“Opinião pública só existe em lugarejos. Nas capitais desaparece substituÃda pela opinião que se publicaâ€. Foram essas duas frases que me prenderam quando eu comecei a ler “Mundo da Lua e Miscelânea†(editora brasiliense), livro do Monteiro Lobato que eu adquiri por R$ 5 em um sebo em Blumenau (SC). Estava ali uma das grandes verdades de Lobato sobre a imprensa do seu (nosso) tempo.
Nascido em Taubaté, interior de São Paulo, esquecido propositalmente pelo regime militar, ler Lobato traz um certo alÃvio, neste mundo de tantas “meias verdadesâ€, publicadas por aà como se representassem a opinião da maioria. A maioria, claro, nem sempre é ouvida. Engraçado é que me dei conta só agora da importância de ler esse autor, e foi quase por acaso, depois de ouvir rapidamente sobre seu nacionalismo.
O Mundo da Lua foi escrito em 1923, mas bem podia ter sido escrito ontem, tamanha sua atualidade. No prefácio, diz que Lobato o escreveu como uma espécie de diário, durante sua juventude, quando ele vivia mesmo no mundo da lua. Integrou-o com Miscelânea depois, referindo-se a alguns extras, quando tentou retomar essa história de fazer um diário, já mais velho, em 1946. Para quem não conhece, trata-se de uma coletânea de textos do Lobato para adultos, em que ele divaga sobre o Brasil e sobre o mundo. Em algum momento, você vai reparar que ele divaga também sobre você, tua casa, tua cidade...enfim, teu “mundo particularâ€. Depois da leitura, fiquei intrigada querendo saber o que será que Lobato diria sobre o mundo de hoje.
Em “moeda regressivaâ€, um dos textos que compõem o livro, acho que estão algumas dicas. Para Lobato, “há dois capitalismos, um que decorre naturalmente da existência da moeda e outro que decorre da manipulação da moeda (...) O segundo parece que é o grande mal, já que o vemos no fundo do armamentismo, da guerra preconizada como grande remédio, da usura, dos imperialismos, da subordinação das indústrias à s finanças, do prodigioso endividamento dos paÃses que hipotecam até a alma das gerações que só virão daqui a séculosâ€.
Em plena década de 40, Lobato parecia mesmo era estar discutindo o nosso mundo moderno. Na Miscelânea “Primeiro amorâ€, por exemplo, em que fala dos selos da Nicarágua, um dos mais belos selos do mundo, faz um importante relato do seu (nosso) tempo sobre o comportamento dos Estados Unidos em relação a essa “outra Américaâ€: “Tio Sam é expedito. Sabe como se lida com aqueles desordeiros do istmo. Arma uma facção polÃtica contra outra, bombardeia com os sacos de dólares, improvisa governos e, a sorrir como Gulliver em Lilliput, realiza a coisa dentro das mais rigorosas fórmulas constitucionaisâ€.
Lobato também mostra que era melhor inclusive que muito economista que hoje “pensa†o Brasil. Em “Pelo triângulo mineiroâ€, ele faz uma reflexão sobre polÃticas regionais de desenvolvimento. “Só o transporte suprime o regionalismo e, portanto, só o transporte nacionalizaâ€. Sim, Lobato estava nos anos 40 discutindo a infra-estrutura brasileira....O que diria Lobato sobre o nosso Plano de Aceleração do Crescimento?
Para concluir, e para o leitor não ficar cansado, vale a leitura de “Pearl Harbourâ€, outra Miscelânea, em que Lobato vai contar sua aflição pela falta de notÃcias sobre o ataque dos japoneses no Hawai. Ali, vai fazer uma colocação atualÃssima: “A informação dos jornais é deficientÃssima, porque sempre tendenciosaâ€.
Ah, só pra constar, Lobato citou por mais de uma vez H G Wells, chamando-o de profeta, “o novo Nostradamusâ€. Mas não seria Lobato também um profeta? Ou é o mundo mesmo que se apresenta como uma grande repetição do passado?
Em tempo, este livro que comprei é da 11ª edição, de 1964. Em livrarias, quase não achei exemplares para vender, só mesmo em uma: www.saraiva.com.br. Ainda bem!
Legal. Fiquei com vontade de ler. Tenho a coleção completa de livros infantis dele.
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 16/3/2007 18:37É impressionante o papel de Monteiro Lobato na formação de leitores de uma geração (ou duas?)...
Egeu Laus · Rio de Janeiro, RJ 17/3/2007 00:35
Vanessa, você não citou, mas imagino que esta coletânea de textos do Lobato deve ter algum comentário dele sobre a polÃtica energética brasileira (leia-se petróleo) e seria interessante voltar a esse nacionalismo prafrentex do Lobato mirando agora a promessa de biodiesel. Paranbéns pela lembrança. Lobato é sempre fundamental, tanto pelo literato quanto pelo lúcido pensador brasileiro que também foi.
abraço,
EW
Oi, Edson
importante sua lembrança. Lobato faz comentários sobre o petróleo em diversos livros, mas neste em especial, há coisas mais "sutis" sobre o petróleo e riqueza da terra, e que não ganharam um texto em particular. Mas na tentativa de satisfazê-lo, segue um trecho encontrado em "O Subsolo": "Uma rápida vista d´olhos pelo mundo só nos mostra riqueza e poder nos povos que industrializam o subsolo, dele tirando a hulha, o ferro, o petróleo e todas as mais riquesas entesouradas. Os que se limitam a arranhar a superfÃcie por meio da agricultura, esses jamais serão estrelas de primeira grandeza, jamais serão poderosos, jamais passarão de satélites inermes. Até aqui vivemos como os demais bichos da terra, a explorar umas tantas plantinhas que crescem na superfÃcie - a cana, o cacau, o café, o fumo etc - produtinhos coloniais. Temos de mudar de polÃtica. Fazer o que os Estados Unidos fizeram. Arrancar do seio da terra o ferro e transformá-lo em mil máquinas que nos aumentem a eficiência dos músculos (..)". Abs, Vanessa
Egeu,
tenho dúvidas se a minha geração - nascida nos anos 80 ou quase nos anos 80 - teve de fato contato com o Lobato. Infelizmente, acho que muitos não tiveram a oportunidade dessa experiência ou puderam minimamente sair do básico como a EmÃlia... Lobato, que eu mesma estou melhor conhecendo só agora, me parece muito mais que isso (sem querer desconsiderar a genialidade dos personagens infantis...). Abs,
Escondem Lobato.
O vermelho de Lobato é Monteiro,
Do Chapeuzinho é um lobo matreiro.
Uma grande frustração que tenho é não ter lido Monteiro Lobato na infância (anos 80). Hoje leio Lobato para atultos e crianças, por que não?!
Fabiana Mesquita · Rio Branco, AC 19/3/2007 13:06Muito bom Vanessa! Legal revelar os "lados não lembrados" dos autores! Abração!
Gugapa · Florianópolis, SC 19/3/2007 20:38
Vanessa.
Fui muito cedo para morar em Taubaté eu nasci na década de 80 e naquela época ainda podiamos respirar "ares" de Monteiro Lobato, isso só no interior e pouco mais por causa do sÃtio do pica-pau amarelo.
Muito bacana seu texto, parabéns.
Texto bonito e sensÃvel. Você é jovem e pensa bem nas questões que, desde sempre, abalam o presente e desestruturam o futuro de várias gerações. Parabéns.
Manoel Moreno · Rio de Janeiro, RJ 22/3/2007 11:52É legal quando a gente se reencontra com essas coisas... Texto bacana e esclarecedor...muito bom.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 22/3/2007 13:07O Overmundo têm também um blog sobre livros do Fábio Fernandes, aqui.
Egeu Laus · Rio de Janeiro, RJ 22/3/2007 13:27
Vanessa, saudações!
Parabéns pela abordagem acerca da atualidade da palavra de Monteiro Lobato. Esse é um tema candente nas pesquisas. Dá uma olhada em http://www.overmundo.com.br/banco/monteiro-lobato-o-folclorista
Valeu!
Olá Vanessa
Quando moleque tive em mãos toda a coleção infantil de Lobato, incluindo as traduções e adaptações. Ao saborear aquelas aventuras, me transportava para o melhor dos mundos: o da fantasia!
Transferi esse patrimônio para meus filhos.
Sempre tive curiosidade de ler a obra adulta. Seu belo texto veio aguçar ainda mais minha curiosidade.
Parabéns!!!
"aprendi" a ler com Lobato.
é bom lembrar dele.
publiquei este texto aqui:
http://www.overmundo.com.br/banco/caipira-hoje
que é uma declaração de amor às contradições da obra de Monteiro Lobato
Seu texto é um convite à leitura feliz e oportuno, porque certas lembranças sempre se fazem necessárias.
Diria ele que um paÃs se faz com homens e livros. Talvez fosse imodesto mas sintetizaria melhor se dissesse que um paÃs se faz com Monteiros Lobatos. Como qualquer ser humano, teve seus acertos e desacertos. Mas acredito que seu legado foi bem maior, e na verdade nós é que somos seus devedores, de algum modo. Devedores naquilo que conhecemos e devedores daquilo que dele desconhecemos.
Descubramos Monteiro Lobato! E Carpe Diem.
Fiquei interessada em ler. Minhas experiências de Lobato são infantis e - olhe só - resultantes da tv, mais especificamente da antiga adaptação do sÃtio. Acho que fazia 3ª série do ensino fundamental e o episódio do minotauro me fez descobrir um exemplar na biblioteca da escola. A resposta da professora quendo pedi emprestado o livro: - é muito grosso e você não vai conseguir ler.
Sorte que sou teimosa e insisti. Mas isso é somente pra exemplificar a dificuldade que professores infantis têm de lidar com a leitura como prazer. E por obrigação, tudo se torna mais difÃcil e descobrir o universo de um autor, inclusive para além das suas obras mais famosas.
“Opinião pública só existe em lugarejos. Nas capitais desaparece substituÃda pela opinião que se publicaâ€
Nada mais atual que esta declaração de monteiro lobato, principalmente na parte em que ele diz ‘opinião que se publica’ impressionante como isso e atual principalmente aqui para meu estado. Em nosso paÃs, temos dois brasis, o Brasil real e o Brasil virtual.
O Brasil real é aquele que sentimos todos os dias, das favelas, da violência, do caos na saúde pública, da corrupção desenfreada, da politicagem. O Brasil virtual é aquele que está somente na cabeça dos polÃticos, principalmente na cabeça do Lula, onde ele vê tudo cor-de-rosa, onde tudo está indo bem, onde o brasileiro nunca esteve tão bem.
Impressionante como Lobato era atual mesmo, já no inÃcio do século passado, agora temos que considerar que o mundo é uma bola, onde tudo vai dar sempre no mesmo lugar.
Aqui no meu estado, temos a opinião que se publica, pois, o governo domina toda a mÃdia, publicando o que quer e só o que quer.
Muito bacana, parabens!!!
Vote em nossa iniciativa: a criação da Primeira Biblioteca Comunitária Especializada em Cultura afr-brasileira e Africana no Subúrbio de Salvador - Bahia.
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