Marcha, soldado cabeça de papel

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Jorge Rocha · Belo Horizonte, MG
28/7/2007 · 132 · 0
 

Cantarole com este ExuCaveiraCover a musiquinha que encima este post. Inevitável fazê-lo após ler o artigo que Ana Maria Brambilla escreveu para Jornalistas da Web a respeito da “barriga†que UOL tomou após publicar fotomontagem – recebida em um sistema de conteúdo colaborativo – sobre o desastre com o airbus da TAM. Este caso, para desgosto dos detratores do Jornalismo Colaborativo, não abalou esta prática webjornalística, tampouco colocou-a em xeque ou iniciou/estimulou um processo de crise. Serviu sim, ao menos, para realmente clarificar dois importantíssimos pontos: 1) o que os portais têm praticado não é Jornalismo Colaborativo e 2) definitivamente, os webjornalistas – se assim quiserem ser considerados – precisam deixar de pensar com “cabeça de papelâ€. O que Ana Maria Brambilla* escreveu estimulou-me a defender meu ponto de vista a respeito destas e outras questões sobre Jornalismo Colaborativo, tema que pesquiso há um ano e meio. A idéia inicial era escrever um artigo inteiro, formatadinho, todo enquadradinho. Mas chutei pro alto**. Passei a destacar alguns trechos do artigo e comentá-los.Vamos numa espécie de brainstorm em ping-pong. Siga a bolinha.

É preciso que haja o olhar do jornalista antes de um conteúdo ser veiculado. Olhar esse que consiste em checagem de informações e edição. É simples! São duas funções que qualquer jornalista deve - ou deveria - saber desempenhar. Principalmente quando se trata de UGC (user generated content ou, no português, conteúdo gerado pelo usuário). Esses dois processos justificam a importância e a necessidade do profissional no jornalismo colaborativo. E foram esses dois processos que, claramente, foram negligenciados pela redação nesta trapalhada do UOL.


Coloquemos as cartas na mesa, correndo o risco de soar óbvio e repetitivo – mas a repetição, por vezes, me parece necessária***. Operar em um sistema colaborativo não significa automaticamente trabalhar em um modelo webjornalístico colaborativo. Uma vez que um webjornalista, em um sistema colaborativo, não leva em conta as especificidades da comunicação interpessoal, não mantém ou estimula conversação entre as pessoas que estão produzindo material informativo, não compreende que opera, em seu cotidiano profissional, em um espaço relacional, então não está seguindo alguns pressupostos básicos do Jornalismo Colaborativo. Eis aqui algo que deveria, a esta altura, ser de fácil compreensão: estes pressupostos reconfiguram o modo de apurar, organizar, produzir e publicar informação; não tornam estes pontos desnecessários ou relegados a segundo plano neste processo.

O fato de que um portal – que é o caso que estamos abordando aqui, espertinhos ! – solicita à audiência que envie textos, fotos e/ou vídeos sobre determinado assunto em pauta não configura prática intrínseca do Jornalismo Colaborativo. Sendo mais condescendente: ao menos, não deveria configurar. Voltando ao normal: tentar atrelar o Jornalismo Colaborativo a um simples “envie que será publicado – toma uns tapinhas nas costas, quando muito†parece reduzir a potencialidade desta prática informacional, castrar seu alcance, depauperar sua importância no campo da Comunicação Social. Ou então, atesta um desconhecimento de suas nuances, ocasionando assim um modus operandi perigoso, porque equivocado no trato de apuração, produção e publicação de material. Temos então, um cenário reducionista que precisa ser confrontado. Às armas, pois !

Quando falamos em Jornalismo Colaborativo, é preciso compreender que há um trabalho em conjunto entre jornalistas e audiência a ser feito para viabilizar sua prática. Ora, colaboração não pressupõe parceria ? A colaboração, nesta prática jornalística, pode e deve alcançar várias etapas de uma produção informacional. Um trabalho de co-organização, onde o webjornalista não mais se encaixa no papel de gatekeeper, devendo compreender que sua função pode ser sintetizada como a de cartógrafo da informação – conceito que defendo em minha pesquisa. Tentando simplificar: o cartógrafo da informação é o profissional que deve, basicamente, além de selecionar, enquadrar e personalizar notícias, portar-se como um elemento de ligação entre comunidades ou agentes conversacionais.

Desculpe o ar professoral que este parágrafo vai assumir – creia-me: é passageiro. Imagino que seja momento de explicar um tanto mais o que significam esses três verbos que listei ali em cima e que devem ser utilizados de forma complementar. O conceito de seleção associa-se à análise do armazenamento do conteúdo, aos sistemas de buscas e ao trabalho de rankeamento – uma ferramenta utilíssima em sites colaborativos. O enquadramento – um possível “substituto†para o conceito de hierarquização de informações em mídias massivas – diz respeito à definição de pautas e valores-notícia de acordo com as preferências da comunidade participante de sistemas colaborativos. A personalização possibilita que as informações – ou aspecto gráfico de um site – sejam recombinadas de diversas maneiras – neste quesito encontram-se, por exemplo, agregadores de conteúdo como RSS e até mesmo a utilização de sistemas em mashup. Tais verbos são eficazes em demonstrar a seguinte premissa: a voz do jornalista colaborativo não pode ser única.

E falando nisso ...

Pensar papel é manter como norte a arrogância do jornalista como dono absoluto do poder de fala. É não reconhecer no público o potencial de melhorar o nível de jornalismo, seja enviando conteúdos de qualidade, seja aguçando a capacidade do jornalista gerenciar um espaço editorial. É ver o cidadão repórter como concorrente, não como aliado.

Reitero as duas facetas básicas do webjornalista que atua em sistemas colaborativos: organizador de sentido e significado, além de agente interacional junto a outros participantes do processo comunicacional. Para que possa cumprir a contento estes dois pontos, é preciso saber atuar em relação às estratégias cognitivas de publicação, às competências discursivas, aos processos de co-enunciação, aos elementos de organização de significados, às atividades em espaços relacionais e compreender como se dá a configuração do que podemos chamar de espaço público relacional. Ufa! Calminha aí que não vamos ficar muito tempo no modo professoral. Estas categorias de análise apontam, em linhas gerais, que o webjornalista colaborativo deve utilizar práticas discursivas que incentivem/estimulem a participação da audiência, sempre em um trabalho de co-gerenciamento, de participação – o que implica em respeitar a natureza da comunicação digital.

Como cartógrafo da informação, o webjornalista precisa ser mais do que um “organizador†de caminhos, de conteúdos. Em termos de Jornalismo Colaborativo, podemos encarar este conceito como uma espécie de “atualização†– valha o termo – do jornalista. Sabemos**** que a prática jornalística é um “ofício de fronteira†e esta “fronteira†consiste, na verdade, em uma anexação de outras atividades ligadas a novos meios de comunicação. E quando falo em anexação, também estou falando em constituição de redes, de um “pensamento em redeâ€. Este é o território em que nós, webjornalistas, pisamos. Essa é a nossa geografia a lidar.

Longe de mim achar correta a atitude deste cidadão-repórter-zombeteiro. Mas, infelizmente, espíritos de porcos estão por toda a parte. E no ciberespaço também. Quero dizer, com isso, que não apenas noticiários colaborativos online estão suscetíveis a receber informações falsas.

Em listas de discussão, foram lembradas as pegadinhas que o Cocadaboa costuma fazer com os “jornalistas patosâ€, questionando assim o porque de tanto auê por conta da “barriga†que UOL tomou, uma vez que sempre haverá quem caia numa dessas. Tais considerações pareceram conformistas e isso me preocupa bastante – porque foram considerações de jornalistas que podem vir a julgar este um fato normal simplesmente “porque é corriqueiroâ€. Nestas mesmas listas, li que iniciativas como esta da UOL deveriam ser elogiadas porque a empresa aceitou correr o risco de lidar com Jornalismo Colaborativo. Então o jornalismo pode ser reduzido a tentativa e erro ? O Jornalismo Colaborativo é algo que deve ser experimentado pelos jornalões como um “projeto de risco†? Então é guerra ?

Não percam os próximos capítulos deste raciocínio em desenvolvimento.


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* Ela é uma das duas pessoas nascidas no Rio Grande do Sul que eu respeito. A outra é Tiago Casagrande, capo deste condomínio de blogs; perceba que há realmente um motivo para tê-lo em alta conta.
** Normal ...
*** Mas a repetição, por vezes, me parece necessária.
**** Sabemos ? Mas o jornalismo não morreu ?

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