Legião Poronga e outras invenções febris

Nattércia Damasceno
Dado e Los Porongas encerraram a Semana do Rock em Rio Branco
1
Fabiana Mesquita · Rio Branco, AC
29/7/2007 · 250 · 14
 

“É liquefeito o passaporte e pela ponte vai a mente a qualquer parte. Escadarias amazônicas a Marte... sempre sem medo que vem como um rio...”

Na primeira vez que ouvi “Ao Cruzeiro”, achei que se tratava de uma viagem de barco de Rio Branco a Cruzeiro do Sul, se é que isso é possível. Dias depois, com um pouquinho de ajuda, entendi que a música falava do Daime. Atribuo o equívoco à minha inabilidade para interpretar poesias. Decodifico bem frases com sujeito-verbo-complemento, composição que torna a vida bem simples, mas desprovida daquela dose especial de encanto que certos versos provocam. Versos que a minha teimosa cabeça leva a rumos totalmente diferentes dos encaminhamentos merecidos. Ainda assim, as rosas, lírios e azaléias que preencheram esses caminhos vieram das composições, sem campo estético definido, de quatro rapazes que encontrei aqui por essas bandas de Galvez.

Los Porongas apareceram para mim há um ano e meio, em um concerto na Concha Acústica de Rio Branco e, depois, numa apresentação como convidados no Festival Universitário da Canção, o mesmo em que foram vencedores em 2003, quando competiram por acharem uma boa oportunidade para gravar a custos mínimos. Mas o ambiente era calmo demais para um show de rock. O público, sentado, cantava as letras poéticas cheias de elementos da região norte enquanto o vocalista declarava o quanto era bom tocar entre amigos.

Pode-se dizer que a banda começou dentro da Universidade Federal do Acre. João Eduardo (guitarra), estudante de Ciências Sociais e Diogo Soares (vocal e letras), estudante de Direito, se uniram a Márcio Magrão (baixo) e Jorge Anzol (bateria), em maio de 2003. Os ensaios eram feitos na universidade e logo no primeiro começaram a compor. A iniciativa de apresentar composições próprias era bastante ousada para a cena musical da época, quando praticamente todas as bandas da capital acreana faziam cover e os donos de bares e casas de show chegavam ao cúmulo de escolher o repertório – se não fizessem cover, não tocavam.

O acaso é mais certo que o sim

Antes da “Los Porongas”, Magrão e Anzol tocaram na “Ponto G” e Diogo fez parte da “Abeas Corpus”, banda que ganhou alguns prêmios em 2002, em um modesto festival, a Festa do Dande, organizado pelo produtor musical Dande Tavares. “Abeas Corpus” chega a soar engraçado e até sugestivo quando ligamos a idéia ao rapaz que escrevia letras de música nas provas de Direito Civil.

Diogo conta que o primeiro cachê da “Los Porongas” foi de 50 reais: “achei massa ser pago pra fazer música!”. Tocaram durante um mês nas “Baladas Quintas”, local em que nomes importantes da música acreana, como Elói de Castro e Álamo Kário, também se apresentavam. Foi numa dessas apresentações que Dande gravou um CD da banda: “o equipamento era péssimo e o som ao vivo saiu muito ruim. Eu achei muito legal ouvir a gente, mas lembro do João quebrando esse CD”, conta Diogo.

Não foi uma época fácil. Como bandas da cena independente não eram muito requisitadas, os caras produziam suas apresentações com dinheiro próprio, para pouquíssima gente, até que um grupo de amigos formados pela ESPM de São Paulo abriu a “Mundo B” - produtora que investia nesse segmento de mercado – que passou a fazer a divulgação da banda. Em pouco tempo, o conceito e diretriz da música jovem no Acre começou a mudar. Bandas que antes faziam cover passaram a tocar canções inéditas e participar de festivais do Circuito Fora do Eixo Rio de Janeiro/São Paulo, que engloba alguns estados da região norte. Los Porongas se apresentaram no Mada (Natal/RN), Bananada (Goiânia), Se Rasgum Rock (Belém/PA), Calango (Cuiabá/MT) e no Varadouro (Rio Branco), que é resultado da iniciativa de artistas, produtores culturais, do selo fonográfico acreano Catraia Records e dos próprios porongas, com patrocínio da iniciativa privada e do governo estadual.

Em 2005, os porongueiros lançaram seu primeiro disco, “Enquanto uns dormem”, pela Catraia Records. O álbum foi considerado o melhor do ano pelo site Senhor F. Em outubro de 2006, o segundo trabalho foi lançado pelo selo Senhor F, com a produção de Phellipe Seabra.

A proa quando apruma voa...

A lamparina num chapéu de latão, usada pelos seringueiros para abrir caminho na mata, também iluminou o trajeto dos rapazes em direção à projeção nacional. O lançamento do segundo CD mostrou que era hora de criar atalhos e mudar para o eixo (o "sul-maravilha", como diz Jorge Anzol). “Viajar de São Paulo para os outros estados sai mais barato do que de Rio Branco para qualquer outro lugar”, disse João Eduardo, “isso faz com que apareçam mais convites para tocarmos por aí”.

Velho comum artifício, partir para subir e depois voltar incita saudade antes mesmo que a imagem desapareça da retina. As canções do show de despedida pareciam imersas na nostalgia do “é melhor assim”, o que não amenizava a inquietação do público que cantava com tanto ardor quanto o vocalista. “Não esperem Faustão, nem um milhão de cópias. Estamos indo apenas para fazer o que gostamos”, disse Diogo, sem pretensão. Mas o trajeto da banda pelos festivais da região norte criou oportunidades que puderam ser executadas com a ida para São Paulo, no final de maio. Mostrar um novo modo de descortinar a identidade do Brasil a partir das influências indígena e nordestina foi o que chamou a atenção de Alex Antunes, jornalista e produtor cultural. Alex foi o curador do show BB Cultural, em são Paulo e responsável pela participação dos porongueiros no evento.

“Lupa no meio da mata, sapiência não ilude, sapo que é Philomedusa bicolor em Hollywood, sim”. Um lego de palavras pronunciadas pela nova estação tropical ousa partir e inverter o verso nas apresentações do projeto Supernovas. Eventualmente a banda toca com Dado Villa-Lobos, que, como Alex Antunes e Pablo Capilé, entendeu bem o processo de construção do novo tempo da música brasileira em que o CD, principal suporte físico que levava o conteúdo musical, praticamente caiu em desuso. Promover a integração das bandas independentes com o público que baixa a música para ouvir e continua pagando para ver e curtir é uma boa sacada para entender os novos rumos do mercado fonográfico.

Sem o atalho intrafegável das grandes gravadoras, Los Porongas conseguem expandir sua música firmando, quase sempre por contatos através da internet, um circuito de apresentações, com bom cachê ou não. A fórmula é tocar o tempo todo e criar letras que são frutos da observação e da intuição. A ordem é ficar bom, não importa se é concreto, parnasiano ou barroco, até. O importante é soar bem e fazer sentido, seja ele qual for, ainda que o sentido seja não ter um sentido aparente.

compartilhe

comentrios feed

+ comentar
Marcos Paulo
 

Muito bom saber notícias dos Los Porongas, Fabiana. Já vi uma apresentação deles aqui, na Festa do Casarão do ano passado. Os caras são bons.

Só fiquei com vontade de saber um pouco mais sobre a tal música inspirada no Daime.

Beijos.

Marcos Paulo · Rio de Janeiro, RJ 26/7/2007 10:33
sua opinio: subir
Fabiana Mesquita
 

Oi, Marcos. Você pode ouvir a música "Ao Cruzeiro" ali em cima. É ótima!
Beijo

Fabiana Mesquita · Rio Branco, AC 26/7/2007 11:34
sua opinio: subir
Chico Mouse
 

É interessante notar a crescente procura por músicas e artistas que buscam valorizar a "regionalização" (se é q posso chamar assim). As pessoas lá fora fazem perguntas e querem saber notícias, enfim, tem um certo interesse que nós, aqui, ainda não temos. Mas quem sabe não será esse o início de tudo?

No mais, parabéns Fabi pelo texto! Tu sabes que eu sou teu fã (ixe, não vai ficar metidão, hein?) hehehe! Abraço

Mouse

Chico Mouse · Rio Branco, AC 27/7/2007 16:45
sua opinio: subir
Nattércia Damasceno
 

Sou fã da banda (e da Fabi também).
Ótimo texto!
"Tudo se percebe quando persegue...Deixe às claras"
Beijos

Nattércia Damasceno · Rio Branco, AC 27/7/2007 20:27
sua opinio: subir
Fabiana Mesquita
 

Mouse, acho que o interesse dos jovens daqui por músicas que valorizam a região é considerável. Um exemplo disso foi o festival universitário de 2004, escute as músicas do CD que saiu dele, parece até que o tema foi estabelecido. Tá bom que nos outros não foi tão intenso, mas para contrapor isso temos Elói, Mendes, Álamo e "...a baixaria do mercado falido..."

Fabiana Mesquita · Rio Branco, AC 27/7/2007 20:40
sua opinio: subir
Fabiana Mesquita
 

Nattércia,
"Deixa eu me explicar sem medo, tão mais cedo quanto for. Assim não preciso impressionar..."

bjo

Fabiana Mesquita · Rio Branco, AC 27/7/2007 20:43
sua opinio: subir
Juliaura
 

Fabiana,
Que bela essa tua apresentação. Informativa e riquíssima de detalhes locais insuspeitos ou renovados pelo teu palavreado.
Faz a gente ficar poronguete já de cara e, de lambuja, ainda se fica conhecendo as estradas da música do norte, de vapor, de caminhão.
Bonito esse retrato feito por ti pros Los Porongas.

Bravo!

Juliaura · Porto Alegre, RS 28/7/2007 15:03
sua opinio: subir
Guilherme Mattoso
 

oi fabiana!
los poronga é um barato e fico muito feliz em saber que as bandas de rio branco estão crescendo! nao vejo a hora de me apresentar com minha banda, o abaixo de zero, na capital acreana! e de quebra, conhecer o canal da maternidade, a gameleira e aquela passarela linda sobre o rio acre!
parabéns pelo texto. bjs,
guilherme.

Guilherme Mattoso · Niterói, RJ 29/7/2007 13:12
sua opinio: subir
Fabiana Mesquita
 

Oi, Juliaura. Bacana saber que já estás poronguete! Toma coragem e dá um pulo aqui, em novembro, para ver o festival da capital com várias bandas do norte! Que acha?

Fabiana Mesquita · Rio Branco, AC 29/7/2007 15:48
sua opinio: subir
Fabiana Mesquita
 

Mattoso, o Varadouro tá chegando (o convite é geral, rs). Será que não dá pra rolar Abaixo de Zero nas tendas daqui, apesar de ser uma banda do eixo? Tem também o café da tarde no mercado velho, a cidade é linda. Bjs

Fabiana Mesquita · Rio Branco, AC 29/7/2007 15:54
sua opinio: subir
Jaqueline Pereira
 

Los Porongas é Prosa-poética... Vi um dos melhores shows da miha vida...

O trabalho no circuito fora do eixo é espetacular...

Jaqueline Pereira · Cuiabá, MT 30/7/2007 02:44
sua opinio: subir
Renato Mendes Rocha
 

No ano passado eu fui ao Bananada (Goiânia) em que "Los Porongas" tocaram. Para mim foi o melhor show do festival.

Renato Mendes Rocha · Goiânia, GO 30/7/2007 10:06
sua opinio: subir
Claudiocareca
 

Os caras mandam muito. Adorei o show deles aqui em Cuiabá no carnaval do ano passado. Pena q tivemos q fechar a Cuiabá Skate Park... É triste lembrar q por ali passarm quase dez mil pessoas e inclusive foi lançado o EP do Vanguart, é...saudade!

Claudiocareca · Cuiabá, MT 1/8/2007 23:20
sua opinio: subir
Geisy Negreiros
 

Fabi, adorei o texto, não escuto muito Los Porongas, mas sei que é uma ótima banda e que tocam muito! Lendo o texto e os fragmentos deu até vontade de conhecer um pouco mais. Você como sempre arrasando nos textos e na riqueza de detalhes. Um grande beijo :*

Geisy Negreiros · Rio Branco, AC 2/8/2007 12:18
sua opinio: subir

Para comentar é preciso estar logado no site. Faa primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.

imagens clique para ampliar

Dado, Pablo, Dande, Alex e Diogo debatem o perfil atual das bandas independentes zoom
Dado, Pablo, Dande, Alex e Diogo debatem o perfil atual das bandas independentes
Não dava pra sair do lugar... zoom
Não dava pra sair do lugar...

udio

Subvertigem

Instale o Flash Player para ver o player.

Como o Sol

Instale o Flash Player para ver o player.

Ao Cruzeiro

Instale o Flash Player para ver o player.

filtro por estado

busca por tag

revista overmundo

Voc conhece a Revista Overmundo? Baixe j no seu iPad ou em formato PDF -- grtis!

+conhea agora

overmixter

feed

No Overmixter voc encontra samples, vocais e remixes em licenas livres. Confira os mais votados, ou envie seu prprio remix!

+conhea o overmixter