Os Posfácios e Prefácios de uma Viagem no Tempo
Impressões gerais sobre Macacos e Outros Fragmentos ao Acaso, de Jorge Moreira Nunes
Há muito tempo, queria ler um livro que falasse da minha cidade e que, em pelo menos um de seus parágrafos, contemplasse uma ficção fértil em nome de um Rio de Janeiro que eu vivenciei, que não está no imaginário da mÃdia massiva, tão múltiplo e tão além da praia de Copacabana. Ironia ou não, esse livro existe, de certa forma, desde 1998, é de ficção cientÃfica e o centro de irradiação de sua narrativa é Copacabana.
Seu primeiro capÃtulo, Terraço, entra também na lista de ironias que experienciei para adotar Macacos e Outros Fragmentos ao Acaso como aquele livro instigante e capaz de concentrar as experiências paradoxais e conjecturas de uma ficção que cabe na cidade que amo, expandindo-a para todos os tempos e possibilidades. É também uma viagem pelo Inconsciente.
Um dos personagens mais bem elaborados por Jorge Moreira Nunes, o enxadrista Vlad, provoca o estranhamento e a empatia necessários para configurar o bairrismo ao avesso e a intelectualidade despretensiosa de botequim que dão o tom original do romance. Ganhamos um amigo, daqueles cuja amizade não entendemos por que cultivamos, mas que não podemos jamais subestimar.
Os desconcertantes capÃtulos denominados Macacos possuem o mérito inegável de brincar com o inconsciente semântico do leitor ou, numa visão menos otimista, tocar a superfÃcie adormecida desse oceano de possibilidades cuja linguagem certamente deve diferir da lógica habitual. O projeto Macacos vai tendo sua significação e relevância esclarecidas pouco a pouco e, até as últimas páginas parece não ter outra função que não seja incomodar o leitor, obrigando-o a improvisar um novo método de leitura lúdico e participativo, e que dê conta de várias páginas de uma enorme seqüência de associações livres demais ou – o leitor pode notar, desconfiado – nem tão livres assim.
O segundo conto, Maelström, revaloriza o primeiro, mas dá também a impressão de que o todo do livro é uma obra caótica, formada apenas por fragmentos realmente ao acaso. A espinha dorsal do romance, no entanto, o refúgio seguro do La Granada – tÃtulo dos capÃtulos que alinhavam com segurança os contos do livro – escancara ao leitor um único objetivo por trás de toda a narrativa.
As diferentes formas de realidade representadas em épocas e temporalidades diferentes (que incluem também os contos Presente de Mãe, Saviana e Ourobouros) somam-se a uma desconstrução da linguagem cartesiana (Macacos) e a uma narrativa em primeira pessoa franca e intimista (La Granada), resultando num arsenal respeitável para a detonação de parâmetros mentais habituais, uma das funções mais nobres da ficção cientÃfica. Mas o caos furtivo é apenas o primeiro passo para a obra descomunal de construção do Inventário de todas as possibilidades humanas.
Moreira Nunes, seu alter ego ou a primeira pessoa de Macacos... impressiona pela coragem, porque chega a um grau de vulnerabilidade ousado por poucos autores em plena narrativa literária. Que escritor não se sente tentado a incluir posfácios e prefácios no meio de sua história para torná-la menos temerária, menos solitária e – aà o grande perigo – mais indecisa? É preciso ler para entender e sentir como esse dilema se resolve.
Quando li a excelente resenha de Macacos... escrita por Romeu Martins no site Overmundo, já havia me esquecido do antigo desejo de ler um livro de ficção cientÃfica sobre um Rio de Janeiro mais improvável que o de costume e não menos fiel. Corri de São Paulo para Copacabana. O livro veio, então, como um prazer inesperado, matando uma vontade antiga de revisitar minha própria cultura por meio do seu reconhecimento numa obra audaciosa escrita por um carioca autêntico.
Serviço: uma última surpresa do livro é o fato de ele ser distribuÃdo gratuitamente a todos os interessados. Cariocas só precisam passar na sede da editora e requisitar um exemplar, leitores de outros estados podem fazer o pedido por carta, telefone e e-mail e só pagam as despesas de postagem.
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Este texto faz parte de um projeto chamado Ponto de Convergência, que pretende traçar um panorama da ficção cientÃfica nacional através de resenhas de livros significativos lançados ao longo da última década e de entrevistas com seus autores.
Ótimo ver o projeto Ponto de Convergência reunindo mais textos.
Valeu, Ludmila, belo texto.
Sim! Excelente. E vá escrever bem assim lá em Caixa-Prego, heim?
Octavio · Rio de Janeiro, RJ 11/1/2008 11:24
obrigada, romeu, pelo incentivo. a colaboração é um autêntico filhote do Ponto de Convergência.
Octavio, vindo de você, isso é um mega-elogio!
Realmente bom o texto!
Ficou meio em aberto, pra mim, Ludimila, qual a ironia exata que você teve que enfrentar com "Terraço". Eu confesso - e colocarei isso na minha resenha - que quando comecei a ler pensei "putz, mais uma história sobre bandidos do RJ..."
:)
fernando, engraçado que, logo antes do seu comentário, editei esse trecho. Achei que "enfrentar" não foi bem o caso, mas experenciar a ironia de ler uma história sobre bandidos no rio com a expectativa de que ela não fosse apenas mais uma.
mas meu estilo é assim mesmo, viu. por isso o "impressões gerais", tenho horror a spoilers e a influenciar demais a interpretação futura do leitor.
valeu! aguardo a tua resenha.
...note que todos os parágrafos acima deixam alguma coisa em aberto.
Ludimila · São Paulo, SP 11/1/2008 12:16
Ludimila, é que esse trecho em particular tinha me deixado curioso :) até por que foi um capÃtulo que eu também tive reações imediatas...
A edição atual está bem melhor, com os parágrafos separados e tudo, ficou mais fluida a leitura! Parabéns novamente :)
Muito boa resenha, Ludimila!
Também gostei muito de ver o RJ retratado sem nenhum dos clichês que geralmente são associados à cidade.
E pensar que o livro não custa nada...
obrigada, rafael. pelo comentário e por ter me incentivado a escrever lá na Comunidade.
Ludimila · São Paulo, SP 11/1/2008 13:10Engraçado que vejo algumas similaridades entre Terraço e Para Tudo Se Acabar na Quarta-Feira. Você não, Trevisa?
Octavio · Rio de Janeiro, RJ 11/1/2008 13:48
E Lumila, fala sério, né? Eu estou looonge de ser um escritor de porte, já você tem estilo, uma construção que deixa a gente com vontade de voltar a ler o texto depois de terminado.
Parabéns MESMO. Sou um fã declarado de sua tradução de A Voz do Fogo.
Octa, ainda não li o teu conto do "Por Universos Nunca Dantes Navegados"... estou no segundo ou terceiro conto; só li o do Candeias fora de ordem por que calhou do livro abrir ali, senão, poderia ter sido algum outro :D
Mas depois eu te digo se vejo semelhanças, ok!?
Abs!
Octavio, ratifico o meta-elogio porque você é um cara que fala com propriedade, alémdomais, adorei Mar de Lama, depois das votações porque fiquei sem Internê durante elas, numa LAN com os jogadores mais barulhentos que já ouvi.
Parece que estou formando um estilo, nesta iniciação à FC (nem li os livros antológicos ainda- como o da Intempol, o do Fábio Fernandes, etc). Quanto a reler o texto, you made my day, isso sim.
Não sabia que tinha aprovado a tradução da Voz do Fogo. Que bom! Fico grata.
Fernando, li Terraço com os olhos arregalados : )))
Rafael, que legal que você leu As Vozes de Northampton. Tem uma comunidade sobre esse livro. Grata de novo!
Ludimila · São Paulo, SP 11/1/2008 14:44
Ludimila! Parabéns pela resenha. Sem falar no estilo impecável, conseguiu realisar a função de toda resenha: fiquei com vontade de ler o livro já a partir da metade do seu texto.
Beijos!
Nando
Ludmila, só uma sugestão: você poderia incluir aquele páragrafo final de serviço, dando as dicas de como novos leitores podem adquirier o livro gratuitamente.
Se não der tempo de editar o texto principal, dá pra incluir por aqui mesmo, nos comentários.
Eu não tenho mais como editar o texto do Rio de Janeiro de todos os tempos..., mas incluà um comentário linkando o teu texto, Ludmila.
E mandei um e-mail pro Jorge Nunes avisando da nova resenha. Não sei se ele conseguiu se cadastrar no Overmundo, mas pelo menos ler ele conseguia lá da Flórida..
Quando sair a entrevista, eu linko as duas resenhas.
Bacana, senhorita!
Confraria das Ovelhas Negras - mangabeira@ovisnigra.org
Olá Ludimila, gostei muito da sua resenha.
É bom saber que temos opções diferentes de autores e crÃticos, uma vez que estou tão decepcionado com a mÃdia convencional. O "Overmundo" já está nos meus "Favoritos" e "Macacos" na minha pilha de livros. Obrigado e longa vida literária para você e Jorge Nunes.
Oi Ludmila, muito bom!!!!
Agora tenho que ler o livro, hehe.
Beijos!
Parabéns Ludimila, espero que consiga o número de votos para a publicação.
Lucinda Rodrigues · São Paulo, SP 13/1/2008 10:45Parabéns Ludimila! Preciso ler esse livro rápido!!!
Aurisson · Contagem, MG 13/1/2008 17:08mangabeira, renato, marcus vinÃcius, lucinda, ana e rodrigo: gracias! Macacos...possibilita interpretações e opiniões diversas. Depois me contem as de vocês.
Ludimila · São Paulo, SP 13/1/2008 19:13
Ludimila...
Adorei o texto...
Meu livro chegou há menos de uma semana, e eu ainda estou no finalzinho do Quintessência do Flávio para ler e com Hegemonia do Clinton na fila... Mas você me deixou com vontade de ler Macacos antes...
Beijão!
Olá, Ludmila
Muito obrigado pela generosa resenha , Ludmila. O texto ficou excelente, e você identificou com muita propriedades nuances que passaram despercebidas até mesmo por mim. Parabéns e continue sempre escrevendo.
Um abraço,
Jorge M Nunes
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