A obra musical das Lavadeiras de Almenara e do compositor Carlos Farias virou objeto de estudo e continua influenciando outros artistas e estudiosos da cultura popular, em diversas partes do Brasil e do mundo. Vejam o texto abaixo, da autoria da professora Sâmara Rodrigues de Ataíde, publicado, também, no sítio http://www.coraldaslavadeiras.com.br
Rua das pedrinhas e Ai flores do verde pinho: um diálogo possível
(Por Sâmara Rodrigues de Ataíde, mestranda em Literatura Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – e em Ciência da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ)
Embora desmereçam, muitas vezes, a atenção dos especialistas, por serem consideradas em gênero menor, as composições que são ouvidas, contadas, recitadas ou cantadas pelo povo pertencem ao acervo de uma nação.
Se partirmos do pressuposto de que a cultura trovadoresca ainda permanece nos nossos dias, mesmo no Brasil, que não vivenciou a Idade Média, segundo os valores da civilização européia ocidental, podemos considerar o repertório de Carlos Farias e do Coral das Lavadeiras de Almenara como uma transformação e extensão do cancioneiro medieval trovadoresco. Nas cantigas recolhidas pelo pesquisador e folclorista preserva-se a principal característica das cantigas de amigo medievais: o sentimento feminino que exprimem.
Sendo transmitidas ao longo do tempo, de geração em geração, as canções sofreram transformações com supressões e até mesmo adições, mas ainda assim podemos estabelecer similitudes como o ambiente rural descrito nas cantigas, a presença da natureza, a mulher camponesa/lavadeira tendo como confidente um elemento da natureza personificado. A estrutura de diálogo e a utilização do refrão ou estribilho (repetição de versos) e do paralelismo (construção que se repete com pequenas alterações a cada estrofe) são características facilmente percebidas.
Produzidas em épocas diferentes, separadas por séculos, podemos estabelecer alguns elementos aproximativos entre as cantigas a seguir:
“_ Ai, flores do verde pinheiro,/
Se por acaso sabeis novidades do meu amigo,/ Ai, Deus, onde está ele?” (Dom Dinis. Antologia da poesia galego-portuguesa. Porto: Lello & Irmão, 1977.
“Lá na rua das pedrinhas, oi cio
Onde fui fazer minhas “queixa” oi cio
As pedrinhas responderam oi cio
O amor é firme não lhe deixa só” (Informante: Crisolina Guimarães e Lia Lavadeira. Carlos Farias & o canto das lavadeiras . Batukim brasileiro. Estúdio Via Sonora: Belo Horizonte, maio a setembro de 2001).
Nota-se que em ambas as composições temos um eu lírico feminino, ou seja, uma voz de mulher, dialogando com elementos da natureza (o pinheiro na primeira e as pedrinhas na segunda). Estes elementos, maravilhosamente, respondem às suas interlocutoras que o amado/namorado se encontra vivo e com saúde e que, não faltando à sua palavra, estará com a namorada/amiga no prazo combinado.
-Vós perguntais pelo vosso amado?
Eu bem vos digo que ele está vivo e são.
Ai, Deus, onde está ele?
Vós perguntais pelo vosso amado?
Eu bem vos digo que ele está vivo e são.
Ai, Deus, onde está ele? (D. Dinis)
Por baixo da água é lodo oi cio
Por baixo do lodo é peixe oi cio
Meu benzinho fica ciente oi cio
Que por outra eu não lhe deixo oi cio
(Carlos Farias & Coral das Lavadeiras de Almenara)
Ambas as cantigas expressam um sentimento amoroso. A cantiga de amigo trovadoresca medieval (D. Dinis) é uma das mais conhecidas da literatura portuguesa, apresentando uma situação curiosa em que o eu lírico dialoga com um pinheiro solicitando notícias do amigo (namorado ou amante) que a deixou.
A cantiga de roda entoada pelo Coral das lavadeiras, Rua das pedrinhas, retrata a mesma situação, o eu lírico feminino interroga e queixa-se à Rua das pedrinhas quanto à intensidade do amor e, por sua vez, as pedrinhas lhe respondem que não há motivo para lamentações e preocupações, pois “o amor é firme e não lhe deixa só”.
Portanto, nas duas cantigas referidas neste breve ensaio, o eu lírico se dirige a elementos feminilizados da natureza: flores/pedrinhas. Outro aspecto semelhante observado é o fato de que as duas cantigas possuem sua origem na inspiração popular, o que explica sua linguagem fácil, ou seja, menos rebuscada e mais musical, destinando-se ao canto e à dança.
Geralmente mais populares, as cantigas de amigo não se ambientam em palácios e sim em lugares mais simples, como o campo, por exemplo. Mostram freqüentemente, cenas do cotidiano, em que a moça vai lavar roupa, vai a uma romaria ou freqüenta uma festa. Além disso, expressam uma visão mais “realista” do amor, pois é colocado no plano terrestre dos desejos humanos e da sensualidade.
Ao se pensar na valorização do patrimônio cultural e do popular da região do Vale do Jequitinhonha, bem como na sensibilização quanto à preservação dos valores culturais da região a ser pesquisada, torna-se instigante o fato de que um grupo de pessoas submetido a situações tão adversas continue mantendo práticas e modo de viver seculares que nos saltam aos olhos devido a sua singeleza ingênua e bela.
Obs.: Este é um texto adaptado e faz parte de um projeto maior, escrito na ocasião do exame de seleção para o Mestrado em Literatura Portuguesa na UERJ cuja dissertação será apresentada em março de 2009. Como o processo seletivo envolvia, em suas diversas etapas, o julgamento a respeito da pertinência da abordagem e do corpus escolhido, bem como uma entrevista realizada com professores da instituição, a cantiga “Rua das pedrinhas” foi de extrema importância para que pudesse lograr êxito no concurso. Contendo características visivelmente equiparadas às cantigas de amigo medievais, emocionou aqueles que participaram do processo. A aprovação do projeto logrou êxito, tendo conquistado os primeiros lugares dentre as vagas disponíveis. Vale dizer que o interesse de conhecer “mais de perto” Carlos Farias e o Coral das Lavadeiras de Almenara foi manifestado por todos os presentes tocados pelo encantamento provocado pela voz de Dona Crisolina Guimarães em uma interpretação singular.
Saiba mais sobre as lavadeiras nos endereços:
http://www.myspace.com/lavadeirasdealmenara
http://www.myspace.com/carlosfariasmaxakali
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PARABENS, SOU UMA ESTUDIOSA TAMBEM E ACREDITO MUITO NESTAS PESQUISAS, PARABENS, MAIS QUE VOTADO.
Renata Silva · Aracaju, SE 16/4/2008 23:57
Muito bacana o trabalho de resgate dessa tradição cultural. Diferente das lavadeiras, mas com o mesmo valor, temos aqui em Santos um grupo de bordadeiras portuguesas que instalou-se no Morro da Nova Cintra, fugidas da Segunda Guerra. Essas senhoras são representantes de uma arte que está desaparecendo: o bordado da Ilha da Madeira. Porém, diferente do que estão fazendo com as lavadeiras, por aqui ninguém está disposto a ajudar essas velhinhas e sua arte. Não há governos ou ongs interessadas em trabalhos manuais. Para isso, existem estagiárias formadas em Educação Artística que ensinam donas-de-casa de baixa renda a incrementarem sua renda fazendo sabonetes ou casinhas de palitos de fósforos...e as estagiárias cobram baratinho, baratinho...
Abraço!
Mau
Tenho a honra de votar na publicação.Um belo resgate.
Parabéns!
Um trabalho importante que revela o Brasil aos brasileiros.
Alê Barreto · Rio de Janeiro, RJ 18/4/2008 14:53ah...uma pergunta...nao tem como postar a musica em mp3? O arquivo wav nao esta abrindo...e nem fazendo streaming...
businari · São Vicente, SP 18/4/2008 15:08
Oi Maxakali,
Como o businari disse, parece que o arquivo de áudio não está abrindo... Como já passou do período de edição, você poderia postar no Banco, na subcategoria Música, dando o link para esta matéria. Abraço!
Eu vou ler com mais calma para ver se bate com as lavadeiras do meu Gilbués. Um dos últimos lugares da terra onde ainda existem
alguns poucos exemplares,
um abraço,
andre.
Magnífico.
Um belo trabalho, Amigo
Caros amigos, agradeço a vocês pelos votos e os comentários. Atendendo sugestão do Businari e da Helena Aragão, postei a canção Rua das Pedrinhas no formato mp3, no Banco, subcategoria Música. O texto ainda está na fila de edição. Visitem e deixem sugestões. Abraços a todos!
Maxakali · Belo Horizonte, MG 21/4/2008 12:26
As Lavadeiras de Almenara, através do comando de Carlos Farias, são as guardiãs do cancioneiro popular do Vale do Jequitinhonha e referência para todos aqueles que militam na cultura popular.
Abraços Gerais,
Inté, uai!!!
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