no jornalismo cultural de Mato Grosso do Sul.. Fico contente de tê-lo novamente como companheiro de trabalho.. Vamos nessa colorado!!!!

Marcelo Armoa · Campo Grande, MS 20/10/2007 17:40
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Cecilia de Paiva
 

impossivel parar... é ler tudooo...
acompanho o trabalho do humberto ms só imaginava o peso da historia no nosso estado... é mais do que supunha minha vã filosofia.. parbens pela entrevista, instigante, como sempre...

Cecilia de Paiva · Campo Grande, MS 20/10/2007 21:06
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maria alice
 

Parabéns Rodrigo pelas excelentes idéias de matérias. Você cumpre um papel muito importante para valorização da nossa cultura. Concordo com a Helena quanto a revisada geral, parece que na postagem algumas palavras somem. No mais, continue nos brindando com suas boas matérias (e com a música também, "showzásso" aquele do Sesc hein!). Um beijo.

maria alice · Campo Grande, MS 21/10/2007 12:01
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Grupo Teatral Minas da Imaginação
 

Quando falo do caráter de Humberto...podemos explicar...o dia que nós fomos pedir a ele a sua obra para fazer parte do cenário do nosso espetáculo ( O Pequeno Príncipe no Mar de Xaraés) parecia que é era ele que estava nos pedindo alguma coisa...deu pra entender...
Gente....!!!!



Grupo Teatral Minas da Imaginação · Campo Grande, MS 21/10/2007 14:04
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Marcio De Camillo
 

"A arte é a espiritualização" Essa frase de Humberto explica o que somos...artista. Humberto é e sempre será o nosso Mestre.

Marcio De Camillo · Campo Grande, MS 26/10/2007 19:10
1 pessoa achou til · sua opinio: subir
Patricia Nascimento
 

Ola Rodrigo. Parabens pela entrevista. A cultura de MS tem finalmente um jornalista que consegue retrata-la. Abraços

Patricia Nascimento · França , WW 18/8/2009 23:20
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