Capaz de misturar Luiz Gonzaga, Beatles e Roberto Carlos e fundir com desenvoltura as culturas árabe, ibérica, caribenha e nordestina em sua própria música, ele se autodefine como um “liqüidificador ambulanteâ€.
O personagem é o cantor, compositor, instrumentista, ator e produtor musical cearense Raimundo Fagner Cândido Lopes, nascido em 13 de outubro de 1949, que recentemente concedeu entrevista aberta ao público, dentro do programa Nomes do Nordeste.
Com entrada franca, a entrevista aconteceu no último dia 9 de maio, no cineteatro do Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza, com transmissão simultânea para telões instalados em mais dois auditórios (um no saguão do andar térreo e outro no 3º andar) do CCBNB.
No programa, Raimundo Fagner foi entrevistado pelo pesquisador, colecionador musical, videomaker e radialista Valdo Siqueira, compartilhando a sua história de vida, trajetória artÃstica e canções com 320 pessoas presentes ao Centro Cultural.
Em breve, a entrevista será editada no formato DVD, para posterior teledifusão em TVs públicas, educativas e culturais, e disponibilização gratuita em bibliotecas e instituições de ensino do PaÃs.
Antes de sair o DVD, adianto aos overblogueiros trechos da entrevista de Fagner, com aquele sabor de Melhores Momentos.
Rua Floriano Peixoto, 1779. Fagner começa o bate-papo evocando o endereço onde nasceu, no bairro José Bonifácio, adjacente ao centro de Fortaleza, embora muitos pensem ter ele nascido em Orós, no interior do Ceará: “uma prima, dona de cartório, me registrou como oroense, mas na verdade sou de Fortaleza e cresci nas duas cidades – férias em Orós e estudos em Fortalezaâ€.
Libanês, seu pai chegou a Orós “de cavalo, vendendo tecidosâ€, fugindo das perseguições religiosas em seu paÃs de origem, e casou com sua mãe, viúvo de primeiras núpcias. “Dizem que ele já flertou com a minha mãe em pleno velório da primeira mulher dele; naturalmente, mamãe não gostava nem um pouco dessa históriaâ€, relembra a lenda familiar.
Em Fortaleza, seu pai tinha uma rinha de galo, perto de casa, próxima ao prédio do Batalhão da PolÃcia Militar. “Ainda me lembro andando de velocÃpede nu, pedalando lá de casa para a rinha do meu pai. Certa vez, eu e minhas irmãs soltamos três galos que começaram a brigar entre si e acabaram mortos. Desgostoso, papai fechou a rinhaâ€, recorda-se, arrancando risos da platéia.
Clones do The Who e Woodstock
Desde muito cedo intuiu que ia ser cantor: “meu negócio era música. Com seis anos de idade, eu cantava na PRE 9 – Ceará Rádio Clube, depois ia nos programas de calouros da TV Ceará Canal 2 – já nasci com o verme mesmo. Eu só estudava porque era obrigado a estudar, por isso fui expulso de vários colégios – acho que meu destino já estava traçadoâ€.
Na adolescência, anos 1960, fundou a banda “Os Quemâ€, nome roubado à contemporânea banda de rock inglesa The Who. Na juventude, participou e venceu festivais estaduais de música. Para ilustrar essa época, rascunhou, voz-e-violão, “Luzia do Algodão†(parceria com Marcus Francisco), ganhadora do Festival Aqui no Canto, em 1969.
Nessa época, Fagner freqüentava o centro de convergência social e cultural que ebulia em torno da faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC) – segundo ele, o melhor ambiente de Fortaleza. “Era o melhor, porque ali a gente tinha liberdade total, era uma festa. Ali a gente ouvia discos, mostrava as canções novas, conversava sobre música, dormia fora de casa, namorava as meninas... ali era o nosso Woodstockâ€, revela com expressão marota, fazendo referência ao maior festival da era hippie, que reuniu 500 mil jovens, de 15 a 17 de agosto de 1969, em Bethel, Nova Iorque, EUA.
O choro de um Rei
Muda-se para BrasÃlia e, cursando Arquitetura, conquista o primeiro lugar em festival universitário com “Mucuripe†(parceria com Belchior). Abandona a cidade e o curso, e segue para o Rio de Janeiro. “Mucuripeâ€, esse talismã, de cara é logo gravada por grandes intérpretes – primeiramente por Elis Regina, em 1972, e depois por Roberto Carlos, em 1975.
“‘Mucuripe’ é a razão de eu existir profissionalmente até hoje. Elis Regina foi quem abriu as portas para mim. E Roberto Carlos, quando me chamou para um canto e disse ‘bicho, me mostra ‘Mucuripe’’, eu cantei e ele simplesmente chorou – e gravou! Foi uma das maiores emoções da minha vida, ver o Rei, meu Ãdolo, se sensibilizar tanto ao ouvir uma música minhaâ€, atesta.
Fagner também ficou conhecido como uma espécie de herdeiro musical de outro monarca da música brasileira – o Rei do Baião, Luiz Gonzaga. Foi o único artista a gravar dois discos em dueto com Gonzagão: “realmente minha relação com ele era de pai e filho, era maravilhosoâ€.
Com Gonzagão fez chover
Dois shows com Gonzagão deixaram marcas indeléveis na memória profissional e afetiva do cantor cearense: “os momentos mais incrÃveis com ele foram um show em Natal, para arrecadar recursos para os flagelados da Seca. Fazia muito tempo que não chovia. Quando entramos no palco cantando “Súplica Cearense†(Oh Deus, perdoe este pobre coitado / que de joelhos rezou um bocado / pedindo pra chuva cair sem parar), começou a chover. Era um estádio inteiro, com 50 mil pessoas, todo mundo chorando de emoção e alÃvio pela volta da chuva; o outro foi também no Rio Grande do Norte, em Pau dos Ferros, uma cidade com apenas 18 mil habitantes à época, mas na platéia tinha 50 mil. Do palco dava pra ver um monte de caminhões, carretas e ônibus chegando, só trazendo aquele mar de gente – isso na hora do pôr-do-sol, uma das imagens mais lindas da minha vidaâ€.
Aproveita para salientar outro orgulho profissional, resultado do seu espÃrito gregário e do fato de se relacionar bem com as diferenças, sem preconceitos musicais: “nenhum outro cantor gravou em dueto mais do que eu. Gravei com todo mundo: desde Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Cauby Peixoto, Agnaldo Timóteo, Amado Batista, Ângela Maria e Lucho Gatica, até Seu Jorge, Cazuza, Zeca Baleiro, Nara Leão, Chico Buarque e todo o pessoal do Nordesteâ€.
Ética do artista viajante
Para cada disco, recebe mais de mil canções para ouvir, provenientes de autores com esperança de serem gravados por ele. “Por causa disso, disponho em casa de um mapeamento da maioria dos poetas amadores e anônimos desse PaÃs, compositores desconhecidos que vivem em lugares de que nunca tinha ouvido falar; ouço todas essas músicas, e se me identificar com a linguagem da canção, gravo mesmoâ€, afirma Fagner, que já gravou “Muito Amorâ€, de São Beto, e “Certezaâ€, de Domervil. Alguém conhece esses dois?
A determinação de cumprir uma exaustiva agenda de shows, que se espraiam desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul, conduziu Fagner à construção de um código de ética na relação humana e profissional com os músicos de sua banda e a equipe técnica que o acompanham nas viagens Brasil afora: “gosto de trabalhar com gente talentosa, claro, mas também com bom caráter, honesta, leve e bem-educada. Às vezes, estamos nos interiores por aÃ, e é preciso saber exercitar a paciência e até mesmo o bom-humor nas longas esperas nos aeroportos, e também saber tratar bem os funcionários de um hotel ou pousada mais simples, onde há menos conforto mas, em compensação, há mais carinho e atenção no atendimentoâ€, declara.
Opção pelo simples prazer de viver
Refletindo sobre os sentidos da profissão e da relação com o público, ele ressalta: “o que move o artista é o olhar que vem de lá pra cá, da platéia pra gente no palco, o que o público transmite, aquela energia que vem da platéiaâ€.
O retorno a Fortaleza, depois de morar 20 anos no Rio de Janeiro, também faz parte dessa reflexão. “Torna-se sufocante aquela correria, o entra-e-sai de rádio, televisão e gravadora para produzir e divulgar a nossa música – a gente acaba vivendo só para trabalhar. Chegou a um ponto em que eu queria estar no meu lugar, perto da famÃlia e dos amigos, e fazer coisas simples mas prazerosas, como falar besteira, contar piada, tomar um porre, curtir uma farra até de manhã – e utilizar a mÃdia só quando for realmente necessário e não atrapalhe esse prazer simples que é viverâ€, delimita.
OIá Luciano. Teu texto está tão bom, emociona essa parte do "fazer chover" depois de tanto tempo de seca... fiquei imaginando a cena. Uma dica: você podia usar negrito para dividir os tópicos e facilitar a leitura dentro do texto. Que acha? Fica a dica. Abs.
Mariana Reis · Olinda, PE 20/10/2006 11:02
Valeu, Mariana, obrigado.
Ampliei a sua sugestão, e além de alguns negritos, inseri alguns itálicos.
Um abraço cearense,
lembro de Fagner tocando com Robertinho do Recife no Teatro de Arena aqui do Rio, anos 70: eram shows totalmente psicodélicos-nordestinos...
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 20/10/2006 15:06Fico pensando na quantidade fita que o cara tem de autores desconhecidos. Depois penso no que a Maria Rita tem, que a Marisa Monte tem ... devia poder postar tudo por aqui.
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 20/10/2006 19:26Ah, te aconselho também a postar uma das fotos "extras" como foto principal. Não seria melhor?
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 20/10/2006 19:30
Thiago,
não sei como determinar para que uma foto seja a principal. Como é que faz?
É só escolher, entre as fotos que vc postou na parte "extra", aquela que mais lhe agrada. Depois, clica no lapisinho de edição e vai na parte "imagem". É só postar o arquivo da foto nessa parte. Entendeu?
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 20/10/2006 20:28Valeu, Thiago, já postei a foto principal. Tá lá grandona.
Luciano Sá · Fortaleza, CE 20/10/2006 20:34Nehuma menção à rivalidade Fagner-Caetano, reacendida recentemente em entrevista de Caetano?
Gyothobat · BrasÃlia, DF 22/10/2006 23:23
Fagner traz a marca do agreste na voz. Um não-sei-quê de solidão...
É uma pena que quis se enveredar por caminhos mais comerciais ultimamente........
Fagner é excelente...ouço desde criança por causa do meu pai. Gostei da matéria. Abraço.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 21/2/2008 15:39Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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