Nos cruzamentos da cidade, entre carros e flanelinhas, o toque lúdico dos malabaristas urbanos encantam motoristas que aguardam a luz verde dos sinais de trânsito para engatar a primeira. A febre de manipular objetos circenses conquistou espaço e se tornou uma das atividades preferidas de quem quer unir lazer, concentração e, em muitos casos, ganhar uns trocados.
Com ares de novos saltimbancos, uma legião de viajantes estrangeiros — que circulam pelo mundo passando o chapéu e repassando a arte dos malabares — desembarcou em Natal nos últimos dois anos. Esse espÃrito aventureiro parece ter contaminado os natalenses, que o digam David Mãozinha Ferreira e Wanderson Cobra, amigos do uruguaio Nicolas Sena.
Nicolas, 26, mais conhecido como Chino, vem circulando pelo Brasil há cerca de dois anos e acabou 'dando um tempo' em Natal: “Estou viajando apenas com meus malabares. Procuro uma praça ou fico em um sinal de trânsito para conseguir alguns trocados e seguir viagemâ€, disse. "Por onde passo, procuro transmitir a arte do malabarismo e ensino a construir os próprios instrumentos", completa.
O trio vem 'trabalhando' junto há alguns meses e a rotina lembra realmente a maneira 'saltimbanca' de ser: “Procuramos apoio de alguma escola, e em troca de abrigo e comida realizamos oficinas com as criançasâ€, informa David. Quando são convidados por escolas particulares cobram cachê ou pedem doações de roupas — distribuÃdas entre crianças carentes de escolas públicas.
“Basta treinar com determinação que em cinco dias qualquer pessoa já está 'malabarizando'. No meu caso, no segundo dia já estava mexendo com malabares fumegantesâ€, garantiu Wanderson.
"O legal é que cada um, naturalmente, acaba se especializando em uma modalidade de acordo com a aptidão. No momento estou aprendendo a lidar com as bolinhasâ€, explicou David, que prefere a clava e o Devil Stick*. Wanderson é adepto do Devil e está aprendendo o lançar o Diabolo**, enquanto Chino prefere as bolinhas. Todos lidam com fogo.
Concentração, auto-estima, terapia e esporte
A onda de malabares serviu para mostrar que essa arte deixou de ser vista com preconceito e está entrando nas casas através das crianças. “No inÃcio pensei que eram apenas desocupados que preferiam ficar pedindo esmolas nos sinais. Depois percebi que a prática mudou o comportamento de minha filha. Estava enganada e hoje sempre contribuo com aqueles que estão fazendo performances nos sinaisâ€, disse a dona de casa Francisca Lacerda, de 47 anos.
Sua filha, Regina Lacerda, 16, já está craque no manejo do Devil Stick* — a principal modalidade praticada pelos jovens. “Estou mais concentradaâ€, disse a garota que já sabe qual será o próximo passo: quer aprender a andar de perna de pau e jogar bolinhas ao mesmo tempo. “É meu sonho!â€, planeja.
Além da concentração, a prática traz outros benefÃcios para o corpo e a mente. “Melhora a musculatura, o reflexo, a coordenação motora e desenvolve a consciência de ritmoâ€, explicou o artista de rua João da Noite (pseudônimo). "A prática ainda melhora a visão periférica e desenvolve a paciência, sem contar a satisfação pessoal e o aumento da auto-estima proporcionado pela realização de uma nova manobra", acrescenta.
Kadu, 25, outro malabarista de cruzamentos, está treinando com Devil Stick* há apenas dois meses e disse que o aprendizado depende da vontade e determinação de cada um. “Iniciar é como um gatilhoâ€. Kadu vê no malabarismo uma forma de praticar esporte, fazer terapia e ainda ganhar alguns trocados. “Chego a ficar 5 horas treinando sem parar. Quanto aos sinais, tem dia que fico o dia inteiro e sei de gente que arrecada quase cem reais num único dia!".
Na sacola dos malabares
Malabarismo: Arte de origem chinesa que consiste em manipular objetos com destreza. Uma das mais tÃpicas artes de circo. Embora existam muitos tipos de malabarismo, ele geralmente consiste em manter objetos no ar, lançando e executando manobras.
* Devil Stick: Um dos instrumentos mais utilizados pelos novos malabaristas e da categorias dos sdimples. Termo inglês para definir o bastão japonês.
Bastão Japonês: bastão de madeira torneado e enrolado com fitas decorativas, manipulado com duas baquetas. Apesar do nome, sua origem é chinesa. Há também as versões Fire Stick (com fogo) e Flower Stick (decorado com fitas que lembram flores - em chinês ‘Hua’ = flor e ‘Kun’ = bastão ou haste, então ‘hua kun’ = ‘bastão florido’)
** Diabolo: São dois cones de plástico ou de borracha, semi esferas, que se assemelham a uma espécie de iô-iô gigante. O objetivo é fazer manobras mantendo a rotação constante sobre um fio preso a bastões. A modalidade é praticada na China há mais de 4 mil anos onde, ainda hoje, fabricam-se Diabolos em madeira e bambu.
Bolinhas: Também de origem oriental, é das modalidades mais antigas e difundidas do malabarismo. Normalmente as apresentações acontecem com 3 bolinhas, mas já conseguiram realizar manobras utilizando 11 bolas.
Há versões com fogo (manipulada com um par de luvas especial) e as de alta tecnologia (programável nas cores azuis, vermelhas e amarelas).
Clava: objeto que lembra um pequeno bastão de beisebol. A modalidade possibilita a execução com outros aparelhos como facas e tochas. Muitas fabricam clavas com material reciclado.
Verdadeiros "vagabundos iluminados". Muito bom Yuno. Não tinha sacado esse lado didático da coisa. Só enxegava ali mais um método de pedir dinheiro. Mas o buraco é muito mais embaixo, não é mesmo? Abraço.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 16/4/2007 10:37
aê Filipe, uma turma que tem muito o que contar e mostrar. Claro que tem muitos que estão ali só pra ganhar uns trocados, dá pra perceber qdo é artista e qdo não é .. esses valem mais.
abração
Muito bem! Yuno Silva, uma verdadeira arte!
Seu texto explicou o outro lado, como um jornalista deve fazer..bom se fosse divulgado em outro veÃculo de comunicação.
Parabéns! Abraços!
Boa Yuno!
Descobri outro dia que o termo Malabares vem de uma região na Ãndia (Malabar) na costa oeste do paÃs muito citada por Marco Polo.
Deu origem inclusive ao gado malabar (que cruzou como nosso zebu) e a pimenta "malabarina" especiaria valiosa em nossa época colonial, junto com a canela, gengibre e o cardamomo também plantados na região.
A nossa palavra "canja", dizem, vem de lá. Na costa do Malabar situa-se a lendária cidade de Calicute, na região de Kerala.
Simone, o mais legal é que as coisas nem sempre acontecem por acaso: conheço o trio de personagens e sou praticamente vizinha de Dona Francisca ... qto a outros veiculos: nada melhor que espalhar essas coisas pela internet.
Aà Egeu, ótimos esclarecimentos!!
abraços
Yuno, muito boa sacada. Sou jornalista e vou fazer matéria sobre os "malabaristas urbanos" esses dias, hehehe...Abs!
Jorge Eduardo Dantas · Manaus, AM 18/4/2007 15:57
Jorge, tenho certeza que vc vai encontrar solo fértil aà em Manaus tb!
abração
indo além do Malabares, o circo é lindo.. um novo mundo, cheio de artes lúdicas que une pessoas de todas as idades, um mundo mágico..
Luciana Maia · Rio de Janeiro, RJ 18/4/2007 23:18Já sai do carro para aplaudir esses meninos...é de dar inveja e ficar pequenininha. Parabens pelo texto.
Cintia Thome · São Paulo, SP 21/7/2007 00:19Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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