O ano é 1939. O Mundo agita-se com os primeiros sinais da Segunda Guerra Mundial. Na então cerrada e semi-virgem Floresta Amazônica, um ganancioso empresário estrangeiro fecha violentamente a porta de um velho carro alugado, que insiste em não dar mais a partida. Perdido em meio à mata fechada, e ainda por cima abandonado pelos nativos que contratara, por ser aquele local considerado como mal fadado por seu povo, John Doe embrenhou-se na densa floresta, em companhia de linda mulher, cujos requebros e encantos “fariam dinheiro e sucesso em meu país”, pensava ele. Mas agora, diante da realidade escabrosa e assustadora que se apresentava abaixo das imensas copas das árvores com os guinchos alucinantes dos “animais perigosos” que os rondavam, ele já nem tinha certeza se queria mesmo levar aquela mulher consigo.
Mas ela tinha um charme que continuava a seduzi-lo mesmo naquelas condições. Além disso, ela era aguardada pelo presidente de seu próprio país. John Doe decidiu então que deveriam embrenhar-se na mata e cami nhar sempre na direção Sul, buscando uma saída. Mas eles não tinham um mapa e rodaram em círculos até que foram abordados por um grupo de índios, com lanças e tacapes nas mãos.
John Doe tentou de tudo para escapar de ser cozido em um caldeirão com batatas, cebolas e restos de carne de porco do mato. Ofereceu dinheiro, seu relógio, canivete suíco, mas nada adiantava. O cacique parecia querer provar daquela carne branca e macia...Doe não sabia, mas ele e a moça, que vira cantando numa boate da última cidade onde fizera a última boa refeição de que se lembrava, haviam sido capturados pelos membros da tribo mais temida pelos nativos da região amazônica: a dos Comedores de Homens Brancos.
Desnudo e debatendo-se, o empresário foi colocado no caldeirão, enquanto a mulher era preparada em uma oca pelas mulheres da tribo. Os rapazes, com os corpos e rostos pintados com tinta vermelha de urucum, dançavam ao redor do caldeirão, com chocalhos, tambores e maracas. O cacique ergueu as mãos para que um dos homens acendesse a palha colocada sob a grande panela negra, mas não antes que as mulheres trouxessem sua bela companheira, que também, achava Doe, acabaria no panelão com ele.
Porém, qual não foi sua surpresa quando a moçoila, metida num vestido branco que à luz da lua cheia revelava-se furta-cor e portando uma coroa de bananas - tão alta que competia com as árvores ao redor - ergueu os braços cinzentos e disse, num estranho timbre escapado do rasgo que se tornara sua tão outrora desejada boca, em maneirismos estóicos:
-É hora de aprender! Faturar? Queimar! É hora de partir!
O homem que segurava o archote tombou-o sobre a palha e John Doe soltou um grito tão desafinado que fez a macacada, que espreitava oculta entre os galhos, dançar e gritar também, imitando o ruído de forma brincalhona. Então todos os índios ao redor começaram a uivar. E uivavam tão alto que os lobos guarás que dormiam aos pés das redes dos curumins também se juntaram ao coro. E os curumins vieram dar-lhe presentes e John Doe ficou cercado de brinquedos de palha e madeira, boiando junto com os legumes. E todos festejavam e cantavam.
Quando percebeu que a pele de Doe já mudava de seu costumeiro tom pastel rosado para o carmim da boca das cunhãs, a mulher aproximou-se, tirando a estranha, mas encantadora máscara de penas negras e roxas que lhe cobriam os olhos e aquelas imensas e ovaladas pupilas negras o fitaram por alguns instantes. E, antes que ele desfalecesse pela última vez sobre o úmido e quente leito da morte, achou que alguém teria dito, ou pelo menos teria compreendido alguém dizer entre dentes:
- We are your friends!
Excelente texto!!Capitalismo q está mais p canibalismo selvagem mesmo....Os índios só são vítimas tentando defender seu território...
Importante temática!
Beijos bluezenblues
Rai...Blue
Muito obrigado, Raiblue. Acredito que permitir conscientes e complacentes a antropofagia cultural imposta pelos novos colonizadores é um risco que não deveríamos nos permitir...
Bjuz,
Mau
Tita, obrigado pelo comentário e pelo voto. A Internet tem mesmo sido uma mãe prodigiosa e zelosa pela grande família humana que formamos.
Beijoinz!!!
Mau
E viva a natureza, "a derramar seu jorro criativo sobre nós"!
Muito bom!
abraço.
Valeu, Nydia...obrigado pela visita, seja sempre bem vinda!!! Que as chuvas de bondade da Natureza ponham fim à dúvida erigida pelos céticos...
Abço,
Mau
businari,
- E é que precisamos - precisam eles os índios - ser ouvidos,
olhados com credulidade. Legal, mesmo.
um abraço, andre.
obrigado, Andre. Tenho certeza de que ninguém além dos próprios índios pode traduzir a tristeza que é ver as matas dando lugar aos edifícios...Que o digam os índios que exigiram o direito de voltar a viver nas areias de Paranapuã, em São Vicente. Por tratar-se de área federal, são impedidos de caçar, plantar ou pescar. Vivem da xepa que coletam nas feiras da cidade ou de doações do Fundo Social de Solidariedade do município...Que o grito preso na garganta dos nossos ancestrais indígenas se transfira para as nossas gargantas, para que se transforme num mantra de luz e amor que revolucione os rumos trilhados pela humanidade!
Abraço,
Mau
Muito bom!
Votadíssimo.
Um abraço mineiro.
obrigado, Ana, pelo voto e pela leitura.
Um abraço caiçara.
Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!