O ENCONTRO COM QUEM “VIU†O LOBISOMEM BEM DE PERTO
Não adianta. Eu vou em busca da história. Vou pelo faro, pela intuição, pela sorte. Vou pelo o que for. E sempre é.
Cheguei ao CAPS – Centro de Assistência Psicossocial - na hora da refeição dos pacientes. O meu almoço, apesar da fome, poderia esperar. No caminho, telefonei (viva o celular!) para Bruno Caputo - aluno, amigo e aficcionado pelo audiovisual. Convidei-o para fazer um vÃdeo incrÃvel. Deu certo. Bruno topou na hora filmar Benevides. Não sabia da história nem do que se tratava. Mas Bruno Caputo também percebe quando algo de bom está para acontecer. Encontramos, na recepção, o Benevides que já havia sido avisado sobre a nossa visita inesperada: já estava pronto para a entrevista. Tudo que eu queria saber sobre o filme de Reginaldo Faria rodado aqui em Cordeiro, interior fluminense, no ano de 1974, estava sentado diante de mim. Sorriso fácil e gargalhadas fartas e sonoras. Aprontamos os apetrechos para filmar. O pequeno refletor se acendeu e um brilho instantâneo tomou os olhos de Benevides. Ele se lembrou que já havia flertado com o cinema há muito tempo como figurante e faz-tudo no longa "Quem tem medo de Lobisomem?".
Bruno então entendeu por que estava lá. O brilho nos seus olhos era também notável.
O filme de Reginaldo Faria teve cenas rodadas em algumas fazendas centenárias da nossa cidade. Foram locações feitas na Fazenda Bonsucesso, Santa Clara e Sobrado. E, já naquela época, houve aproveitamento de pessoas da região, mesmo que timidamente, fazendo "figurino", que quer dizer figurante na linguagem de Benevides.
A atriz Fátima Freire relata que: "Quem tem medo do lobisomem? foi meu primeiro filme. Foi filmado em 1974 pela produtora R F Farias e com direção de Reginaldo Faria. Era um roteiro superinteressante, misturando ficção, suspense, comédia, romance e muita ação. Fizemos o filme durante 2 meses numa fazenda em Cordeiro, interior do estado do Rio. Foi uma experiência maravilhosa! Estavam no elenco Reginaldo Farias, Stepan Nercessian, Camila Amado, Neuza Amaral, Carlos Kroeber, Zanoni Ferrite, eu, Cristina Aché, Eliza Fernandes entre outros."
Falando com Benevides, o que se percebe é a emoção de ter participado de um trabalho desse porte e, ao mesmo tempo, a mistura da ficção com a realidade na cabeça dos recrutados por aqui naquela época. Não houve preparação para que as pessoas entendessem o que de fato faziam. Sabiam que era algo "pra sair no cinema com gente famosa". Só isso. Tanto foi assim que Tatão (outro figurante escolhido por aqui), por causa de sua feição tão peculiar, era sempre associado ao próprio lobisomem do filme, o que de fato jamais foi intenção no roteiro.
Conta Benevides que a exibição do filme no Cine Madrid no inÃcio da década de 80 foi um acontecimento. Foram necessárias três sessões com lotação máxima para assistir ao filme. O mais curioso é que as pessoas voltavam para ver Benevides, Cilene, Cabico, Tatão entre outros locais que faziam pequenas e nem tão visÃveis aparições na tela. O filme em si nem era tão importante. As pessoas queriam mesmo se sentir um pouco parte daquela magia porque gente de carne e osso e cordeirense estava lá na tela.
E foi assim... Reginaldo, Stepan, Camila foram embora.
Os cordeirenses que participaram do "Quem tem medo de lobisomem?" nunca mais fizeram filme algum. E poucos como o Benevides tiveram a oportunidade de contar a sua façanha para registro.
30 ANOS DEPOIS, A REMISSÃO...
Num salto de 1974 para 2004, encontramos um jovem cineasta realizando o seu primeiro longa-metragem em locações escolhidas em Cantagalo/RJ. Sobre esse novo tempo e empreitada por essas regiões, tive a oportunidade de entrevistar o próprio diretor, Silvio Coutinho. “O filme Remissão tem a sua trama situada no ano de 1910, quinze anos após o suicÃdio de um jovem num vilarejo do interior do Brasil. Os moradores da região são surpreendidos pela chegada de um médico recém formado - Dr. Ulisses Maia - e sua impressionante semelhança fÃsica com o morto. A partir de então se estabelece o conflito, pois todos buscam no presente respostas caladas no passado do suicida, confundindo-o com o forasteiro, que se vê envolvido na montagem de um intrincado quebra-cabeças, cujas peças espalhadas são os próprios habitantes do local.†(adorocinema.com.br)
REMISSÃO deve estrear nos cinemas no fim deste ano e tem no elenco Léa Garcia, Imara Reis, Kayky Brito, João Vitor Barreto (ator cordeirense), Claudinho (ator cantagalense), Sthefany Brito , Alexandre Piccini, entre outros.
Vamos à entrevista com Silvio Coutinho:
1- De onde surgiu a idéia de fazer o roteiro de Remissão?
Na verdade, eu elaborei primeiramente 10 sinopses pensando em realizar um filme de baixo orçamento, com poucas locações e que tivesse grande destaque para o elenco, numa estrutura intimista e quase teatral. Não houve nenhuma motivação especÃfica, nem foi baseado em nenhum acontecimento do qual tenha ouvido falar. Embora REMISSÃO seja um filme de época, no meio dessas sinopses havia tramas situadas nos anos 70 e até na atualidade, mas foi o enredo que pareceu mais contundente, mais marcante, por isso eu o escolhi.
2- Que critérios você utilizou para escolher Cantagalo como locação do filme?
Foi uma estranha e feliz coincidência. Depois de percorrer várias cidades, principalmente no interior do Estado do Rio, em busca de fazendas do ciclo do café, entreguei o roteiro para a figurinista Maria Duarte, que é cantagalense. Depois de ler, ela me falou que enxergava o filme na cidade dela, principalmente na Fazenda Areias. Por curiosidade, acabei parando em Cantagalo e a fazenda mencionada tinha as mesmas e exatas caracterÃsticas do roteiro, sem eu nunca ter estado ali antes!
3- Quais as vantagens e desvantagens em fazer cinema em cidades pequenas?
As maiores vantagens estão em envolver a comunidade e sentir o entusiasmo dos moradores, além de sair do eixo Rio-São Paulo e respirar novos, puros ares. Em Cantagalo, conseguimos um grande apoio da população, demos duas oficinas, uma de interpretação e outra de técnica para cinema, de graça para os moradores (centenas se inscreveram e setenta foram selecionados), revelamos artistas e técnicos com grande potencial, enfim foi uma experiência inesquecÃvel. Embora haja uma carência de profissionais e de uma estrutura audiovisual mais elaborada, como estúdios e equipamentos para alugar em emergências, não consigo ver nenhuma desvantagem em fazer cinema no interior, só satisfação.
4- O que mais te impressionou durante o perÃodo que esteve em Cantagalo por conta das filmagens de Remissão?
O esforço que a cidade fez para que pudéssemos ir do começo ao fim das filmagens, sem interrupção. O empenho de pessoas como Elias Barbas, Cláudio Almeida (que também atua no filme em papel de destaque), Keth Japor, Nestor e Marilda, entre outros que desde já peço que me perdoem por não citá-los, já que são tantos.
5- Conte-nos uma curiosidade a respeito das oficinas para a comunidade que foram dadas antes das gravações.
Bom, dessa oficina tiramos 3 atores para o filme: o Ricardo Alves, Ricardo Teixeira e João Vitor Barreto. Tivemos a grata surpresa de conhecer Luzia Saade, que além de se tornar uma grande amiga, foi preciosa no figurino, e Pedro Goulart foi assistente de câmera do fotógrafo Dib Lutfi, um dos maiores da história do Cinema Brasileiro.
6- Qual a importância que Remissão possui na sua filmografia?
A maior até agora. Foi o meu primeiro longa-metragem, um filme de época que já correu grandes festivais no mundo representando o Brasil , como o 12th Kolkota Film Festival, em 2006. Remissão me trouxe uma experiência que será fundamental nos meus próximos dois filmes: INSANA IDADE, que pode ser rodado na cidade vizinha de Cantagalo, Cordeiro, e A FESTA Jà COMEÇOU, suspense com temática espÃrita que já movimenta artistas, técnicos e conceituadas organizações cinematográficas.
Os tempos, com certeza, são outros. Se em 1974, uma equipe de cinema chegou ao interior e apenas aproveitou pessoas pra figuração, não havendo maior interesse ou percepção para o compartilhamento de saberes, em Remissão (2004), o cineasta Silvio Coutinho entendeu o grande potencial artÃstico e cultural que o interior podia lhe oferecer. E, por conta disso, houve uma troca de experiências através de workshops e uso de talentos e mãos-de -obra locais. Sobra ansiedade de nosso povo para se ver na telona: Cantagalenses e cordeirenses, cidades que pela história e geografia são irmãs, esperam assim como no inÃcio dos anos 80, a grande estréia. Dessa vez, tem sido mais contundente a nossa percepção que toda aquela arte produzida por aqui escreve o nome do interior fluminense de vez na história do cinema nacional.
Queremos mais.
Cavalheiro.
Muito bacana! E quanto ao primeiro "O Coronel e o Lobisomem", que mencionaste, o antigo, com MaurÃcio do Vale no papel do Coronel, é um filme belÃssimo (e difÃcil de ser encontrado nas locadoras), justamente porque as fazendas que serviram de locação são lindas, históricas.
Amigo, se eu você você, separava com um enter o link
(http://www.fatimafreire.ato.br/cinema/quemtemmedo.htm ) porque ficou um parêntese isolado na linha seguinte e acho que você ainda não percebeu.
Mais um texto impecável e interessantÃssimo, daqueles que poderiam e deveriam ser utilizados nas escolas de todo o Brasil.
Espero que o Overmundo seja devidamente divulgado pela Rede Pública de Ensino, como fonte de cultura e acervo gratuito a ser utilizado.
Voltarei, é claro, para votar.
Abração do,
Baduh
Oi Amigo!
Eu retirei o link, pois, na verdade, ele já está disponÃvel no nome da própria atriz. Valeu pelo toque!
O filme de 74 é "Quem tem medo de Lobisomem?" e, realmente, é dificÃlimo de achar. Vou tentar descobrir quem tem, pois faz parte das minhas memórias e gostaria de revê-lo.
O filme de 2004 está no forno para ser exibido nos cinemas. Aà vai ficar mais fácil para todos. Já tive a oportunidade de assisti-lo, quando foi exibido em frente à rodoviária de Cantagalo/RJ, em 2006. Foi uma festa na cidade.
Obrigado por me incentivar a buscar e pesquisar. Esse trabalho tem sido pra mim grande fonte de satisfação.
Abraços fraternos.
Cavalheiro, desculpe lá a velhice... rsrs que já me faz trocar alhos por bugalhos... rs
O filme "Quem tem medo de lobisomem", excelente, rarÃssimo (que tive a oportunidade de assistir, cinéfilo que sou), foi confundido por mim com o esquecidÃssimo "O Coronel e o Lobisomem", o primeiro, com MaurÃcio do Vale. As locações deste primeiro Coronel foram feitas nas também antiquÃssimas fazendas de Campos dos Goytacazes...
Peço que me perdoe o lapso de memória!
Abração,
Baduh
Baduhhhhhhhhh!
Me ajuda encontrar esse filme (Quem tem medo...) !!!!
Abraços
Cavalheiro.
Eu te prometo fuçar com amigos colecionadores! E quanto ao filme "Remissão", espero vê-lo, em breve!
Abração,
Baduh
Cava,
são através de reportagens como essa, que ficamos sabendo de grandes feitos.
Boa, cara!
Abçs. Benny.
Luis, cinema é o meu vÃcio. Qualquer informação a esse respeito será bem vinda, principalmete, essa sua matéria.
Vou e volto
Elizete
Oi Benny!
Obrigado por sempre me incentivar!
Abraços
Oi Elisete!
Obrigado por ter vindo!
Também gosto muito de cinema e falar sobre o filme de 1974 rodado em minha cidade é importante pra mim. Esse registro está se perdendo e pessoas que, naquela época, conviveram com todo o processo de filmagem não estão mais entre nós pra contar como foi. Encontrar o Benevides num "bom dia" dele foi uma dessas coisas que já estão "marcadas" pra acontecer. Tratei logo de preparar o registro com o Bruno Caputo, que aqui só deu pra postar o áudio.
Enfim, essa história, no que depender de mim, vai ser contada finalmente.
Abraços
Luiz, adorava uma velha revista em quadrinhos de lobisomem que tive na infância.
abço.
Maravilhosa matéria Professor! Uma aula de Cultura!
BJS
CRIS
Matérias como estas nos fazem crer que o overmundo atinge o seu objetivo e principal finalidade: divulgação e preservação da cultura nacional. Parabéns, Cavalheiro! E por falar em lobisomem, vocês conhecem Joanópolis (SP), a terra do lobisomen, que fica bem pertinho daqui de Piracaia, onde resido? Qualquer hora vou colocar uma matéria falando sobre isto. Bom demais... Abçs!!!
Nydia Bonetti · Piracaia, SP 30/9/2007 12:53
Muito boa esta tua matéria amigo Cavalheiros. Meus sinceros aplausoa e abraços.
Carlos Magno.
Cavalheiro. Muito boa a sua contribuição. Como diz Baduh, quando diz que deveria ser utilizado nas escolas. São fragmentos da nossa cultura que precisam ganhar um lugar de destaque.
Parabéns.
Oi, Cavalheiro, parabéns pelo trabalho de resgate dessas histórias de Cordeiro e Cantagalo. Infelizmente, não consegui ouvir a entrevista com o Benevides. Fiquei super curiosa pra ouvi-lo. E vou ficar atenta ao lançamento de Remissão.
Abraço.
Remissão já esta na minha agenda...procurarei com certeza qdo asim estiver disponivel.Bom texto que nos informa da arte maior...Parabens e votado.
Cintia Thome · São Paulo, SP 1/10/2007 10:39
Boa, Cavalheiro.
Mais uma reportagem traçando cenários perfeitos entre o passado e o presente do cinema no leste flu.
VOTADÃSSIMO!
Abraços.
Cavalheiro, meu amigo,
mais uma matéria maravilhosa sua esta sobre o nosso sempre novo cinema. Pelo que li, "Remissão" tem tudo para uma carreira de sucesso. Particularmente, gosto muito de filmes com atores neófitos, especialmente pela carga emocional e a naturalidade que imprimem às interpretações e ao próprio filme. Adorei seu texto, a entrevista e as fotos. Parabéns. Agora, me desculpe, mas vou curtir como aperitivo o trailer do filme.
Abraços.
Amo cinema e já agendei "Remissão", obrigada por nos informar de uma maneira bastante esclarecedora sobre o filme assim como a entrevista.
Agradeço-te, de monte, o convite
Valeu!
Um abraço
Salve, Luiz!!!
Maravilha de texto, assim como a atitude de Silvio Coutinho
que compartilhou seu filme com pessoas comuns e além de ensinar, aprendeu.
Parabéns pela matéria!
Me deu vontade de assistir ao filme de 1974 e espero ansiosamente o lançamento do filme "Remissão" nos cinemas.
Um abraço Luiz!!!
Luiz,
Muito boa a sensação que tive ao ler este texto! Lembro-me bem da exibição desse filme, da expectativa e até uma certa euforia de todos por ver lugares e pessoas conhecidas, próximas, na telona. O brilho nos olhos e as gargalhadas tão naturais em Benevides (presenciadas por você) e a lembrança do rosto de Tatão em close são sinais da emoção das pessoas naquele momento único.
Luiz Obrigado pelo destaque em seu texto, realmente sou alucinado por audiovisual, espero ainda em fazer cinema com vc, será um prazer!!!
Parabéns pela matéria muito boa!
Quando precisar é só falar, porque fazer parte de obras culturais como esse só vem nos enriquecer de conhecimentos e vc Luiz Antonio é uma fonte de saber!
Parabens e até a próxima!
abraços...rsrsrsrs
Fala Bruno!!!!!!!!!!
Que bom que você veio ver o artigo. Parte desse trabalho eu tenho que agradecer a você!
Acho que está tudo se encaminhando para que um possÃvel documentário sobre o filme de 74 seja realizado. E, é claro, você estará nesse projeto.
Grande abraço!!!!
Oi Graça!
Os seus comentários só enriquecem os meus posts. Obrigado pelo seu olhar crÃtico e parceiro. Como eu disse ao Bruno, vamos tocar um projeto pra fazer um doc sobre o filme de 74. Sua opinião será sempre bem-vinda!
Abraços do amigo.
Oi Matheus!
O filme de 74 é, com certeza, parte da memória de Cordeiro. Resgatar esse filme para um possÃvel acervo da nossa cidade será um grande barato. Tô a fim de encarar essa empreitada.
Grande Abraço.
Artigo formidável sobre o cinema, a cultura e o folclore brasileiro, Luiz Antônio.
Parabéns!!!
Realmente muito bom para a cultura e o cinema! by Ser Universitário
Rodrigo Siqueira O. · São Paulo, SP 9/5/2011 14:18Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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