Durante a Aula Inaugural da Escola de Comunicação da UFRJ, intitulada “Democracia online e novas mÃdiasâ€, uma garota levanta a mão para fazer uma pergunta ao palestrante Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ). Para introduzir a questão, ela conta que o seriado “Lostâ€, fenômeno de audiência também no Brasil, é transmitido pela televisão norte-americana à s quartas-feiras e, menos de 24 horas após a exibição, já está disponÃvel para ser baixado na Internet, com legenda em português. Por fim, ela pergunta a seguinte pérola:
- Você acha que isso, e também o fato de muitas pessoas hoje em dia estarem baixando programas de TV na Internet, aponta para o fim da televisão?
Aproveitando a ocasião de estarmos na Semana da Inclusão Digital (de 26 a 31 de março), seria bom lembrar a pessoas como essa moça algumas informações alarmantes de nosso paÃs que, provavelmente, responderão à quela pergunta.
Já são de conhecimento público os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de DomicÃlios (Pnad/2005), divulgados pelo IBGE, de que 79% da população brasileira acima de 10 anos não é usuária de Internet, o que equivale a cerca de 120 milhões de pessoas. Ainda, segundo o Comitê Gestor da Internet, 67% da população brasileira nunca utilizou a Internet, e 54%, nem o computador. Esses dados colocam o Brasil na 62a posição no ranking de nÃvel de acesso no mundo, e em 4o lugar na América Latina, atrás de Costa Rica, Guiana Francesa e Uruguai.
Tudo bem, chega de estatÃsticas. Mas elas são pelo menos ilustrativas de que o “fenômeno da Internetâ€, a “democratização da informação†não está acontecendo bem assim como se acredita. Principalmente se prestarmos atenção em outros dados da pesquisa do Pnad, definindo o perfil do usuário brasileiro: jovens entre 15 e 17 anos (33,9%), com uma média de 10 anos de estudo (contra 5 de quem não usa), habitantes da região Sudeste (26,3%) ou Sul (25,6%), com um rendimento domiciliar per capita médio de mil reais. Ou seja, pessoas que já têm acesso à cultura e à informação normalmente – e que tinham mesmo antes da Internet.
Esse perfil também traz uma complementação do assunto da semana passada, a produção de conteúdo online pela própria população. Por um lado, iniciativas como o Overmundo ou o Ohmynews - jornal online com matérias produzidas por qualquer pessoa no mundo - ou mesmo outros sites de produção coletiva de conteúdo podem chegar a ser ferramentas midiáticas revolucionárias; por outro, seus usuários e produtores são as mesmas pessoas que não só já têm acesso à informação via outras mÃdias, como também as controlam. Isso mesmo: quem são os detentores e produtores de conteúdo na TV, no rádio, nos jornais e revistas impressos? As mesmas pessoas que têm mais de 10 anos de estudo, moram no Centro-Sul brasileiro e pertencem à s classes A e B; as mesmas que acessam à Internet e baixam “Lost†e “American Idolâ€; as mesmas que estão lendo essa matéria agora; nós.
E qual seria a solução?
Depois de todas essas graves constatações, resta perguntar: e os outros 120 milhões de brasileiros, onde ficam? Eles não estão fazendo parte dessa “festa da democracia onlineâ€. Estão excluÃdos do controle de qualquer tipo de ferramenta de geração de informação. Eles apontam como principais motivos para essa marginalização, segundo o Pnad, a falta de acesso ao computador, e mesmo a falta de interesse e o fato de não saberem utilizar a Internet, ou seja, falta de conhecimento mesmo. Sem esquecer que mais de 30% das famÃlias brasileiras não tem a menor condição de comprar e manter um computador com Internet.
Então, o que deveria ser feito para que essas pessoas também fossem incluÃdas digitalmente? Bem, o governo e outras entidades, como empresas e ONGs, já estão mexendo alguns pauzinhos no sentido de levar o acesso à s populações desconectadas. Há as iniciativas do Comitê para a Democratização da Informática (CDI), ONG que organiza a Semana da Inclusão Digital, e que possui projetos em andamento como as Escolas de Informática e Cidadania e a reciclagem de peças de informática usadas; da Fundação Oi Futuro, da Oi (projetos Tonomundo e Kabum!, que promovem o acesso à Internet a jovens carentes); e do Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac), programa que visa levar a inclusão digital a populações carentes. Há ainda projetos do Ministério das Comunicações não saÃdos do papel com a aplicação das verbas do atravancado Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust).
Mas não basta só levar computadores e Internet à queles que não têm acesso, pois de nada adiantaria para o objetivo maior da inclusão digital, que é tornar os internautas participantes, e não meros usuários da Internet. Esse processo tem de vir acompanhado de medidas educativas, que não só aproximem a rede da realidade das pessoas como as incentive a ser, também, atuantes nessa nova mÃdia. Cabe aqui citar a fala de Rodrigo Baggio, diretor executivo do CDI, quando ele diz:
- Inclusão digital é mais que computador. É formação de produtores de conteúdo, é fazer com que a tecnologia seja usada como ferramenta cidadã. Por isso, nosso slogan da semana da inclusão digital este ano é “Mais do que computador. Conhecimento que transforma.â€
Só assim, os Overmundos e Ohmynews da vida poderão cumprir seu verdadeiro papel.
E a pergunta?
Bem, respondendo à pergunta do inÃcio, acho que já está claro o ponto aqui: como falar em fim da televisão numa sociedade em que mais da metade das pessoas não pode baixar “Lostâ€, ou qualquer outro programa, mas em que a televisão está presente em mais de 90% dos domicÃlios? E isso, porque estamos falando de Brasil. Ronaldo Lemos ainda tentou responder dizendo que o fato de as pessoas hoje baixarem programas de TV na Internet aponta sim para um fim da televisão como a conhecemos (entende-se que ela terá de se modificar e receber novos atributos para não tornar-se ultrapassada), mas em um longo prazo.
Longo mesmo. Para a infelicidade daqueles que vêem a televisão como um instrumento vil de manipulação e emburrecimento das massas, parece que ela ainda vai nos acompanhar por muito tempo.
Para conferir a programação da Semana da Inclusão Digital acesse: www.cdi.org.br
Gostei do slogan: “Mais do que computador. Conhecimento que transforma".
Boa sorte a todos os que incluem.
abs
Sou professor de História e Sociedade e Cultura, em uma escola pública, e estou iniciando a abordagem do assunto em sala de aula.
Posteriormente escreverei mais detalhes sobre a proposta. Para você ficar por dentro do que faço e do contexto, vale a pena dar uma lida no artigo: "Um jardim de talentos"
Parabens!!! O texto está bem escrito e a discussão é bastante pertinente.
Abraços,
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