Empresas funerárias e suas diferentes abordagens na hora de vender produtos relacionados ao descanso eterno
Rafael Urban
Equipe da Folha*
Nas viagens que Andrei Matzenbacher tem feito para os congressos de cemitérios pelo PaÃs, uma coisa tem lhe chamado à atenção: a maneira agressiva como empresas do ramo funerário anunciam seus produtos. ‘‘No Rio de Janeiro conheci um caso incrÃvel. Um cemitério colocava um outdoor ao lado de outro de uma operadora de celular que anunciava ‘Vivo, a partir de R$ 200’. Ele usava o mesmo boneco da empresa de telefonia, acompanhado dos dizeres ‘Morto, a partir de R$ 3 mil’. Esse tipo de humor não funciona com o público do Sul, em especial o curitibano.’’
Matzenbacher é o diretor do grupo Jardim da Saudade, com sede em Curitiba e unidades em Pinhais e Blumenau, além do Crematorium Metropolitan também na capital paranaense. A empresa começou com seu avô Jayme, em 1969, com o slogan ‘‘A solução moderna para um velho problema’’. A proposta era representar o conceito de cemitérios-parque, importado dos Estados Unidos. ‘‘Todo mundo tinha aquela idéia dos cemitérios públicos, naquele ambiente feio e triste. O ambiente mais alegre, com um campo florido e árvores, ajuda a confortar a famÃlia. Tem gente que até vem correr aqui de manhã’’, comenta, citando o caso dos corredores que recentemente viraram tema de reportagem na TV.
Hoje, o crematório do grupo trabalha com o slogan ‘‘Tranqüilidade para quem fica’’, em uma propaganda que está sendo anunciada nas rádios. ‘‘No momento difÃcil, os gastos já são muitos e é complicado para sair em busca de um lote. Por isso, buscamos que as pessoas façam previdência.’’ No caso da cremação, o custo de R$ 3.150 pode ser parcelado em até 24 vezes.
O pontagrossense Carlos Sysocki, que fez ‘‘33 anos há muito tempo atrás’’, fica esperando o cliente bater em sua porta. ‘‘O dentista não sai por aà batendo de porta em porta. Quando você tem dor de dente vai até o consultório. O mesmo acontece com o meu cliente aqui’’, diz Sysocki, dono da Funerária Paranaense desde 1975. Ele não tem vendedores e diz ser contra o uso de propaganda em seu ramo.
Sysocki conta que é do tempo em que se tirava a medida do morto. Hoje, além do caixão padrão com 1,90m de comprimento, vende muitos outros, na tentativa de ampliar o seu público. ‘‘É caixão para judeu, católico, evangélico, maçônico’’, explica enquanto aponta para um deles com uma pomba branca e uma mensagem da BÃblia.
No final da década de 1980, um pedido inusitado o levou a produzir uma nova série. A famÃlia de um torcedor do Paraná Clube queria o caixão do pai com o azul, vermelho e branco do time. Desde então, já fez alguns com as cores dos times da capital e de outros tantos. Cada um custa R$ 1.710. ‘‘Mas é exceção. A maioria sai com a bÃblia ou com a imagem de Cristo na tampa.’’
Sysocki é fã da dupla sertaneja Milionário e Zé Rico, e repete o estilo deles pintando a unha do mindinho direito de vermelho. Além da funerária, é dono do Cemitério Ecológico Jardim da Colina. Nos carros do empreendimento, a frase destacada é ‘‘Respeito ao ser humano e à natureza.’’ ‘‘Ecologicamente, é o mais correto possÃvel. As pessoas se preocupam muito com isso e ligam para saber o porquê do ecológico’’, diz.
Sysocki também é fã do Paraná Clube. Para o seu funeral, não tem dúvidas: vai de caixão tricolor. ‘‘As previsões são boas. Não bebo, não fumo. Então vai demorar. O meu time já está enterrado, mas meu desejo é um só: vou deitado com meu Paraná.’’
Cemitério tem telemarketing com 60 pessoas
À primeira vista, pode parecer um aviso aos apressadinhos no trânsito. ''Não tenha pressa, mas quando for vá de primeira.'' O anúncio em cada um dos 25 carros da frota do Cemitério Vertical tem outro objetivo. ''Usamos esse slogan para quebrar a idéia de que cemitério é triste. Com a comédia, rompemos a barreira'', explica Carlos Alberto Camargo, o diretor comercial da empresa. O slogan foi criado por seu sócio Nelson Fernandes e é utilizado desde a época da fundação, em 1989. ''Não somos publicitários. É algo do instinto mesmo'', comenta o diretor.
Camargo gerencia uma equipe de 60 pessoas no telemarketing. Quando entram, os operadores passam por um curso para saber o que e como falar. O público alvo é a partir dos 40 anos, mas as chamadas não são aleatórias. Como em outros tele-atendimentos, a equipe de Camargo liga para pessoas indicadas por amigos ou familiares que já são clientes. ''E como ligamos em nome de alguém, não é o cemitério que bate na porta.''
Um terceiro modo de chegar até o cliente é pelo PAP, o porta em porta. Porta aberta, os vendedores logo soltam a primeira fala. ''Responda se souber e se souber ganhe um brinde.'' Um papel com uma questão de múltipla escolha é entregue ao dono da casa em que opções para colocar o 'x' são duas. ''No Cemitério Vertical, os corpos são sepultados em pé ou deitados?'' Na ficha, também há espaço para colocar dados pessoais e um número de telefone. Na seqüência, um atendente entra em contato para combinar a entrega do brinde e oferece os serviços da empresa. A pergunta também circula a cidade em um pequeno caminhão, que ajuda a propagandear o conceito.
O Cemitério Vertical oferece um plano de assistência funerária familiar, que custa a partir de R$ 1.650, divididos em 36 vezes. Depois, se paga uma mensalidade de manutenção. ''Mas pode ser muito mais caro. Fazemos um cálculo atuarial, em que levamos em conta a idade dos envolvidos e de quanto vai custar o seu funeral.'' (R.U.)
Entre a ironia e o chavão
Ernani Buchmann, há 35 anos no mercado publicitário, nunca trabalhou em uma campanha de lançamento de cemitério ou de alguma empresa que ofereça serviços de assistência funeral. ''Só não aceitaria permuta. Iria querer receber à vista'', brinca. O publicitário diz que em Curitiba pouca gente já desenvolveu esse tipo de comunicação, por ser um mercado restrito e que anuncia muito pouco. ''E, em geral, o que se faz é de mau gosto.''
Alessandra Nogueira Saltori, diretora de criação da Ideale Comunicação e Design, teve a primeira experiência há pouco tempo, quando foi contatada pelo Crematorium Metropolitan. ''É um produto que é difÃcil não cair na ironia ou no chavão. Resolvemos puxar para o lado vendedor sem que a propaganda se tornasse agressiva.''
O spot, que está circulando em uma rádio da capital, finaliza com o slogan ''Tranqüilidade para quem fica'', que foi bem recebido pela direção da empresa. ''Pois o meu produto não é xampu ou celular, que são positivos e que permitem o uso de promoções. O meu produto é negativo e exige uma sutileza. Eu não posso anunciar uma promoção de lote até 31 de julho pela metade do preço'', completa Andrei Matzenbacher, diretor da empresa. (R.U.)
Urna ecológica
Se você já teve um filho e escreveu um livro, pode ficar tranqüilo, deixando a árvore sob responsabilidade dos descendentes. À venda na Funerária Paranaense, a urna ecológica, feita de fibras orgânicas, é biodegradável. Ela acompanha terra e sementes de árvores que dão flores.
Após a cremação, basta colocar as cinzas (que em geral chegam de 1,5 a 2 quilos) com a terra e as sementes e plantar a urna. Há dois tamanhos: pequeno (R$ 350) e grande (R$ 450). Se preferir deixar as cinzas na estante, uma urna de madeira em formato de enciclopédia sai por R$ 850. (R.U.)
Slogans
- ''A solução moderna para um velho problema'', do Jardim da Saudade, em 1969, quando introduziu o conceito de cemitérios-parque
- ''Tranqüilidade para quem fica'', do Crematorium Metropolitan, em spot que está sendo veiculado nas rádios
- ''Respeito ao ser humano e à natureza'', do Cemitério Ecológico Jardim da
Colina, divulgado nos automóveis da empresa
- ''Não tenha pressa, mas quando for vá de primeira'', do Cemitério Vertical, usado desde sua criação em 1989 (R.U.)
* Reportagem originalmente publicada no Caderno Curitiba do jornal Folha de Londrina, do dia 03/07/2008.
Veja como foi a produção desta matéria no blog Matérias Publicadas.
Rafael, muito bem apurado e escrito. E foi bastante útil pra mim, já que finalmente tive uma idéia do custo de uma cremação (não tinha coragem de perguntar por uma certa dose de medo mÃstico de atrair a dita cuja). Até que não custa uma fortuna, né? - pelo menos não tanto mais que o caixão, o "lote", a capela pro velório, essas coisa do cerimonial da morte (aliás, senti falta disso na matéria: não existe um serviço de cerimonial especializado, com carpideiras, decoração, rituais etc? taà um mercado potencial!).
Mas, cá pra nós, telemarketing já é demais! Já odeio telemarketing de qualquer coisa, de funerária e cemitério, então! Vade retro!
Cara Claudia,
obrigado pelo comentário.
Você está certa. Há uma série de serviços especiais, como uma revoada de pombas.
Saludos,
Rafael
O conteúdo é interessante, mas não seria o caso de se discutir a republicação de matérias "profissionais" no overmundo?
Evandro Bonfim · Rio de Janeiro, RJ 26/7/2008 13:17
Caro Evandro,
obrigado por seu contato.
Penso que o Overmundo é uma possibilidade de levar o texto para outras pessoas, pois, ao menos que se more no Paraná ou em alguns outros pontos de divulgação do jornal fora do Estado, não se tem acesso à sua versão impressa. Não está nos meus planos, porém, republicar todos os meus textos no Overmundo, apenas aqueles que eu acreditar possam trazem alguma curiosidade especial ou discussão relevante.
Um grande abraçO,
Rafael
Bacana, Rafael. E só para esclarecer: não há problema algum em republicar textos no Overmundo, contanto que seja com o consentimento do autor e do veÃculo original (se ele detiver os direitos). Justamente pela justificativa escrita pelo Rafael aà acima. Se tratarem de aspectos da cultura brasileira, estão no lugar certo. Abraços
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 26/7/2008 16:32
Rafael bela publicação! Mas o que hoje nao é especulado? Vender e vender mais caro nem que seja para a morte.
bjs
sinvaline
Olá, Rafael
bela matéria!
Aqui em Salvador, na época dos festejos juninos, é costume da população ir comemorar no interior do estado. Neste perÃodo, o cemitério Bosque da Paz criou uma série de outdoor orientando prudência na estrada... lembro bem de um: "Cuidado para não vir passar o São João no nosso interior". Eu achava meio bizarro, mas era impossÃvel não rir. Agora, vejo que a prática existe tb em outros estados.
Abraço,
Ana
Rafael, muito boa reportagem, se assim se pode dizer. Artigo
cheio de informações úteis, boas e até cultural mesmo. Este é o momento em que vivemos
abraço
andre.
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