Não é preciso ser carioca ou morar na Zona Sul do Rio de Janeiro para saber que a Copacabana de Gilberto Braga não é igual ao Leblon de Manoel Carlos. A primeira, outrora charmosa e agora decadente, terreno das contradições da cidade e do paÃs, cartão-postal da nossa beleza e do nosso caos. O segundo, sÃmbolo de uma classe média idealizada que transcende os limites do bairro e, quando atormentada por grandes problemas, entende que aquecimento global é a tristeza de um inverno sem neve em Nova York.
Se os (micro) universos são diferentes, se diferentes também são temática e estilo, enfim, se Braga e Maneco impõem autorias já demarcadas e consagradas na ficção televisiva brasileira, pergunto por que a mais recente novela global ainda não “bombouâ€. Em sua terceira semana no ar, ParaÃso Tropical apresenta Ãndices de audiência abaixo do esperado para uma novela das 21horas. Registra-se nas colunas e seções especializadas que é o menor “ibope†da década.
Tivesse eu a resposta imediata, daria de graça para a Globo e a dispensaria da necessidade de antecipar a pesquisa com o grupo de telespectadores, pelo simples prazer de ver a boa estória de Gilberto Braga decolar. Mas faço outra pergunta: até que ponto são tão diferentes as duas novelas? (de antemão, estão dispensadas as respostas de que novela é tudo a mesma coisa, que é tudo “lixo†da indústria cultural etc etc etc).
Existe uma sensação de continuidade entre as duas obras. Porque Páginas da Vida (a pior trama já feita por Maneco) arrastou-se, arrastou-se (Leandra Leal não me deixa mentir) até se tornar “a novela que não terminouâ€*. Daniel Castro informa, em sua coluna na Folha de S. Paulo (edição de 19/03), que a “rejeição†inicial decorre em parte do fato de que “telespectadores que representam pelo menos seis pontos no Ibope simplesmente deixaram de ver novela com o fim de ‘Páginas da Vida’â€.
Mudou autor, mudou diretor (saiu Jayme Monjardim, entrou Dennis Carvalho) e ParaÃso Tropical pode até estar se esforçando para deixar Páginas para trás, mas nem de longe representa uma tentativa de virada para se tornar um marco na teledramaturgia brasileira, como foram outras obras do gênero. E insiste ainda no Rio de Janeiro como cenário (quando outras metrópoles do paÃs, além da capital fluminense e de São Paulo, poderão abrigar tramas urbanas nacionais?)
OK, OK, diga-se que a novela mantém convenções próprias do gênero (como a estrutura folhetinesca). E que ParaÃso Tropical apresentou tomadas diferenciadas. Mas tem faltado ousadia à emissora do Projac. A mesma ousadia que consagrou Gilberto Braga quando este lançou Vale Tudo, consolidando seu nome como um dos grandes autores de ficção do paÃs e a telenovela como “espaço legÃtimo para a mobilização de diversos modelos de interpretação e reinterpretação da nacionalidadeâ€, no dizer da antropóloga Esther Hamburger no recomendadÃssimo O Brasil Antenado – a sociedade da telenovela.
Alguns entendem que sinais de mudança estão vindo de outro lugar que não o Projac. A crÃtica de TV Bia Abramo, também na Folha de S. Paulo (edição de 28/01) destaca que Vidas Opostas, da Rede Record, ao priorizar um “cunho mais contemporâneo, menos enfeitadoâ€, estabeleceu um roteiro inventivo e de “diálogos surpreendentemente bem-feitos†que representa “um passo de ousadia necessárioâ€. Pode ser, mas se tem algo que a emissora "rumo à liderança" do Bispo Macedo tem mostrado é que, no terreno das telenovelas (bem, em outros programas da grade também), para bater a Globo, é preciso ser um pouco... a própria Globo. Que seja a Globo inovadora de antes, então.
* A referência ao tÃtulo do livro de Zuenir Ventura é inspirada na coluna de Juca Kfouri da Folha de S. Paulo (18/03 )sobre o clássico Santos X São Paulo, disputado recentemente.
**Este texto é um convite para a comunidade escrever mais sobre televisão aqui no Overmundo. A cobertura crÃtica de TV no Brasil é imensamente desproporcional à sua relevância cultural. Exceções estão citadas no texto, como os ótimos textos de Bia Abramo na Folha e as colaborações que Esther Hamburger fazia para o mesmo jornal.
Legal sua proposta, Ricardo! Concordo 100% com vc. Faltam mais textos sobre novelas não só no Overmundo, mas em todos os jornais do paÃs. É uma manifestação muito importante para que continuemos a enxergá-la só por meio desse viés de "arte menor". O mesmo, para mim, se aplica ao Big Brother. Agora, uma coisa me deixou muito curioso no seu texto: a diferença do tratamento dado pelos autores e sua visão pessoal de Copacabana e Leblon. Queria que vc falasse um pouquinho mais a fundo sobre isso. Gosto bastante de ouvir opiniões sobre os bairros da zona sul carioca, já que as minhas ainda estão em contrução. Abração!!!
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 19/3/2007 14:50
Oi Thiago,
minhas opiniões sobre os bairros da Zona Sul do Rio também estão "em construção", e como sou de fora da cidade, boa parte das impressões remete ao imaginário construÃdo sobre eles na televisão (e na música também hehe). Minha visão do Leblon é manoelcarliana, a do Rio em parte é global (da "Globo"). Sei que são representações desses bairros, com suas particularidades, liberdades de criação dos autores, e também limitações. Que o Leblon não é necessariamente o "Leblon do Manoel Carlos"...
Bem, opinião pessoal mesmo, estou conhecendo Copacabana e acho caótica (positiva e negativamente), com muita gente na rua, barulhenta... e fico sempre imaginando como seria nos anos 50/ 60.
Gostei da análise. Vou acrescentar que alguns recursos nessas telenovelas estão muito esgotados. Há situações completamente inverossÃmeis, e há maldade da crua, demais. Penso que isso afasta o telespectador. Sem falar no desenrolar mais que manjado das tramas. É isso aÃ!
Abraço!
queria ver análises do BBB por aqui. acho que vai ser divertido.
André Gonçalves · Teresina, PI 23/3/2007 14:14Não seja imprevidente, não atiça! Falar da da decadência do Rio de Janeiro, pode ser até que sairÃa alguma coisa. Por ser o Rio um dos espelhos do Brasil. Porem, assuntos de ficção da tv, contados atravez da da realidade. È melhor esperar até que apareça novidades e coerência. Por que, assisrir agrados para Gregos e troianos, ou alguen aceder uma vela para Deus e outra para o Mister S (Enxôfre), são velhos roteiros.
Carlos Sturzeneker · Rio de Janeiro, RJ 24/3/2007 17:36
Caro Carlos,
sinceramente, não estou sendo "imprevidente". Disse que o ibope nessas três semanas ainda não é considerado pela crÃtica como "sucesso" (bem, pela Globo também não, imagino). Se você ler o segundo parágrafo com atenção, encontrará o "ainda", detalhe que faz muita diferença.
Como disse a Roberta aà em cima, há recursos esgotados, não vejo inovações na novela, algo que eu esperava, até por gostar muito das novelas do Gilberto Braga.
Esperar que novidades ou coerência apareçam, ótimo, também espero, mas isso não quer dizer que eu não possa fazer uma análise crÃtica do que vi até agora...
E quanto a atiçar, seria ótimo, se levar a uma reflexão sobre a novela aqui.
Abraço,
Acho importante. Principalmente as crÃticas à Vênus Platinada, para que as pessoas acordem quanto ao glamour e percebam que televisão é um bicho pra ser morto todo dia, o telespectador ganho todo dia. Porque, ao se acomodar nos louros, um dia se acorda e se perceber que a caravana passou.
Delfin · São Paulo, SP 25/3/2007 02:37
Ótima matéria Ricardo! Não sou público fiel das novelas, mas chego a acompanhar algumas que me interessam. Páginas da Vida foi um fiasco. A trama recheada de apelos sociais colocados para o público de forma super didática foi o o erro de Manoel Carlos.
Ao contrário de Gilberto Braga, que apesar de tudo não decolou, sua novela ParaÃso Tropical consegue explicitar para o público questões sociais tão importantes de serem discutidas só que diluÃdas na dramaturgia. Não é preciso nenhum personagem parar a cena e dar uma lição de moral, fazer um discurso, enfim, a valorização do diálogo é o que prima nas obras de Gilberto Braga.
E o Big Brother...bem tem muito que falr dele sim e acho que seria uma discussão não só divertida, mas também interessante.
Abraços
Bem lembrado, Marcelo! Manoel Carlos transformou seu folhetim numa "cartilha de boas maneiras'. Alias, todas as suas obras tendem um pouco para isso, mas esta páginas da vida foi o uó!
Oi,
Não consigo ficar de fora de um tema como este. Tenho preguiça de novelas. Já assisti umas e outras, confesso. Mas, não mais. Me incomoda o merchandising, os "lançamentos de talentos", os modismos, a cultura de um pequeno circulo se transformando em paradigma nacional, arhhhhggg!!! Guela abaixo.
E depois posam de reformadores. Será que depois de um banho Rio, só há outro Rio?
Como diz a música do Milton e Fernando Brant : "ficar de frente para o mar, de costas pro Brasil, não vai fazer deste paÃs uma nação"...
Quanto a BBB, me perdoem, é demais. É a excrecência vendida aos mais incultos como se cultura fosse. TerrÃvel.
Kill 'en all...
O que tinha de bom em Páginas da vida era os depoimentos, a novela em si era igual as outras, sempre com entrigas, para pessoas que gostam de cuidar da vida alheia "entrigas" é um prato cheio, como eu não gosto muito de novela, prefiro assistir amazônia, um seriado Brasileiro que conta a História de Chico Mendes, assim fazendo parte da Literatura Brasileira, bem diferente de novelas vázias da Globo.
Por aà já sabemos porque o restante do mundo da risada dos Brasileiros, e os Brasileiros não gostam porque acham a futilidade que assistem o maximo, parece até que o Brasil é uma criança perto dos outros paÃses, sendo que Brasil é Estados Unidos tem quase a mesma idade, é os americanos são mais desenvolvidos por causa do lazer, cultura e familia que eles colocam em 1º plano dentro de uma sociedade ao contrário do Brasil que coloca, novelas fúteis em 1º lugar entre outras coisas do tipo Big Brother Brasil, outra futilidade.
EXEMPLO: pergunte a um Brasileiro, Qual a diferença entre União Soviética e Russia?
Um exemplo simples que prova que os Brasileiros tem uma mediocridade cultural, impressionante e sei que são poucos que vão responder certo!
Interessante, o debate, pois realmente percebemos que as "novelas" viraram um "espaço público" brasileiro, é claro que formatado, controlado e maquiado! Andei lendo alguns textos do livro videologias de Eugênio Bucci e Maria Rita Kell, Coleção Estado de SÃtio. Bem, no livro ele coloca a necessidade de olhar a TV como um "lugar em si", Ela "não mostra lugares, não traz lugares de longe para muito perto - a televisão é um lugar em si. Do mesmo modo, ela não supera abismos de tempo entre os continentes com suas transmissões na velocidade da luz, ela encerra um outro tempo." Temos muito o que debater!!!
cel. · Rio de Janeiro, RJ 25/3/2007 18:55Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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