A comemoração da Semana do Folclore no Memorial Serra da Mesa é algo que não pode ser descrito, só quem apreciou de perto pode dizer das emoções que reinaram no ambiente por três dias mágicos.
O primeiro dia foi repleto de apresentações das escolas municipais e estaduais, no espaço de vinte mil metros quadrados de construção as crianças e o grande público pareciam formiguinhas desfilando nas montanhas.
Cada escola trouxe uma história, uma música, uma dramatização ou simplesmente a exposição de seus trabalhos falando do folclore da região.
As oficinas embelezaram o espaço com a maravilha do artesanato, da construção sustentável, dos arreios e chicotes de couro, dos brinquedos antigos, era como se voltássemos no tempo...
No final da tarde começaram a chegar os Ãndios, os foliões, os catireiros e os músicos.
A noite os indÃgenas kariri-xocó fizeram seus cantos a luz da fogueira e assaram o peixe na vara, todo participaram e comeram peixe assado sem sal.
No segundo dia a festa começa bem cedo com o som dos assobios e músicas indÃgenas já no café da manhã. Logo chegam os ava-canoeiros já bem mais alegres e não tão arredios como antes.
O Memorial vai enchendo de foliões de várias cidades como Alto Horizonte, Crixás, Campinorte, Uruaçu e ainda com a beleza das fiandeiras fiando na roda e no fuso desafiando versos cantados e todos se misturaram numa grande festa.
O palco improvisado na Fazenda Tradicional ficou lotado, foi construÃdo bem de frente ao engenho onde uma junta de bois moia a cana e o público bebia a garapa. O tacho de cobre fervilhava com o melado dourado e bem ao lado o berranteiro soltava um som distante buscando a realidade passada.
Na casa da fazenda, Rosange vestida de senhora dos anos 50 pano amarrado na cabeça fazia o café torrado e moÃdo na hora lavando as xÃcaras esmaltadas na bica dágua que fazia socar o milho no monjolo.
O sanfoneiro toca forró no bordel e as moças dançam com os catireiros.
Momento solene quando as folias sobem ao palco e homenageiam seus foliões que partiram: Seu Adolfo de Alto Horizonte, Seu Quim de Crixás, Seu Dorvalino , seu Caxá e Seu Zé Gomes de Uruaçu. Enquanto eles improvisavam versos tristes, a imagem dos saudosos amigos eram bem vivas no telão.
Seu Café cantou chorando a saudade do amigo Adolfo enquanto o neto segura muito compenetrado a bandeira do Divino.
Nel vestiu a camisa e o chapéu do pai, e reverenciou ao Divino em homenagem a seus pais Quim e Ana Maciel.
Foi um momento único:
Apesar do sol e de muito calor enquanto todos cantavam um vento veio derrepente serenizando o ambiente e com um sopro de paz enxugou as lágrimas da Aninha, Nel, Jean, do Pedro e as de muitos ali deixando a certeza de que a vida é eterna e que os sonhos não morrem...
Logo depois a folia de Crixás apresentou a dança do Engenho novo, uma dança inédita onde eles imitam o trabalho dos dentes do engenho e vão se entrelaçando enquanto o músico acelera o ritmo até que eles se embaraçam.
- Meu engenho novo que mandei fazer, meu engenho novo de buriti, bota a cana e deixa rustir
Meu engenho novo de jacarandá
Meu engenho novo...
Vivi continua o clima contagiando com o som da sanfona pé de bode e todos querem aprender o chimite...
Inspirado pelo momento o indigena Wirary Tanoné toca violão e canta uma música que fala da natureza e o homem.
Iwai avá canoeiro pela primeira desde que foi resgatado das matas sobe ao palco e toca seu instrumento de uma corda só. Niwathima se alegra e puxa o irmão Trumack e o marido Tapirapé para o palco. O Tapirapé de cabeça baixa canta uma música de suas terras distantes e emociona a todos.
Trumack no violão toca Menino da Porteira , os foliões pegam suas violas e o ajudam e daà a pouco todo o público canta a música num grande coro.
Nesse momento vai chegando a turma da comunidade Pombal de Santa Rita do Novo Destino. Anaildes e seu grupo entram com os tambores de mais de 100 anos de existência e mostram a famosa dança do tambor voando as saias rodadas e os chapéus. Uma senhora exuberante no centro do grupo levanta poeira no giro equilibrando uma garrafa de pinga na cabeça...
A tarde ameniza o calor e todos assistem o filme da Mara Moreira “A teia do povo invisÃvelâ€, os ava-canoeiros compenetrados pediram para repetir, talvez ali pela primeira vez eles se conheceram mais.
A noite na cidade cenográfica ao som de música popular brasileira descansamos enquanto os indÃgenas incansáveis cantam e assam peixe na fogueira.
A lua prestigia o momento...
No terceiro dia o grupo de Congada de Niquelândia chega cedo com suas roupas brancas e os aparatos na cabeça lembrando os grandes guerreiros do passado. A congada desfila na fazenda, canta e encanta o público.
Para a despedida todos se juntam: foliões, fiandeiras, indÃgenas, público, funcionários do Memorial e iniciam uma grande procissão atrás dos indÃgenas cariri xocos que fazem o canto pedindo chuva.
No centro da aldeia indigena do Memorial, mesmo com o sol arregalado, suor escorrendo todos dançam em cÃrculos atrás dos cariri xocos pedindo chuva...
A festa pende para o final, despedidas de grupos, abraços, lágrimas e o que é melhor : a grande interação se fez entre todos.
Despede aqui, corre ali e cada um quer deixar sua palavra de amor de vontade de retornar...
Abraço Iwai e brinco:
- Me dá seu instrumento!
Ele sorri olha para os filhos e para surpresa de todos me entrega a relÃquia que agora é parte do museu histórico do Memorial Serra da Mesa.
Na kombi cheia de indÃgenas cariri xocos, olho para a guerreira Tanoné e digo:
- A chuva não veio!Ela sorri e diz:
- Espera um pouco, assim que nois tiver saindo da cidade, chuva chega!
E eles acenando se vão.
Na correria de final de festa tivemos que correr para guardar as caixas de som e outros materiais, olho para o Tal estendo o braço e ele confirma:
Infalivelmente depois de tantos meses de sequidão estávamos molhados de chuva!
De chuva e lágrimas...
Parabéns Sinva,
PArabéns pelo trabalho... só Você mesmo...
beijo,
andrea
Ah Sinva, como você traduziu bem, como despertou sentimentos adormecidos... rs Momentos inesquecÃveis... Muito, muito obrigado!
catengo · BrasÃlia, DF 1/10/2009 15:13
Já perguntou o que seria de Uruaçu sem você?
Lindo texto.
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