Hutúz - Além das batidas e rimas

.joao xavi.
.circo hutúz - o mundo mágico do hip-hop, foi o tema do festival em 2007.
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joao xavi · São João de Meriti, RJ
8/12/2007 · 216 · 7
 

Hutúz – além das batidas e rimas

Já são bons sete anos de uma tradição que se consolida a cada mês de novembro, época em que o Rio de Janeiro é invadido por jovens oriundos de diferentes regiões do Brasil e do mundo. Essa rapaziada chega por aqui interessada em participar do maior evento de hip-hop da América Latina. O Hutúz é produzido pela Central Única das Favelas (CUFA), organização não governamental capitaneada por MV Bill (cantor, escritor e diretor de cinema) e Celso Athayde (produtor, escritor e diretor de cinema), duas das figuras mais influentes do hip-hop brasileiro.

O Hutúz, nome inspirado em um grupo étnico de Rhuanda, nasceu e cresceu ocupando um espaço, até então, aberto no movimento hip-hop brasileiro. Além de oferecer ao público carioca um festival com a presença de alguns dos mais importantes grupos de rap do país, foi pioneiro em criar uma grande premiação para diferentes elementos da cultura hip-hop. Hoje, em meio a críticas e aplausos o Hutúz afirma sua importância, e segue cada vez mais além das batidas e rimas.

O monstro de várias cabeças
Tudo começou com a premiação e uma noite de shows. Nos anos seguintes o festival deixava de acontecer em apenas uma noite para ganhar todo final de semana. A premiação já havia saltado do Teatro João Caetano para uma grande casa de shows da zona sul carioca. Na ocasião, um segurança me confessou em tom de orgulho: “nunca vi tanto preto aqui no Canecão”. Talvez esse seja um dos méritos diretos de toda essa história.

O Hutúz cresceu rápido, ganhou o porte de um monstro, mas não somente um monstro do hip-hop e seus quatro elementos. Mas sim um monstro com várias cabeças, cada uma apontando para uma direção, ampliando assim as possibilidades da Cultura (quando falo em Cultura, me refiro à cultura hip-hop, formatada por Afrika Bambaata em quatro elementos: break dance, MC, DJ e graffiti), mas também criando confusão nas direções para onde esse monstro caminharia.

Nesse processo de crescimento o Hutúz agregou ao hip-hop novas práticas que, no cotidiano das ruas, já estavam relacionados à Cultura. Um destes elementos é o Basquete de rua, lembro de assistir a uma galera carregando bolas de basquete e usando lixeiras como cesta no festival de 2003. No ano seguinte um campeonato de streetball já constava na pauta do evento, contava com a participação de equipes de diversos estados e de países como Angola. Esse processo culminou na criação da Liga Brasileira de Basquete de Rua (LIBBRA), e um campeonato nacional de basquete de rua completamente independente do Hutúz. A LIBBRA acontece no primeiro semestre, com etapas disputadas em pontos da cidade do Rio de Janeiro como Madureira, Bangu e Barra da Tijuca.

Outro traço esportivo presente no Hutúz é o Skate. Incontáveis adeptos à Cultura já se arriscaram, ou ainda se arriscam, em cima da prancha com rodas. O rap é uma das trilhas favoritas dos skatistas, e o skate um dos esportes mais populares entre a rapaziada do hip-hop. Percebendo a intensa movimentação de skatistas no festival, a produção providenciou um espaço com rampas para a realização do esporte.

Esse crescimento monstruoso, naturalmente, trouxe alguns problemas pro evento. As críticas pipocam de todos os lados: b.boys, MC´s e jogadores de basquete ainda discutem o tratamento que receberam da produção. Horários confusos, dificuldade de acessar os locais onde deveriam se apresentar e precariedade na estrutura oferecida foram algumas das reclamações mais recorrentes. Essas questões dificilmente chegam aos olhos do público, mas estão sendo muito debatidas entre a rapaziada do hip-hop. Um debate que, por fim, questiona algumas ações de um projeto de importância inquestionável.

Circo Hutúz
Circo foi o tema do festival este ano. As figuras típicas dos picadeiros permearam toda a estética e decoração do prêmio e do festival que, não por acaso, aconteceu no Circo Voador. Enquanto os shows do palco principal aconteciam dentro do Circo, o palco alternativo foi montado do lado de fora, em frente aos famosos Arcos da Lapa, oferecendo shows gratuitos a quem passava por lá. Além dos dois palcos, a Lapa foi invadida também por uma quadra de basquete de rua e uma pista de skate.

Quem comprava o ingresso para o Circo Voador recebia uma pulseira que permitia entrar e sair do local. Assim, o público pode circular e conferir um pouco de cada uma das atrações que sacudiram a Lapa de sexta à noite até domingo de manhã. As batalhas de break e rimas improvisadas muitas vezes chamaram mais atenção do que as atrações do palco principal. A rapaziada suava e se acotovelava para assistir aos embates, que aconteciam em um espaço pequeno, enquanto a grande lona ficava vazia. Essa dinâmica aconteceu graças ao talento dos b.boys e MC´s, mas também por causa da escalação dos grupos que tocaram no festival. Ano após ano os nomes se repetem. Não existe muito espaço para grupos novos e, o que é ainda mais grave, para grupos com novas propostas. Mesmo o palco alternativo segue um modelo conservador, ignorando uma penca de novos talentos que pipocam pelo Brasil afora.

Vale a pena registrar que mesmo com milhares de pessoas circulando pela estrutura do evento, nos três dias de festival não ocorreu nenhuma briga, confusão ou qualquer outro tipo de ocorrência policial.

Sem fronteiras, Hip-hop Latino Americano
Mesmo focado no modelo mais clássico do hip-hop brasileiro, o Hutúz sempre estabeleceu relações com a Cultura em outros países. Diversos grupos americanos participam anualmente do festival de rap. Diferente do que estamos acostumados a assistir na TV, os artistas gringos convidados a participar do Hutúz apresentam um discurso voltado para as questões raciais e realizam algum tipo de trabalho social em suas regiões. São nomes como Dead Prez e Mos Def, que fazem esta ponte Brasil - EUA.

Além desta ponte, a conexão mais firme que o Hutúz patrocina foi batizada como Hip-hop Latino Americano, uma espécie de festival paralelo que desde 2004 recebe nossos hermanos latinos. O intercâmbio aproxima os grupos latinos americanos e ajuda a tecer uma rede que vem se consolidando ano a ano. A rivalidade entre Brasil e Argentina fica restrita ao futebol quando MC´s como Emanero, Mustafá Yoda e as meninas do Actitud Maria Marta entram em campo. A idéia de uma América Latina unida e forte também já foi discursada por aqui pela voz do mexicano Boca Floja e do cubano Papo Record. O Hip-hop Latino Americano é um dos belos acertos do Hutúz, e prova que o festival pode contribuir para avanços reais na Cultura.

Debate e conhecimento: bola dentro!
O Seminário é uma outra bela iniciativa do Hutúz. A dinâmica do seminário se desenrola com mesas onde temas específicos são debatidos por membros da Cultura, representantes de sociedade e o público presente. No ano de 2007 as mesas tiveram temas como: profissionalismo, carreira e mercado no hip-hop, a realidade social brasileira e o preconceito dentro do hip-hop.

Estas reflexões são muito importantes para a Cultura em si, e para o diálogo do hip-hop com outras organizações, movimentos e culturas. Tratar, por exemplo, do preconceito dentro do hip-hop trás à tona questões como o racismo e a homofobia. Não é difícil assistir nas batalhas a MC´s rimando agressividades contra o homossexualismo. Enquanto isso, a mesa na qual este tema foi proposto contou com a participação de Cláudio Nascimento, representando o grupo Arco-íris, e debateu direta e abertamente as implicações na participação de homossexuais dentro da Cultura, tema sempre muito polêmico.

Conhecimento, palavra cada vez mais associada ao hip-hop, virou uma das categorias disputadas no Prêmio Hutúz. A idéia é incentivar a pesquisa e produções que estejam ligadas à Cultura, mas que vão além dos seus quatro elementos fundamentais. Foram indicados livros, teses, vídeos, projetos sociais e projetos de arte-educação. O vencedor deste ano foi o escritor paulistano Alessandro Buzo. Dedicado à literatura marginal, Buzo é colaborador de diversas publicações e administra o blog “Suburbano convicto”. O escrito concorreu com seu quarto livro “Guerreira”, e levou pro Itaim Paulista um dos prêmios mais aplaudidos da noite.

A necessidade de uma reflexão
Iniciativas como o seminário e o prêmio “ciência e conhecimento” revelam a sensibilidade do monstro que é o Hutúz. São provas de que o hip-hop pode estar em movimento e caminhar para direções ainda não exploradas pela Cultura. Por outro lado, de um modo geral, a premiação privilegia os grupos mais antigos e não abrange as diferentes linguagens que estão sendo produzidas no hip-hop atualmente. Basta uma rápida audiência, por exemplo, dos grupos indicados à revelação, para perceber que a tendência artística do prêmio é a repetição. No caso, não mais a repetição de nomes, mas sim de estilo, estética e modelo de música rap.

Enquanto isso, grupos como Z´Africa Brasil, Mzuri Sana, Mamelo Sound System e A Filial lançam bons discos, obras que estão reinventando a música rap e, infelizmente, passam longe do Hutúz. Por fim, o prêmio acaba reiterando o talento e a importância, indiscutível, de nomes como GOG (maior vencedor em 2007), Racionais MC´s, MV Bill e Facção Central. O ponto que defendo aqui é que, além de apresentar grupos que seguem esta mesma cartilha, seria interessante o Hutúz aproveitar todo seu potencial e explorar o que de novidade está sendo escrito na história do nosso rap.

Entre erros e acertos, o Hutúz se afirma, de fato, como maior festival de hip-hop da América Latina. O mérito de toda movimentação promovida por essa rapaziada é óbvio e merece ser aplaudido. O Hutúz é grande, e pode vir a ser maior ainda. Para isso, basta apenas que o monstro se mantenha atento e esteja cada vez mais sensível a algumas transformações do mundo que o rodeia.

Vencedores Prêmio Hutúz 2007

Revelação do Ano - U-Time

Norte e Nordeste - Rapadura

Produtor - Dj Jamaica

Destaque do Break - Estilo de Rua

Hio Hop Ciência e Conhecimento - Guerreira de Alessandro Buzo

Melhor Dj de Grupo - Dj Bola 8

Melhor Grupo ou Artista Solo - Gog

Álbum do Ano – Gog

Melhor Música – Gog

Melhor Videoclipe - Sandrão

Demo Masculino – Neguin - Contenção

Demo Feminino – Afronordestina - Afro Nordestina

Destaque do Graffiti - Anarquia

Destaque Gospel – Relato Bíblico

Melhor Site - Rappin Hood

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Higor Assis
 

Muito bom João, muito bom.

Higor Assis · São Paulo, SP 5/12/2007 12:17
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Mansur
 

Que bacana Xavi! Fui ao festival quando da edição no Cais do Porto. Que crescimento impressionante, não?!

Mansur · Rio de Janeiro, RJ 8/12/2007 15:17
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Mansur
 

E o Marechal participou? Acho o Marechal impressionante improvisador. Para mim o melhor que já vi aqui no Brasil.

Mansur · Rio de Janeiro, RJ 8/12/2007 15:19
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joao xavi
 

O Marechal é sinistro mesmo, já fizemos uns três shows juntos, no Circo seria o mágico arrancando rimas impossíveis da cartola. Mas foi mais um dos talentos não convocados para subir ao picadeiro.

Abração Mansur!

joao xavi · São João de Meriti, RJ 8/12/2007 17:00
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Mansur
 

Que pena!

Mansur · Rio de Janeiro, RJ 8/12/2007 17:04
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joao xavi
 

Mansur, se você gosta do que o Marechal apronta, devia comparecer na final da Liga dos MC´s, que é o campeonato de improvisações com MC´s do Rio, SP, Porto Alegre, Recife...

A grande final vai rolar na próxima quinta, dia 13, no Circo Voador:
http://www.redbull.com.br/#page=ArticlePage.1183582398129-751593009.3

joao xavi · São João de Meriti, RJ 8/12/2007 17:12
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Mansur
 

Valeu a dica!

Mansur · Rio de Janeiro, RJ 13/12/2007 18:31
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.mv bill em ação no palco do circo. zoom
.mv bill em ação no palco do circo.
.gog, grande vencedor do prêmio em 2007. zoom
.gog, grande vencedor do prêmio em 2007.
.rapadura ostentando seu visual nordestino. zoom
.rapadura ostentando seu visual nordestino.
.minas de ouro. zoom
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.a liturgia do facção central. zoom
.a liturgia do facção central.
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