Lei Seca vira curta-metragem no Paraná

Sidinei Santos
Uma das exibições do curta-metragem `Lei Seca. Seca pra quem?` no Oca`s Bar
1
CamyGalante · Cascavel, PR
10/5/2007 · 209 · 14
 


Antes só rolava Lei Seca em dias de eleição, tinha estado em que nem era obrigação. Agora numa cidade do Paraná, Lei Seca é todo dia, depois de um tempo, dá aquela agonia, temos que ir embora, o fim chega antes da hora da galera dizer "Sim, vamos cair fora". Hoje paramos e nos perguntamos "e agora?"

O curta-metragem "Lei seca. Seca pra quem?", gravado em Cascavel, no Paraná, traz à tona a polêmica da Lei Seca que entrou em vigor na cidade no dia 8 de março de 2007, que diz que bares e estabelecimentos não enquadrados na lei devem fechar às 0h de segunda à quinta e à uma da manhã de sexta à domingo. O curta vem sido exibido nos estabelecimentos botequícios, aqueles que não se enquadram na lei (aproximadamente 95% dos estabelecimentos que vendem bebida alcoólica na cidade), e tem tido uma boa repercussão entre os freqüentadores desses locais.

O filme mostra depoimentos dos freqüentadores (a maioria está na platéia durante as exibições, o que provoca risos, aplausos e assovios), dos donos dos botecos, de policiais de trânsito, de professores universitários, além de cidadãos simpáticos à lei e do vereador que propôs a tal medida. A televisão, os noticiários, as novelas passaram a fazer parte de nossas vidas como algo natural, mas aparecer na telona as pessoas que convivem com a gente todos os dias é coisa rara de acontecer. Foi nesse sentido que o curta proporcionou não só o questionamento da Lei Seca, mas possibilitou que essas pessoas simples, que enriquecem nosso dia-a-dia, pudessem aparecer e manifestar suas opiniões. A dona do Bar do Catarina, por exemplo, quando encontra as meninas que dirigiram o filme, diz "Tô famosa! Todo mundo chega aqui e diz que tô famosa!" e já pediu uma cópia do DVD pra deixar rodando na TV do bar.

Há também dentro do filme cenas dos bares fechando, botequeiros - os donos - recolhendo cadeiras e os outros botequeiros - os consumidores - sendo gentilmente mandados embora. "Demos muita sorte em encontrar várias pessoas bacanas e dispostas a mostrar a cara e soltar o verbo. Assim, muitas figuras dão seu depoimento no filme. Pra não ficar algo maçante e cansativo, intercalamos as falas mais debochadas com outras mais argumentativas, como as de alguns professores universitários com que tivemos a oportunidade de conversar. Outro fato importante é que a maioria das pessoas que aparecem e as que assistem algum dia já se cruzaram por algum boteco dessa cidade, assim ver as caras conhecidas na telona fica muito mais divertido. Esses dois pontos levam o público a prestar bastante atenção, eles conseguem sair do estado de altas gargalhadas até o dos xingamentos e da indignação. E é obvio que este último se relaciona particularmente com quem é prejudicado pela implantação da lei", comenta Diangela, uma das diretoras do curta, que também aparece em uma das melhores cenas, na qual tenta entrar com VT (Vale Transporte) numa das casas noturnas enquadradas na lei. Óbvio que ela não obteve sucesso na empreitada.

Na última exibição, dia 3 de maio, no Bar do Catarina, combinei com as diretoras do curta, Rita e Diangela, pra conversar sobre a repercussão que o "Lei Seca" tem tido, mas cheguei um pouco antes e tive que esperar. Sentei em uma mesa do lado de fora, tirei meu bloco, uma lapiseira e aproveitei pra tomar notas. Na mesa ao lado, 4 ou 5 senhores conversavam e percebi que minha presença incomodava. Ouvi uns trechos dos quais não pude deixar de rir. Um deles foi "acho que ela é da polícia federal e tá aqui fiscalizando". O garçom foi chamado e veio me perguntar o porquê de eu estar ali escrevendo, o que estava escrevendo. Expliquei que estava ali por causa do curta que iam exibir sobre a Lei Seca e que só estava anotando algumas coisas. Um dos senhores, depois de tudo bem explicadinho, nos mínimos detalhes, fala: "Afinal, boteco também é cultura!" Apoiadíssimo!

Chegadas as diretoras, o filme foi colocado no DVD e ficamos observando a reação das pessoas. Entre uma tacada e outra, os botequeiros-consumidores olhavam a tela e comentavam entre si sobre o que viam. Um senhor se aproximou e começou a conversar com as meninas sobre o absurdo dessa lei. Conversando depois com "Dona Catarina", esposa do dono do bar, fico sabendo que vão conseguir alvará até setembro pra manter o bar aberto até as 3 horas da manhã. Em setembro, nova fiscalização, novos incômodos e burocracias pra conseguir alvará por mais um tempo.

Durante a exibição do curta, tirei algumas fotos do buteco e das pessoas assistindo. Tempinho depois, chega um homem, pergunta pra onde são as fotos, eu respondo. E ele fala "É que é o seguinte, o cara ali é representante, não é da cidade, e é meio chato a mulher dele ver ele no bar". Sei. Depois chega o tal representante e fala "Acho que não é bom você publicar essas fotos aí não". Mesmo eu tendo mostrado as fotos a eles, alegando que estava de longe, que não aparecia a cara de ninguém, tive que deletá-las. Esses aí estão mais preocupados em não serem pegos no flagra pelas mulheres do que com a lei que fecha cedo o bar pra onde eles fogem. Bom, cada um com seus problemas (e eu sem minhas fotos).

Mais tarde, de volta à mesa, pergunto de onde surgiu a idéia do curta e, como era de se esperar, me respondem que foi de uma conversa em mesa de bar: "Certo dia estávamos sossegadas trocando umas idéias com amigos numa mesa de bar, não mais natural do que isso. Mas, quando menos esperávamos, fomos literalmente expulsas do bar, afinal tinha chegado a 1h da manhã e o bar deveria ser fechado com perigo de ser multado caso não fosse. Aí, ficamos nós, perplexos em frente ao estabelecimento botequício sem ter pra onde ir, sem dinheiro e conseqüentemente sem opções de lazer", que já não são muitas na cidade. "Como toda indignação surge de um contato com determinada situação com a qual não concordamos, resolvemos fazer algo. Foi então que surgiu a idéia de fazermos um curta-metragem tentando mostrar o outro lado da Lei Seca implantada em nosso município, esse lado que a grande mídia não mostra e não quer mostrar", fala Diangela.

Mas, pelo jeito, as diretoras do curta são das poucas pessoas que têm consciência de que se deve reclamar e fazer algo a respeito do que está incomodando ao invés de só reclamarem e engolirem as coisas com cerveja. Mesmo que as pessoas não tenham recebido bem a Lei Seca, os hábitos estão mudando, as pessoas estão saindo mais cedo porque sabem que terão de voltar mais cedo pra casa. Quando perguntei se o curta estava surtindo efeito e fazendo com que as pessoas refletissem sobre esta lei, a resposta de Diangela não foi muito animadora: "Sinceramente, não dá pra ter essa idéia. Acho que na hora até bate a frustração e a revolta, mas não necessariamente isso leva a alguma ação concreta. Aí depende de qual posição o sujeito se encontra e seu grau de comprometimento com os acontecimentos ao seu redor. De uma maneira geral diria que as pessoas já estão se acostumando com essa medida imposta por políticos que fazem as leis de cima para baixo e sem consulta popular legítima. A lei seca está num processo de naturalização e se nós não fizermos nada vai ficar do jeito que tá mesmo, como a maioria das outras coisas".

Pois é, infelizmente as pessoas têm essa mania de absorverem as coisas sem questioná-las, fazendo com que o trabalho de uns poucos que tentam agir ao invés de engolir seja abafado pelo conformismo da maioria. Por sorte, ainda existem pessoas que procuram fazer alguma coisa para esclarecer essas estórias mal contadas.

Mas, apesar do esforço das meninas, ainda estamos sendo mandados embora à uma da manhã. É importante esclarecer, principalmente para quem não é de Cascavel, que nos últimos anos a cidade cresceu, e muito. Tornou-se referência médica em todo estado e também virou pólo universitário, recebendo estudantes de todo Brasil. Ocorre que o crescimento das opções de lazer não seguiu no mesmo ritmo, e bar não é apenas sinônimo de bebida, é sinônimo de descontração, de bate-papo com os amigos e espaço de sociabilidade. Mas como quase tudo vem de cima pra baixo, ao invés de implementarem políticas públicas para cultura, fecham-se os bares do tipo "boteco" e quem não tem condições financeiras de pagar os altos preços pelas casas noturnas, fica impedido de se divertir na madrugada. Sem contar o número de famílias que sustentam suas casas com o que arrecadam nos bares. Nesse sentido, parece que desemprego não é uma das causas de aumento da violência. Não há teatros ou cinemas nem expressões da cultura popular. Também não têm mar, e do jeito que as coisas andam, nem nos resta o bar.

*Rita Fagundes, uma das diretoras do curta, colaborou com este texto.

compartilhe

comentários feed

+ comentar
Guilherme Mattoso
 

ótimo texto!

Guilherme Mattoso · Niterói, RJ 8/5/2007 08:23
sua opinião: subir
CamyGalante
 

Obrigada!

CamyGalante · Cascavel, PR 8/5/2007 20:33
sua opinião: subir
Diangela Menegazzi
 

É isso aí, Camy.

ABAIXO A LEI SECA!!

Diangela Menegazzi · Cascavel, PR 10/5/2007 08:55
sua opinião: subir
Dessa
 

Uhuul! mt bom!
\o/
é importante que não fiquemos calados!
vamos continuar pressionando!

Dessa · Cascavel, PR 10/5/2007 09:24
1 pessoa achou útil · sua opinião: subir
CamyGalante
 

Valeu, Dessa!!!
O negócio é como a Di falou, o povo tá se acomodando. Agora que esfriou então, ninguém quer saber se o bar fecha a 1 ou as 3 da manhã. O negócio é continuar incomodando mesmo ;]

CamyGalante · Cascavel, PR 10/5/2007 13:34
sua opinião: subir
Roberto Maxwell
 

Nossa, vc tb se divertiu bastante na materia, hein? Texto excelente e descontraido. Mas, de boa, as meninas nao vao botar esse curta na net pra gente ver, nao?

Roberto Maxwell · Japão , WW 10/5/2007 13:40
1 pessoa achou útil · sua opinião: subir
Rita Fagundes
 

Então galerinha, não temos as malandragens. Se alguém q mora em Cascavel puder fazer essa gentileza, tá na mão.

Rita Fagundes · Aracaju, SE 10/5/2007 13:45
sua opinião: subir
Saulo Frauches
 

Faço coro com o Roberto. Depois de ler o texto é difícil não sair com vontade de conhecer o filme.

Saulo Frauches · Rio de Janeiro, RJ 10/5/2007 15:43
sua opinião: subir
CamyGalante
 

Rita, dá pra pôr no YouTube. O que você acha?

CamyGalante · Cascavel, PR 10/5/2007 21:13
sua opinião: subir
Rita Fagundes
 

Então, mas a mané aqui não sabe converter. Ele tem 17 min e na formatação que está não cabe no youtube... Continuo pedindo SOCORRO!!! risos
Enviamos pros estados que participam do CCE - Circuito Cineclubista de Estréias...

Rita Fagundes · Aracaju, SE 10/5/2007 23:12
sua opinião: subir
Rita Fagundes
 

Nossa que mundo pequeno!!!
Roberto, discuti com vc numa lista de cinema, coisa feia - risos. Depois assisti um filme seu no Felco e curti um monte. Agora nos encontramos no Overmundo...

Rita Fagundes · Aracaju, SE 10/5/2007 23:24
sua opinião: subir
Roberto Maxwell
 

Ah, Rita, serio? Para vc ver que o ditado "de dia a gente briga, de noite a gente se ama" eh bem valido. Adorei sua ideia de filme. Bem, uma ideia, coloque no blip.

www.blip.tv

Esse site nao tem limite do tamanho da postagem (acho). Foi la que eu coloquei o video do Mukeka di Rato que nao coube no YouTube.

Roberto Maxwell · Japão , WW 11/5/2007 00:05
sua opinião: subir
Viktor Chagas
 

Oi, Pessoal,
Só lembrando que o Banco de Cultura aceita arquivos para download direto até 70MB e arquivos maiores para download via torrent também podem ser disponibilizados. Aqui tem um tutorial bem explicativo sobre como fazer isso...

Viktor Chagas · Rio de Janeiro, RJ 11/5/2007 10:12
sua opinião: subir
Roberto Maxwell
 

Pois eh Viktor, mas torrent... Eu mesmo coloquei um dos meus filmes em torrent e nao teve quase compartilhamento. Entao, acho melhor colocar na net q a pessoa assiste a hora que quer, basta estar conectada. Download direto soh interessante quando ha servidor. Se eu servir o tempo todo, acabo gastando energia e/ou muitas vezes desperdicando, ja q quase nao ha compartilhamento.

Roberto Maxwell · Japão , WW 11/5/2007 11:46
sua opinião: subir

Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.

imagens clique para ampliar

As diretoras do curta zoom
As diretoras do curta
Rita e Diangela conversando com um senhor que comentava sobre a lei zoom
Rita e Diangela conversando com um senhor que comentava sobre a lei
No curta, depoimento da professora Liliam Faria contra a lei zoom
No curta, depoimento da professora Liliam Faria contra a lei
Estabelecimendo `botequício` onde o curta foi exibido zoom
Estabelecimendo `botequício` onde o curta foi exibido

filtro por estado

busca por tag

revista overmundo

Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!

+conheça agora

overmixter

feed

No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!

+conheça o overmixter

 

Creative Commons

alguns direitos reservados