Por Daniel Munduruku
Tenho lido com acurada atenção os dolorosos, sofridos e belos poemas de Eliane Potiguara. Parece que mesmo que beleza rima com sofrimento! E não é apenas o sofrimento próprio, pessoal que ela revela, mas a dor que traz dentro de sua memória ancestral: é a dor do mundo indÃgena em sua heróica tentativa de manter-se vivo num mundo que é pura negação.
Eliane tem sido uma voz um tanto solitária dentro da literatura indÃgena desde a década de 1980 quando passou a publicar seus poemas para confessar a saga de sua famÃlia nordestina migrada e violentada em sua identidade e direitos. Foi a fórmula encontrada para dizer ao Brasil que sua gente é, sim, digna de respeito e consideração, mas que também é preciso indagar ao paÃs os motivos que o levaram a abandonar seus primeiros povos.
Ela pergunta num trecho do poema “Brasilâ€:
“O que eu faço com minha cara de Ãndia?
E meus cabelos
E minhas rugas
E minha história
E meus segredos?â€
É uma pergunta seca, sem rodeios e reveladora de uma dor profunda gerada pela ingratidão sentida pelo paÃs formado pelo “ventre que gerou o povo brasileiroâ€, mas que o abandonou a um destino cruel.
Embora haja muito de pessoal no seu dizer, Potiguara não fala de si, não reflete sobre sua própria história. Ela vai além para recordar que esta saga não está restrita ao seu povo e à sua famÃlia, mas se estende muito além de suas fronteiras e encontra entre as mulheres Yanomami, Tikuna, Makuxi, Cariri..., a mesma dor, o mesmo sofrimento, o mesmo ventre que pariu o Brasil e que hoje vive “órfãs de pais, órfãs de paÃsâ€.
Um outro tema bastante recorrente nas obras de Potiguara é o da diáspora . O termo já foi bastante usado por intelectuais do porte de Hannah Arendt ou Walter Benjamin ao falarem do holocausto do povo judeu e sua conseqüente dispersão pelo mundo fugindo dos horrores da guerra pessoal de Hitler.
Posteriormente o termo encontrou outros contornos e passou a designar processos históricos ocorridos em diversos lugares do globo especialmente na Ãfrica e América Latina sendo já utilizado em trabalhos antropológicos, historiográficos e sociológicos. O fato é que em Potiguara o termo aparece como tema a ser pensado num contexto iminentemente indÃgena nos oferecendo um olhar de dentro para fora. Eliane Potiguara foi vitimada por sua condição de mulher, indÃgena e filha de nordestinos e deixa transparecer seu grito e sua dor nos poemas que criou para dar vazão à sua diasporicidade, ao seu não-ser ou ao seu ser-negado. E em seus versos abre-se para solidarizar com todas as mulheres e homens indÃgenas que tombaram porque ousaram SER.
Tudo isso pode ser encontrado no lindo e melancólico livro que Potiguara escreveu e que tem o enigmático tÃtulo “Metade cara, Metade máscara†publicado pela Global Editora (www.globaleditora.com.br). O livro se insere numa série denominada Visões IndÃgenas cujo objetivo é apresentar à sociedade brasileira o pensar dos povos indÃgenas. É um texto que merece ser lido, destrinchado, devorado. É uma autêntica voz que se levanta no deserto e faz uma revelação (literalmente, tirar o véu) que pode nos fazer entender os duros caminhos trilhados pela população indÃgena brasileira no afã de manter “o céu suspenso†para si e para seus filhos.
E apesar dos versos carregados de dor, ouso dizer que Potiguara é uma pessoa muito otimista. Ela olha para o futuro sabendo que ele se constrói na constante fricção atemporal da memória: só existe um futuro porque há um presente que o projeta tendo como ponto de partida o passado, a memória. Eliane Potiguara já traz consigo o passado e domina o presente como uma guerreira que é. Isso a torna otimista e são os otimistas que provocam o futuro em construção.
Para encerrar esta provocação, descrevo o poema “Migração IndÃgenaâ€:
No teu universo de gestos
Teus olhos são mensagens sem palavras
Tua boca ainda incandescente
Me queima o rosto na partida
E tuas mãos...
Ah!...Não sei mais continuar esses cânticos
Porque a mim tudo foi roubado.
Se ainda consigo escrever alguns deles
Só é fruto mesmo da mágoa que me toma a alma
Da saudade que me mata
Da tristeza que invade todo o meu universo interno
Apesar do sorriso na face.
olá Daniel, adorei o texto , vc escreve fantasticamente. Parabéns e é uma honra ser citada por você. Eliane Potiguara
Escritora Eliane Potiguara · Rio de Janeiro, RJ 2/12/2008 15:27
A diáspora neo-feudal não escolhe etnias
Nosso feudalismo contemporâneo exclui e divide impiedosamente
Claro que em alguns nichos de injustiçados históricos se faz mais notável.
Esse livro é excelente e vale a pena ser lido e degustado. Boa a sua lembrança e chamada. Abraços.
Juscelino Mendes · Campinas, SP 2/12/2008 17:29
Ai Eliane, quase não iniciei a ler - olhando para voce, para o seu sorriso e os cabelos contrastando com o meu um tanto pichaim, marca das minha origens. Assim vivi e vivi, no Brasil, no único lugar do Brasil, de cabeceiras de Rios (Rio Parnaiba, no exemplo) com matas frondosas e onde chega já no século XVIII, sem cacique, sem pajés. Sabe por que?
- Todos mortos pelas bandeiras, os últimos por Domingos Jorge Velho rumando para Palmares, para matar negros depois de ter passado pelo Rio Grande do Norte e ter dizimado "aqueles malditos Ãndios JADAINS", no louvor de um bisto da época, constata o Prof. Decio Freitas.
Depois venho lhe ver mais
abraço
andre.
Desculpa Daniel, migrante é assim, quando encontra com suas ramas. Depois falo do teu texto, mas valeu a apresentação
abraço
andre.
Oi Daniel
Que grande e belo texto sobre a literatura da Escritora Eliane Potiguara a qual tive o prazer de conhecer e ouvir por ocasoão de sua Palestra em Manaus, no I Encontro de Escritores Indigenas, promovido pelo Flifloresta.
De fato Eliana é uma mulher de fibra, escreve como poucas e luta pelos seus direitos e por enaltecer o " pensar indigena"
Numa época em que o indigena esta perdendo a sua identidade, é de grande valia que venham mais e mais livros sobre a literatura indigena, para que não se perca uma cultura rica e original.
Seu livro é excelente e merece ser lido por todos
bjs
Ê Daniel, que alento nos traz mais uma vez a tua escrita-voz! Os Yanomami entre tantos outros Povos - profetizaram a umas três dezenas de milanos que se os pajés morrerem o apocalipse virá numa dessarumação de sóis, estrelas, céus e terras! Pois é, quanto vemos neste mundo hodierno e nefasto - pessoas que fazem das suas vidas o anúncio da palavra, da reverência, da celebração da tradição, dos valores dos ancestrais, confirmamos o valor de uma Eliane Potiguara e de uma Graça Graúna!!!
Tuas palavras - são istória a ser tocada sempre por aà afora! Aonde eu puder levá-la - lá ela estará como palavra sagrada - embora sendo de um homem, mas, encantada, e, por isso ,- a ser celebrada, de pé!!!
Abraço!
Sim. Bem vinda amiga irmã Potiguara. Com certeza temos muito a aprender com sua experiência e visão de Mundo. Sou Grato!. jbconrado.
ayruman · Cuiabá, MT 2/12/2008 18:15
Eliane e Daniel,
Metade Cara, Metade Máscara
Da tristeza que invade todo o meu universo interno
Apesar do sorriso na face.
Explanar sobre o próprio dano e o da história dos povos indÃgenas é muito sofrido, mas é na interiorização e na informação que resgatamos nossos valores humanos e propiciamos aos que não tem como lutar aesperança no presente e futuras gerações que terão ao seu alcance um
livro na biblioteca e conhecer e construir-se individualmente a história dentro de si e Educar...
Parabéns pelo livro e texto
beijos
Claudia
Parabens, Daniel pela divulgação do livro "Metade cara, metade máscara", da nossa Eliane Potiguara. Assim, a literatura indÃgena vai ganhando espaço e fazendo história. Existe uma diáspora indÃgena e Eliane mostra isso, claramente, dolorosamente em sua poesia. Paz em Nhande Rú, Graça Graúna
graça grauna · Recife, PE 2/12/2008 20:15
confesso que não conheço ainda a obra da poetisa, mas, o texto, os depoimentos ora postados até aqui e que li-os todos, me dão a segurança de afirmar que; é mas do que merecedora a divulgação da obra e a homenagem a quem divulga a saga da população indÃgena.
Parabéns Daniel Munduruku... Parabéns Eliane Potiguara... e atodos que abraçam as causas indÃgenas.
Abraço fraterno.
Silveira
Daniel Munduruku · Lorena (SP)
Metade Cara, Metade Máscara
Um Texto admirável, verdadeira aula de Antropologia e Sociologia.
Encanta porque náo se apresenta como superior e sim como que lutadores pelo direito da Igualdade.
Cada um de nos miscigenados ou mestiços nois achamos também com as caracteriosticas dos IndÃos na gente.
Os dominadores Colonizadores matavam muitos Ãndios e as indias ficavam tendo filhos miscigenados e nós estamos nestas linhagens com amor pelos nossos ancestrais.
Seja Bem vindo, Vamos ter maior amor e carinho no trocar experiéncias e sonhos de igualdade e Liberdade.
Parabéns pelo Trabalho táo Amigo.
Abracáo Fraterno.
ELIANE e DANIEL,
Emoção em dose dupla!
Flutuam em nós,ondas poderosas...
Energia de um povo,
Guerreiro e sábio!
PARABÉNS,
Todas as vibrações,
Positivas...
abraços,
Boa sorte!
Muito bom o seu trabalho. Eu não conhecia o trabalho de Eliane Potiguara. É interessante essas divulgações, pois, assim, passamos a tomar conhecimento de temas tão importantes da literatura brasileira. Principalmente da literatura indÃgena, que não é muito ou quase nada divulgado neste paÃs.
Parabéns!! Um belo texto.
Daniel bela apresentação do livro da Eliane, quero ler com carinho mais essa obra dela.
Parabens a Eliane e a vc
bjs
sinva
sinto-me lisonjeado pelo convite de Eliane Potiguara pra leitura do texto de Daniel Munduruku, sobre seu (dela) Metade Cara, Metade Máscara, pois apesar de não conhecer a obra de
Eliane me deparei com um texto rico de detalhes e muito bem conduzido em seus princÃpios
muito bom muito bom!
Daniel,
Escrever sobre Eliana Potiguara
é uma responsabilidade que você
soube bem o fazer.
Beijos e parabens pelo texto.
Regina
Muito bonito o texto. Parabéns!
MoÃna Lima
Parabéns pelo lindo texto!
Eliane Potiguara é uma grande guerreira e merece a homenagem!
Marcello Pereira BorghÃ
Beleza Eliane. Quero conhecer seus poemas.
Através da arte e da poesia resistimos e lutamos
por um mundo mais humano e solidário. Abraço.
parabéns daniel, pelo belo texto, vc escreve muito bem
samora potiguara · Rio de Janeiro, RJ 4/12/2008 01:03Paerabéns Daniel, o contexto é bem real!!!!
samora potiguara · Rio de Janeiro, RJ 4/12/2008 16:10
Assim, passando este pa`ssando este Brasil a limpo, como não voltar e votar?
Parabéns a Musa Eliane Potiguara e ao Guardião Daniel!!!
Relendo e deixando votos e beijos.
Regina
voto no texto do Daniel munduruku, pq ele é um grande escritor.
Escritora Eliane Potiguara · Rio de Janeiro, RJ 4/12/2008 18:11
Sim. Bem vinda amiga irmã Potiguara. Com certeza temos muito a aprender com sua experiência e visão de Mundo. Sou Grato!. jbconrado.
>>> Confirmando Voto.
Confirmo meu voto ao texto em homenagem a Eliane Potiguara.
Marcello Pereira Borghà · Rio de Janeiro, RJ 4/12/2008 18:19
Parabéns Eliana Potiguara sucesso e muita luz.Belo texto Daniel
muita insparação pra ti.Beijos
Claudia
A Banda larga está caindo...
Votado, com muito gosto.
Vida longa para a poesia e a arte que expressa nossa alma mestiça e linda, de tanta ancestralidade.
"... já tÃnhamos a lÃngua surrealista. A idade de ouro."
Oswald de Andrade
Daniel, primeiro foram os nordestinos a serem vistos lá antes entremeando o teatro de costumes, a tornar seus valores, suas resistências, suas desventuras, e suas resignações e eles mesmos entrando a contar, a escrever as suas sagas mais também o âmbito dos seus valores culturais;
no entremeio vieram os negros, e começa lá antes, muito antes, com Vitoriano (negro sem sobrenome) encantando o Mundo, (inicio do séc. XVIII) dando forma, vida, dança, movimento, cor, brilho a Tamarleão da Pércia, no nascente Garimpo de Mato Grosso. Em seguida entrando, mantendo, ressuscitando suas artes, suas crenças que nunca morreram.......;
agora o indÃgena quase ressucitado, "invadindo" searas tantas,
isto, o teu escrito, o livro da Eliana, está até está me animando
a postar aqui, velhas investidas, sobejo de pesquisa extamente sobre o Ãndio, sobre a ESCRAVIDÃO INDÃGENA, fato ainda mantido em SEGREDO DE ESTADO, pelo estado brasileiro. Ontem proibido, hoje assunto asfixiado pelas chaves do cofre,
tudo isto para quebrar o lacre do secreto.
Mas vale, sim
abraço
andre.
VOLTANDO,
E VOTANDO!
Sucesso...
Abraços todos.
O texto não é provocação ele é constatação, pois trata da verdade nua e crua, que aos sentidos/olhos e versos de Eliane Potiaguara são transcritos trazendo a ternura aqui declamada por você.
Obrigado pela dica vou tratar de ler rapidamente.
texto intocável, belÃssimo, parabéns.
votando atrasado, abraçossssss
Não li o livro, pois na minha cidade não tem onde comprar, mas lendo o artigo fiquei com "água na boca". Espero ter oportunidade de degustar a poesia de Eliane Potiguara em Metade Cara, Metade Máscara.
Dutra · Granja, CE 6/12/2008 16:36
Daniel, muito bom o seu texto para nos apresentar o livro da Eliane. Parabéns a você e a ela.
abs
coloquei esse link no meu perfil do overmundo, beijiiinn
Escritora Eliane Potiguara · Rio de Janeiro, RJ 16/12/2008 08:29
Daniel Munduruku · Lorena (SP)
Metade Cara, Metade Máscara
Com todo carinho somando a nossa admiracáo, respeito e amor por este nossa gente táo querida e Heróica Potiguara.
Parabéns pelo Trabalho.
Abração Amigo.
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