Koellreutter educador – o humano como objetivo da educação musical - de Teca Alencar de Brito, é um livro que ultrapassa a exclusividade de um campo artÃstico para revelar um compromisso com a educação humanista, além de nos surpreender com pensamentos preciosos sobre a arte.
O livro é uma descrição dos estudos de uma educadora musical, Teca Alencar de Brito, com o grande mestre que foi Hans-Joaquim Köellreutter. Um mestre que, desde sua entrada na cena brasileira, nos anos 40 do século XX, modificou parâmetros na formação de nossos artistas e músicos. Uma revolução silenciosa e musical, expandindo-se por diversas regiões desse paÃs, marcando muitas gerações. No seu livro, Teca apresenta suas questões e experiências sobre a educação musical, sempre com recorrências a Koellreutter, além do relato de uma oficina com o mestre, intitulada arte-jogo Fim de feira.
Educadores e artistas envolvidos com a dimensão humanista dos seus ofÃcios, com as questões que ultrapassam as fronteiras das linguagens artÃsticas, podem muito aprender com esse livro de Teca.
O livro apresenta, entre outras coisas, uma preciosidade para os que se envolvem com a formação em arte, que é o conceito de pré-figurativo. O que vem a ser isso? Nas palavras de Koellreutter:
“Ensinar a teoria musical, a harmonia e o contraponto como princÃpios de ordem indispensáveis e absolutos é pós-figurativo. Indicar caminhos para a invenção e a criação e novos princÃpios de ordem é pré-figurativo.
Ensinar o que o aluno pode ler em livros ou enciclopédias é pós-figurativo. Levantar sempre novos problemas e levar o aluno à controvérsia e ao questionamento de tudo o que se ensina é pré-figurativo.
Ensinar a hitória da música com conseqüência de fatos notáveis e obras-primas do passado é pós-figurativo. Ensiná-la interpretando e relacionando as obras-primas com o presente e com o desenvolvimento da sociedade é pós-figurativo.
Ensinar composição fazendo o aluno imitar as formas tradiconais e reproduzir o estilo dos mestres do passado, mas também os dos mestre do presente, é pós-figurativo. Ensinar o aluno a criar novas formas e novos princÃpios de estruturação e forma é pré-figurativo.â€
O pré-figurativo, um termo emprestado das artes plásticas – e nisso Koellreutter nos mostra que não há fronteiras entre linguagens artÃsticas – é aquilo que é posto como anterior à figuração, precedendo-a enquanto momento aberto à investigação e ao estabelecimento de relações internas.
Na figuração, como nos esclarece o músico e aluno de Koellreuter, João Gabriel Fonseca, o artista se preocupa em representar um objeto já dado como tal à percepção. O que significa isso? Significa que a relação entre percepção e representação não se dá através de uma abertura do campo perceptivo, mas sim através de seu fechamento prévio.
O que o mestre Koellreutter propõe é uma caminho anterior à figuração – caminho de abertura do campo perceptivo. A inversão proposta por Koellreutter – buscar o momento da pré-figuração – provoca um grau de atenção maior para as percepções em curso. Penso que pesquisas em arte-educação serão mais potentes, no sentido de tornarem-se mais criativas e livres, se trabalharmos com o pré-figurativo, como propõe Koellreutter.
Quando nos limitamos ao pós-figurativo não só condicionamos o campo da percepção como também limitamos o alcance do conceito de representação. Em termos de uma pedagogia do teatro, isso significa um adestramento do ser humano, um condicionamento do comportamento e não um caminho para descobertas. A prática das artes, seja na formação artÃstica em contextos sociais, bem como nas modalidades profissionais, implica sempre na possibilidade de aprender a fazer refazendo.
É preciso ver que a arte contém uma energética. Assim, quando umacriança quando pega uma argila, ela não pode ser forçada a ir diretamente para a figuração, ela precisa sentir com o seu tônus, com a sua sensorialidade: ela quer pegar, amassar, socar, sentir enfim...
Nessa direção e segundoTeca, Koellreutter recomenda que se dê à s crianças não necessariamente instrumentos musicais, mas todo e qualquer objeto que ressoe. Lembro-me de quando entrei para o antigo primário e ficávamos empunhando os instrumentos da bandinha, numa atitude ordenada, mas sem qualquer apropriação. Ninguém podia fazer ruÃdos. Nunca ocorreu um entusiasmo, um transe, o delÃrio de uma forma sensÃvel tomando a gente.
Ao contrário disso, no pré-figurativo não nos limitarmos ao que é dado e está pronto – mesmo que seja um procedimento aceito e aprovado nos nichos de desenvolvimento histórico das artes. Mesmo nessa trilha historicamente desenvolvida, podemos vivenciar relações e nos permitirmos a isso.
Em nossa ânsia por resultados e numa visão de representações como formas prontas, dentro do universo do que já está dado, não deixamos que as crianças e os adolescentes apropriem-se dos caminhos de criação.
Termino com mais um tópico que me chamou a atenção: os nÃveis de consciência. Koellreutter fala de 04 nÃveis de consciência de espaço e tempo na história da humanidade: nÃvel mágico (evocativo-vital, não métrico), nÃvel pré-racionalista (de 500 a.C. ao século XIV –caráter mÃstico, simultâneo e polifônico), nÃvel racionalista (século XIV a inÃcio do século XX – tempo do relógio, formas selecionadas), nÃvel a-racional (emerge na contemporaneidade – a-métrico, tende a imprecisão, é multidirecional).
Koellreutter mostra, assim, que a arte não pode ser entendida somente na perspectiva racionalista, na qual surge como arte propriamente dita (separada de outros âmbitos da vida), numa visão linear de progresso. Pois, afinal, o nÃvel a-racional recupera muito do nÃvel mágico e pré-racionalista. Koellreutter ainda reitera a necessidade de abertura para as outras culturas, não se limitando a um único ponto de vista.
As preciosidades não terminam por aÃ. A gente vai lendo o livro e fica agradecido a Teca por se realizar com essa pesquisa e divulgá-la, e a Koellreutter, pelos ensinamentos. Ele, que sempre mostrou a que veio, desde a década de 40, quando sacudiu a formação musical brasileira: é preciso continuar pensando e transcriando valores.
A obra:
Koellreutterr educador – o humano como objetivo da educação musical.
Teca Alencar de Brito. Ed. Fundação Peirópolis, 2001, 192pg.
Fala, Garroucho, td bem? Bacana mais um texto sobre educacao no Overmundo. Eh um tema que eh urgente no Brasil. Queria te dar algumas sugestoes:
1. Revisar os espacos entre paragrafos. Parece que um saiu do padrao que vc imprimiu.
2. Revisar os espacos nas infos sobre o livro, no final do texto. Acho que uma linha para cada informacao deixara a leitura mais facil.
3. Esse eh mais delicado e espero nao soar mal, mas sugiro tambem que vc retire os links do seu blog. Nao soa de bom tom para alguns leitores. As pessoas poderao visitar o seu blog se vc o linkar no perfil. Acredite, o Overpovo visita os perfis.
Um abraco.
Roberto,
Obrigado pelas dicas.
Valeu mesmo.
Um abraço
Luiz Carlos Garrocho
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