A arte de produzir e publicar livros mostra o quanto estamos distantes e próximos dos nossos vizinhos latino-americanos. Distantes por todas as caracterÃsticas que singularizam o Brasil dentro do continente – as dificuldades de distribuição neste território extenso, a diferença da lÃngua que complica o diálogo com os outros paÃses, a falta de tradição de leitura. Próximos em muitas das dificuldades – como a voracidade das grandes editoras, o impacto da presença de conglomerados internacionais e nos percalços das editoras independentes em todos os aspectos. Estes foram os assuntos inevitáveis da mesa "Produção editorial na América Latina", uma das que compuseram a quinta edição do evento Editor em Ação, promovido pelo curso de Produção Editorial da Escola de Comunicação da UFRJ. Três representantes de editoras independentes dividiram a mesa com o mediador Paulo Roberto Pires (professor da faculdade, editor da Ediouro e blogueiro) e contaram particularidades dos mercados de seus paÃses: o argentino Damián Tambarovisky, da Interzona Editorial, o colombiano Gustavo Mauricio GarcÃa Arenas, da Icono Editorial, e Paulo Werneck, da brasileira Cosac Naify.
Argentina – estratégia de guerrilha
Tambarovisky começou os trabalhos mostrando aquela verve argentina que junta doses de pessimismo, ironia e retórica envolvente. Segundo ele, perguntar sobre a situação do mercado editorial argentino significa ouvir quase sempre que no passado as coisas eram melhores. "Este é quase um mito fundador da Argentina. Dá vontade de perguntar de que passado eles estão falando. Do Peronismo?", pergunta, arrancando alguns risinhos da platéia. Assim, ele parte da situação do mercado editorial dos anos 90 para contar como as editoras independentes conseguiram encontrar espaço para se consolidar. A última década do século 20 teve o impacto da polÃtica de Carlos Menem, com ênfase na privatização de empresas e no binômio baixa exportação/alta importação causado pela paridade peso/dólar. É o momento em que as editoras espanholas entram com força no mercado argentino. "Isto traz uma série de problemas, a começar pela lÃngua. Não nos reconhecÃamos no espanhol da Espanha", explica o editor.
AÃ, a Argentina teria visto editoras entrarem numa lógica empresarial que incluÃa gerências de marketing, criação de prêmios literários e uma certa padronização de literatura de mercado. E a coisa funcionaria assim até a crise se instalar em 2001. Com a desvalorização da moeda (1 dólar = 4 pesos), novos elementos vêm à cena. Pequenas editoras independentes surgem mirando num mercado de literatura questionadora e ousada. Com a dificuldade de importação, produção local passa a ser uma opção, tanto na literatura quanto no cinema. Neste perÃodo, surgem pelo menos 20 editoras que imprimem novo dinamismo no mercado. "O grande mercado é como um exército que marcha numa direção clara. Os independentes procuram nichos, fazem uma verdadeira estratégia de guerrilha, E usam táticas de divulgação alternativas via internet, já que não há dinheiro para publicidade", compara ele.
O perÃodo teria sido fundamental para refinar um gosto literário argentino para além das imposições do grande mercado. Mas nem tudo são flores. Com o aumento da inflação, este final de década está sendo duro para as editoras independentes no paÃs. A própria Interzona já teria recebido ofertas de duas editoras grandes e vai sobrevivendo como pode.
Colômbia – independentes unidas jamais serão invisÃveis
Gustavo Arenas pintou um quadro tão preocupante da situação colombiana quanto de seu hermano argentino. Em comum, a implacável presença das grandes editoras espanholas, para as quais ele acrescenta um novo problema à questão da tradução apontada por Tambarovisky: "Uma editora espanhola nunca vai se preocupar com as particularidades de um paÃs latino-americano", ressaltou. Mas lá a situação seria um pouco mais complicada, a ponto de praticamente nenhuma editora independente conseguir sobreviver sem combinar a produção de livros com outras atividades, como edição de revistas e obras pagas. Por isso, reforçou a necessidade de haver independência de conteúdo além de financeira.
O sinal vermelho viria piscar com mais força numa inusitada situação ocorrida em 2007. Escolhida como paÃs convidado da Feira Internacional do Livro de Guadalajara (México), a Colômbia deveria mandar representantes de suas editoras. Aà ficou claro que o governo praticamente ignorava a existência das pequenas. "Já sentÃamos que o governo não nos considerava oficialmente, tanto que só fazia compras de editoras grandes." Mas esta situação da feira foi grave, porque eles deixaram isso claro de maneira oficial.
Brasil – superprodução para poucos leitores
Foi muito bom ver a fala de Paulo Werneck sobre a Cosac Naify e o mercado brasileiro. Mas achei que de certa forma esta participação destoou um pouquinho do resto da composição da mesa, pelo fato de a Cosac ter uma trajetória diferente, baseada inicialmente no investimento de dois mecenas de famÃlias de origem árabe. O próprio Paulo falou do estranhamento que a Cosac causa quando está entre as independentes, ao mesmo tempo que não se encaixa no perfil das grandes.
Esta particularidade fez com que a editora pudesse escolher caminhos mais ousados, completamente diferentes da tendência de mercado. A opção por um foco editorial em livros de arte, em livros infantis diferenciados e em uma qualidade editorial primorosa, com capas duras, muitas vezes sem o logotipo de editora. Graças a caracterÃsticas como essas, a casa teria ganhado o reconhecimento de um público fiel e hoje seria auto-sustentável. "A Cosac é um 'anti-case' de marketing. Fomos os primeiros a tirar o logotipo da capa dos livros. Até hoje tem gente que não sabe escrever o nome da editora", comenta.
De fato, a situação da editora se diferencia totalmente do que se vê por aqui. Existem alguns estereótipos bastante negativos sobre a realidade editorial brasileira – como a suposição de que há mais editoras que leitores, ou menos livrarias por todo o paÃs do que a quantidade existente só em Buenos Aires. Mas uma informação foi dada como certa por Paulo: é um mercado onde chama atenção a crise de superprodução de livros. "De 5 a 10% deles não são absorvidos pelo mercado. Voltam das livrarias para serem picotados ou vendidos nos saldões."
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Além dos pontos em comum já visÃveis a partir dos relatos dos três editores, dá para perceber um certo desconhecimento geral em relação à realidade dos outros paÃses representados na mesa, ainda que algumas das empresas dediquem coleções para obras latino-americanas. Mas houve um aspecto interessante comentado em relação à popularidade das obras brasileiras na Colômbia e na Argentina. O editor colombiano Gustavo Arenas comentou que tem lembranças do Brasil como referência cultural nos anos 70, fosse pela música ou pela poesia. Hoje, praticamente não se sabe das produções nacionais por lá.
Na Argentina, por sua vez, a situação é inversa. Segundo Tambarovisky, a crise os faz olhar para o vizinho gigante com expectativa. A ponto de os cursos de português (do Brasil, é bom reforçar) estarem apinhados de jovens. É um bom começo para a tão sonhada integração latino-americana – que, num mundo ideal, pode e deve passar pela literatura.
Bela matéria, Helena.
Com um tom jornalÃstico irrepreensÃvel.
É interessante o mercado editorial brasileiro. Há muitas editoras alternativas que dizem querer promover novos talentos. Há algum tempo enviei uma consulta a uma delas, do Rio de Janeiro, e recebi a resposta desanimadora de que não estavam recebendo originais.
Não procuram tanto descobrir novos talentos.
Deveriam ao menos receber os originais e averiguar. Vai que entre tantos que poderiam mandar sua produção surge alguém realmente interessante. Que descoberta não seria, hein?
Acredito que o desânimo do mercado consumidor as faz desanimarem também.
absc
Outro dia liguei para Andre Carvalho, perguntando como mandar uns trabalhos para exame de sua editora. Respondeu me que milhares estavam nesta situacao... Demanda maior que a procura... o preco cai, no caso, o livro nao sai! Agora se a gente bancar o dito cujo, e' outro caso! Descobrir novos talentos, parece que nao querem mesmo...
victorvapf · Belo Horizonte, MG 8/11/2008 20:53Nos livros, nas editoras e na música - como gravadoras -, só o apadrinhamento serve para produzir.
Higor Assis · São Paulo, SP 10/11/2008 10:54
Você toca num ponto que sempre me deixou pasmo: essa estúpida rejeição que a maioria dos leitores brasileiros tem por seus vizinhos escritores. Conhecemos Borges e uns tantos argentinos, Galeano mais um ou dois uruguaios. Quem mais? Quem souber o nome de um escritor equatorino põe o dedo aqui!
Em segundo lugar, a questão da publicação. Mais do que publicação: a distribuição dos livros editados no Brasil. Acho que poderÃamos pensar numa discussão mais ampla, ao ensejo de algum congresso, talvez patrocinado pelo Overmundo.
A distância que o Brasil estabelece culturalmente do resto da latino-américa me assustou desde que cheguei ao Brasil e descobri que chamavam os Estado-unidenses de americanos. Então eu com 9 anos de idade sempre me perguntava: "mas eles não sabem que são americanos também?"
De fato, a cultura é sempre o ponto fraco nas crises. E pouca gente se dá conta.
Adorei seu texto.
bjs
HELENA,
Fantástico seu texto!
Morei oito anos na Europa,
Voltei à menos,de dois
E constato a dura realidade do BRASIL,
Publicação e divulgação,principalmente
Para os menos conhecidos,é uma longa caminhada...
E muitas vxz sem "final feliz"
Por tudo isso, acredito ser o OVERMUNDO, o maior
SITE de cultura do nosso PaÃs!
Meus amigos de Portugal,tecem mts elogios.
PARABÉNS,
Matéria dÃgna de louvor!
Abraços,
BOM FINAL DE SEMANA.
Helena,
Que bom lhe ler novamente! Ontem lembrei que fazia tempo, não encontrava um post seu por aqui.
Por úlltimo, quando estiva há poucos anos na bienal do livro do Recife, achei bastante interessante uma iniciativa do governo Chávez da Venezuela em favorecer o acesso a obras literárias, através de preços bem módicos, inclusive obras brasileiras (casa grande e senzala é um dos titulos, salvo engano).
No governo FHC foi distribuÃdo livros e dicionários gratuitamente para estudantes das 4ª e 8ª séries.
Ouvi dizer que algo semelhante ao que escrevi acima, está sendo cogitado pelo atual governo federal.
Espero que não demore muito.
Abraço,
Valeu, Zezito! Na verdade este texto é antigo, mas foi bom ver teu comentário e reler com os olhos de hoje. Pelo visto os problemas não mudaram, apesar de algumas boas iniciativas, claro. Abraço!
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 13/5/2011 10:38Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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