Mãos criativas do escultor Baldinir Bezerra

Baldinir Bezerra
Vênus, Marlyn Monroe e Gabriela em 3 dimensões inspiradas em Botero
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Gisele Colombo · Campo Grande, MS
15/3/2008 · 103 · 4
 

O germe artístico de Baldinir Bezerra na expressão tridimensional surgiu em 1985, ano que conquistou um espaço na Mostra do Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande, com a obra “A mãe da fomeâ€. Depois deste súbito reconhecimento, o escultor só voltou a produzir em 1999, quando precisou encontrar uma maneira de garantir seu sustento. O talento falou mais alto, e Baldinir Bezerra consagrou-se escultor no Rio de Janeiro, local em que executou uma de suas obras mais importantes: a imagem de Nossa Senhora de Belém, abrigada na Capela Mayrink do Parque Nacional da Tijuca. A obra pertence ao acervo do parque desde 2000 e está exposta ao lado do painel de Nossa Senhora do Carmo, pintado por Cândido Portinari.

Numa produção incessante, o artista foi inspirado por pelo pintor colombiano Fernando Botero, com seu estilo naif e obras que destacam figuras rotundas. Assim como o colombiano, Baldinir buscou o equilíbrio entre o humor e a crítica social. Suas mulheres rechonchudas compuseram a paródia feita pelo escultor com as imagens de ícones feminos como Marlyn Monroe, a personagem Gabriela de Sônia Braga, e Vênus, retratada pelo pintor renascentista Sandro Botticelli. Desta maneira Baldinir Bezerra conquistou o público carioca, e recebeu o convite para participar de várias exposições coletivas no Rio de Janeiro.

Neste mês, Baldinir passa a ministrar a Oficina Permanente de Expressão em 3D no Museu de Arte Contemporânea (Marco). O curso vai acontecer às terças, quartas e quintas-feiras, das 14h às 17h horas. O material de base que será utilizado é a argila. Acompanhe a entrevista exclusiva com o escultor:

Como começou seu interesse pela escultura?

Baldinir - É interessante a possibilidade de representar a realidade em três dimensões. Eu sempre tive uma certa habilidade com as mãos. Sempre tive facilidade com trabalhos manuais. Em 1985, me lembro de ter tido minha primeira experiência na modelagem com a argila. Foi uma peça que chegou a ser classificada para o Salão do Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande. O título da peça era A mãe da Fome. Era a representação de uma mulher muito esquálida, em um estado de gravidez absurda, com uma barriga gigantesca, muito desproporcional com o resto do corpo. Eu a fiz deitada, com as pernas encolhidas, uma mão cobrindo o rosto e a outra sobre o ventre, denotando sentir toda dor do mundo. É uma peça bastante forte. Como na época eu não sabia trabalhar com cerâmica, eu usei a argila encobrindo uma estrutura de arame. É lógico que em pouco tempo o barro estourou, e a peça por inteiro ficou craquelada como o chão do nordeste em época de seca. Eu acho que foi essa aparência, esse layout que garantiu a entrada dela no salão do museu. Ficou interessante, contemporânea (risos). Só bem mais tarde eu aprendi a usar o barro para fazer cerâmica corretamente.

Como os temas te seduzem na escultura?

Baldinir - No caso que citei anteriormente, o tema retrata as diferenças sociais gritantes que existem em nossas sociedades. Foi uma regurgitada geral. Tema pesado. Depois disso, comecei a viajar por outras veredas, e passando a considerar mais a perspectiva do humor no meu trabalho.

Mas quais foram os temas que você começou a trabalhar lá no Rio de Janeiro?

Baldinir - A época em que eu comecei a fazer esculturas no Rio, em meados de 1999, coincidiu com as comemorações do aniversário de morte da cantora Carmem Miranda. Fiz uma série de Carmens, que fizeram bastante sucesso. Logo depois, ocorreu a vinda de uma grande exposição do pintor Fernando Botero no Palácio das Belas Artes. Eu fiquei muito impressionado com o trabalho dele. A argila pede volume, diferentemente de uma peça de metal, por exemplo, que pode ser bastante estreita. E eu queria trabalhar com o figurativo, com formas humanas. Acabei meio que seguindo um pouco a linha do Botero. Passei a trabalhar com a representação de figuras obesas. Fiz uma série somente com ícones femininos da história, começando por Vênus, passando por Marilyn Monroe, até Sônia Braga, em sua personagem Gabriela. Todas mulheres ficaram obesas nas minhas mãos, mas apesar do excesso de adiposidade aparente, todas mantinham a mesma elegância, o mesmo glamour e sensualidade que as consagraram como unanimidades.

E como foi esse retorno à escutura em cerâmica?

Baldinir - Eu já morava no Rio de Janeiro, em1999, e pra defender o sustento do dia-a-dia, num momento complicado chamado “desempregoâ€, acreditei no projeto, comecei a levar a sério, e fui fazendo uma peça atrás da outra. Comprei um livro, de um grande ceramista italiano radicado nos Estados Unidos que é mestre na escultura, o Bruno Luchesi. Este livro foi meu verdadeiro professor, me deu todas as dicas, abriu o jogo e mostrou as técnicas de uma forma bastante didática.

Então você é um autodidata...

Baldinir - Em princípio sim. Anos atrás, a Maria Helena Belalian, minha grande amiga, havia me dado as primeiras noções da cerâmica em seu atelier aqui em Campo Grande. Eu ia sempre ao atelier, mas só a passeio. E ficava observando, e fazendo perguntas. No Rio de Janeiro segui esta atividade sozinho. Mas trabalhar com barro não é uma coisa muito simples. Por exemplo: eu morava na entrada da Barra da Tijuca e levava as peças para queimar numa caixa de papelão lá na Urca. Cerca de 2 horas de ônibus atravessando a cidade. Era o único lugar mais próximo que tinha para queimar as peças. E a cerâmica, no chamado “ponto de couro†– quando está bem seca, fica muito frágil. Então, as peças nem sempre chegavam inteiras. Essa atividade requer uma infra-estrutura básica para que aconteça. Um forno, em especial, é indispensável. Os índios faziam um buraco no chão e colocavam a cerâmica lá dentro, metiam galhos secos por cima e botavam fogo. Uma maravilha! O trabalho das populações indígenas daqui da nossa região é conhecido e é lindo. Então, o negócio é criar as tais condições, e produzir.

E como foi que surgiu o projeto de confecção da sua peça pública, a imagem da Nossa Senhora de Belém?

Baldinir - Eu era um freqüentador assíduo do Parque Nacional da Tijuca, considerada a maior floresta urbana do mundo. Lá dentro existe uma capela que foi construída no século XVIII. Na época, a área do parque era dividida em fazendas, e o primeiro fazendeiro construiu essa capela em louvor à Nossa Senhora de Belém. Belém de Portugal. Belém de onde saíam as embarcações para as grandes descobertas. Esta era a santa padroeira dos navegantes. A tal fazenda foi sendo vendida no decorrer do tempo. Mudaram os donos e mudaram as padroeiras. A Capela, atualmente chamada de capela Mairynk, teve três padroeiras. A Nossa Senhora de Belém, a Nossa Senhora Imaculada Conceição e a Nossa Senhora do Carmo. Mas o acervo da capela não tinha a imagem da primeira padroeira. Somente das duas últimas, sendo que o acervo possui um painel famosíssimo de Nossa Senhora do Carmo pintado por Portinari. Essa obra havia sido roubada anos atrás, e foi recuperada a pouco tempo. Num projeto de restauração do acervo total do parque, fui convidado pela direção para confeccionar a imagem da primeira padroeira. A museóloga Ana Cristina Vieira, responsável pela difusão cultural do parque, já havia comprado uma peça minha, um cavalo alado feito por encomenda. Gostou tanto que me convidou para apresentar um projeto. Minha proposta foi aceita, e eu tive a oportunidade de fazer essa obra.

Qual das suas peças você mais gostou de fazer?

Baldinir - Foi justamente o cavalo alado que a Ana Cristina me encomendou. Deu um trabalho danado, pois ele foi feito para ficar como se estivesse voando mesmo. Gostei muito do resultado. A cliente também (risos).

Qual foi a peça que mais chamou a atenção do público?

Baldinir - Com certeza, a que se tornou eminentemente pública: a imagem de Nossa Senhora de Belém. Eu fui muito feliz quando a fiz, apesar de não ser uma criação original minha. A peça foi feita a partir da imagem de uma pintura. Transformá-la numa figura tridimensional foi um desafio bastante interessante. Mas parece que eu consegui. Quem quiser, pode conferir isso, quando visitar o Rio de Janeiro.

Como foi a receptividade do público à suas obras no encontro de ceramistas que aconteceu no Rio em 1999?

Baldinir - Foi muito legal, porque eu não tinha a experiência de esculpir ao vivo. Foi uma coletiva de ceramistas na praça da Urca, onde fui convidado para expor o meu trabalho mas também executá-lo ao vivo. Eu fiquei uma manhã inteira construindo uma peça, e o legal foi que eu tinha que ser didático com as pessoas que passavam por ali: crianças e adultos demonstraram o maior interesse no que eu estava fazendo ali.

Qual é a metodologia que você usa no curso de expressão em 3D?

Baldinir - Como disse antes, não me considero um especialista em cerâmica. Eu trabalho com formas, e acho que uso a argila para desenhar. Eu me considero um escultor. Para chegar a ser um ceramista ainda vai uma longa distância. Aqui em Campo Grande existem grandes ceramistas, como Maria Helena Belalian, Neide Ono, Mauro Ianase, Indiana, Irani Brum Bucker, e outros. Neste momento, estou me colocando como um facilitador numa oficina que propõe que as pessoas exercitem a expressão no ato de criar objetos tridimensionais. A base, inicialmente é a argila, já que é o material com que tenho maior intimidade. Eu sou um fazedor de esculturas, e é essa a proposta no momento: esculturas. A idéia é criar um espaço para o livre exercício da criatividade em três dimensões.

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Xuca Munhoz
 

gostei!!
ótima publicação!!
abraços e sucesso

Xuca Munhoz · São Paulo, SP 15/3/2008 00:02
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clara arruda
 

Belíssimo trabalho.Um dia aindo terei oportunidade de conhecer pessoalmente.

clara arruda · Rio de Janeiro, RJ 15/3/2008 06:51
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Gisele Colombo
 

Gisele Colombo · Campo Grande, MS 19/3/2008 18:21
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Gisele Colombo
 

Obrigada Clara e Xuca! O Baldinir realmente é muito talentoso e competente em tudo que faz. Além de um cara muito inteligente. Abcs Gi

Gisele Colombo · Campo Grande, MS 19/3/2008 18:22
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