In a Land: quem está assistindo?

Aline Neves
A comunidade no palco do teatro
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Natacha Maranhão · Teresina, PI
2/2/2008 · 129 · 15
 

A entrada de uma mulher de 70 (?) anos no palco provoca os primeiros movimentos. As pessoas se remexem nas cadeiras. Ela fica lá, estática. Assistindo a quem está lá para assistir. Muda. Só olhando.

Vem a moça, assiste à platéia, olha nos olhos de um, de outro, outro. Fala do Piauí e nos cochichos da platéia percebo que o texto é motivo de admiração. A autora é Arianne Pirajá, estudante de Letras da Universidade Federal do Piauí. Anote o nome dela.

Entra mais uma pessoa no palco, mais outra. Gente de todo jeito. Criança, velho, velha, moça, moço. Gente bonita e gente feia. Gente “comum†e gente “esquisitaâ€. Já entra aqui a primeira questão: esquisita por quê? Por causa do cabelo? Pela expressão do rosto? Por nunca ter pisado em um palco e estar ali, na maior tranqüilidade?

As pessoas vão entrando e saindo do palco do Teatro Municipal João Paulo II sem trocar palavra. Estão ali apenas e tão-somente se expondo para nós, que fomos lá assistir. Mas elas nos olham tanto que é impossível não achar que eles estão ali porque nós estamos na platéia e eles querem ver o que estamos fazendo. E não o contrário, como seria o natural.

Comecei a prestar atenção em algumas situações, no comportamento dos atores – vale ressaltar aqui que são 40 pessoas, escolhidas em um teste seletivo no qual se inscreveram mais de 120, e a maioria jamais tinha pensado em ser ator, são moradores da vizinhança do teatro que simplesmente tiveram vontade de participar e encararam o desafio de trabalhar com dois diretores que não falam uma palavra de português, o belga-alemão David Weber-Krebs e sua assistente belga Sarah Vanhee. Fábio Crazy, do Centro de Criação do Dirceu, ajudou com a tradução.

David e Sarah apresentaram In a Land pela primeira vez em Amsterdã e, naquela ocasião o diretor do TMJP2, Marcelo Evelin, imaginou que poderia ser interessante realizar uma montagem em Teresina, com a comunidade do bairro Dirceu Arcoverde.

Após o teste seletivo, os novos "atores" tiveram poucos dias de ensaios, só o suficiente para captar a idéia dos diretores; que é mostrar pessoas interagindo com o ambiente em que vivem, sem interferências externas. Como laboratório, David e Sarah viajaram pelo interior do Piauí - passaram por Oeiras, Parnaíba, Luís Correia e arredores de Teresina - captando imagens de pessoas e seus lugares, o quintal de suas casas, suas janelas, suas salas.

O comportamento dos "atores" em cena me lembrou cenas de uma rua, ou uma praça, ou o mercado ali mesmo no Dirceu; mas que poderia ser qualquer lugar. Você não conhece todo mundo, passa pelas pessoas e não as vê. Mas também vi relações sendo estabelecidas – e peço licença aos diretores para minhas divagações.

Me chamou a atenção o menino andrógino que entra, encara a platéia e vira de costas, passando a encarar um pequeno grupo de pessoas que eu percebi como uma família – pai, primo, avó, um ou outro amigo, talvez. Enquanto todos olham pro menino, o ator que – na minha cabeça – é o pai, desvia o olhar. Uma mulher que está na platéia sobe no palco e fica ao lado do menino, o resto do grupo sai de cena, ficam só os dois. Alguns passos juntos, ele se distancia, sai. Ela vai depois. O que você percebe? Arrisco dizer que vi uma família confusa, com um adolescente gay em casa, cujo pai se recusa a aceitar e uma mãe que fica ao seu lado até quando ele resolve ir cuidar da própria vida. Mas essa é a minha interpretação. A amiga que estava ao meu lado não viu nada disso. Em outro momento, outro amigo percebeu que a idosa e depois o idoso que ficam sozinhos por longos momentos no palco podem representar a solidão trazida pela velhice. Isso eu não percebi, mas faz muito sentido.

Por cerca de 50 minutos, os atores entram e saem do palco em completo silêncio. Cada um vivendo a sua vida ali, sem conhecer o outro, sem conversar, como qualquer um de nós ao passar por uma rua, ou praça, ou mercado onde não tem ninguém conhecido.

Depois voltam, um a um, dois a dois, até que todos estejam no palco e se dêem as mãos. Um largo sorriso no rosto. Nós aplaudimos, eles aplaudem. Quem estava assistindo?

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Helena Aragão
 

Nossa, Natacha! Que medo! hahaha Mas sério, confesso que não sei se ia gostar de me sentir observada assim não (ainda mais quando deveria, a rigor, só observar).
E qualquer um da platéia podia levantar e ir pro palco também?
Esses diretores gringos repetem isso em vários lugares? Como foram parar aí? Abraço!

Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 30/1/2008 13:55
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Joca Oeiras, o anjo andarilho
 

Oi Natacha:
Muito intuitiva a tua maneira de descrever o que ocorreu no Teatro JP2. Sem ter visto o espetáculo, me teletransportei para a platéia do Teatro. Da mesma forma, tendo a responder à Helena que ninguém da platéia era estimulado a subir no palco, pois isto subverteria totalmenmte a atividade cênica. É preciso lembrar que estes "atores" foram selecionados e, no momento da seleção, deixaram de ser platéia. Eles tem um papel a desempenhar. Ao mesmo tempo me pergunto: houve algum tipo de ensaio, afora o final congratulatório que vc descreve como "Um largo sorriso no rosto"? Acho que sim.
beijos e abraços
do Joca Oeiras, o anjo andarilho

Joca Oeiras, o anjo andarilho · Oeiras, PI 30/1/2008 21:42
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Natacha Maranhão
 

Oi Joca. Foram realizados poucos ensaios, até porque a idéia nao era ninguém representar nada a nao ser a si mesmo.
E eles nao deixam de ser platéia, não. A idéia dos diretores é mesmo deixar no ar essa dúvida sobre quem assiste e quem está sendo assistido...

Natacha Maranhão · Teresina, PI 31/1/2008 10:09
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Natacha Maranhão
 

Sorry, a idéia ERA ninguem representar nada a nao ser a si mesmo
:-)

Natacha Maranhão · Teresina, PI 31/1/2008 10:10
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Joca Oeiras, o anjo andarilho
 

Querida Natacha:
Acho que tem alguma coisa errada nesta sua interpretação. Para mim eles não são platéia
1 porque entendo por platéia o acesso voluntário a um espetáculo, o que, certamente, não se deu com os atores selecionados

2 Porque os do palco se enxergavam (foram escolhidos para isto) como atores e não meros expectadores.

3 Porque os da platéia contavam ver ação, dramaticidade, no palco

4 Os no palco jamais seriam platéia deste espetáculo, se lhes fosse dado escolher um programa.

5 Concordo com vc, pela fotos, que "os do palco" parecem mais zumbis do que atores. Gostaria de ter visto este tal "largo sorriso" no final.
beijos e abraços
do Joca Oeiras, o anjo andarilho

Joca Oeiras, o anjo andarilho · Oeiras, PI 31/1/2008 10:34
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Natacha Maranhão
 

joca, vc tem todo o direito de fazer sua interpretação do texto...mas seria bom que tivesse visto o espetáculo também.
beijo

Natacha Maranhão · Teresina, PI 31/1/2008 11:04
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Joca Oeiras, o anjo andarilho
 

Querida Natacha:
Quando a isto não resta a menor dúvida. No entanto, me permita dizer, não fiz qualquer interpretação do seu texto, apenas me baseeei nos fatos ou:
1 Não é fato que os 40 "do palco" foram selecionado em meio a 120 outros "candidatos a atores"?
2 Não é evidente que esses 40 escolhidos jamais seriam atraídos para a platéia de um espetáculo intitulado "In a Land"?
3 se interpretei alguma coisa foram, sem dúvida, as fotos, onde não pude ver nem atores, nem platéia, aquilo que eu caracterizei como "Zumbis". Sinceramente!
beijos e abraços
do Joca Oeiras, o anjo andarilho

Joca Oeiras, o anjo andarilho · Oeiras, PI 31/1/2008 12:14
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Natacha Maranhão
 

Os 40 que "jamais seriam atraídos" para a platéia de In a Land são gente que frequenta o teatro, Joca. Assiste aos espetáculos, assiste aos Instantâneos que acontecem às quartas-feiras...
perdão, mas nao entendi onde você quer chegar, rsrsrsrs, nao sei porque chama as pessoas de "zumbis"...soa tão preconceituoso que nao parece você...

Natacha Maranhão · Teresina, PI 31/1/2008 12:52
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Joca Oeiras, o anjo andarilho
 

Querida Natacha:
Sinceramente não quero chegar a lugar nenhum, nem pretendo polemizar com você quando afirma, sem qualquer prova, que "os quarenta do palco são gente que freqüenta o teatro", o que era, até agora, desconhecido para mim que vi, várias vezes, o Marcelo Évelin reclamar da ausência de público no JP2. Que bom que isto foi superado! Uma bela notícia, sem dúvida!
Agora, as fotos das pessoas com as duas mãos em paralelo junto ao corpo e aquele olhar mortiço, sinto muito, meu bem, me lembrou zumbis, e entre a verdade da minha impressão e qualquer temor de parecer ( e até de ser) preconceituoso fico com o que vi com verdade. Mas é como você diz, não vi o espetáculo.
beijos e abraços
do Joca Oeiras, o anjo andarilho

Joca Oeiras, o anjo andarilho · Oeiras, PI 31/1/2008 13:14
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Aline Neves
 

In a Land não é mesmo fácil de ser entendido. Só quem o sentiu [no caso de In a Land, 'assistir' é pouco] consegue falar sobre. E qualquer conclusão externa pode ser arriscada.

Aline Neves · Teresina, PI 1/2/2008 16:05
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Eduardo Neves
 

Sr. Joca Oeiras, como é que o senhor pode fazer um comentário como esse se não viu o espetáculo? O senhor leu um texto (com impressões pessoais de quem o escreveu), viu quatro fotos - fotos! se ao menos fosse um vídeo, meu deus do céu - e já saiu destilando suas teorias (repito, acerca de algo que não conhece), sem sequer tentar entender a metáfora presente no artigo, que remete à mesma metáfora presente no espetáculo... Sr. Joca Oeiras, sua tentativa de polemizar, mais uma vez (sim, tenho lido algumas participações suas em outras oportunidades neste site) só prova definitivamente que o senhor nada mais é que um chato de galochas.

Eduardo Neves · Teresina, PI 1/2/2008 18:36
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Joca Oeiras, o anjo andarilho
 

Querido Eduardo:
Não vou responder as suas grosserias, mas reafirmo, como disse à Natacha, que não considero que os 40 atores estivessem no palco fazendo o papel de plateia. Acho que todos nós, você inclusive, já vimos fotos de plateias, sejam de espetáculos teatrais, circenses ou outros e tenho certeza que nenhuma delas tem o aspecto das fotos que foram mostradas no texto da Natacha. E se as fotos, que ilustram a matéria, não servem para ninguém tirar nenhuma conclusão, ou pior, serviram para eu tirar conclusões erradas e até, não sei porque razão, preconceituosas, me desculpe, mas a culpa não é minha.

Quero, por outro lado, lembrar, que atores, e já vi muitos, também representam zumbis, o que reforçaria a minha tese segundo a qual os "do palco" não são platéia. Então fico até preocupado: será que, já que não vi o espetáculo, tenho que concordar com quem o resenhou nos mínimos detalhes?
beijos e abraços
do Joca Oeiras, o anjo andarilho

Joca Oeiras, o anjo andarilho · Oeiras, PI 1/2/2008 19:52
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Arianne Pirajá
 

é muito especial ter tempo pra ver o quanto cada pessoa é especial.

Arianne Pirajá · Teresina, PI 6/2/2008 11:57
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stefano ferreira
 

Um espetáculo com uma concepção experimental e linguagem inovadora como esse, não pode ser visto com olhos resistentes.
Achei a idéia maravilhosa e mesmo sem ver, acho que deve ter passado uma série de reflexões na platéia.
Muito bom que apareçam peças desconstrutoras da idéia convencional de teatro!
Adorei o texto e as fotos Natacha.

stefano ferreira · Oeiras, PI 7/2/2008 00:29
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O poeta oculto
 

interessante!!

O poeta oculto · Teresina, PI 26/5/2008 15:14
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