Sigmund Freud e Jean Piaget. Referências Balizadoras.
Os estudos na área da sexualidade humana desenvolvidos por Sigmund Freud, evidenciam a necessidade de compreensão das diversas fases da construção da sexualidade infantil, sendo obrigação da escola estar informada destas ocorrências e as professoras habilitadas para compreender as diversas manifestações que irão ser exteriorizadas pelas crianças e não reprimi-las, ao contrário, permitir e orientar evitando, claro, os excessos. Segundo ele a partir do período do nascimento até à fase da puberdade, o sexo age de modo latente como um norte das estruturas da personalidade que irão se consolidar na fase adulta.
Ele chama estas fases de desenvolvimento psicossexual, e nos diz que a libido situa do nascimento a puberdade três etapas gradativas, representativas do grau de maturação sexual da criança e que marcam o início da vida sexual do ser humano: fase oral, fase anal, fase fálica. Depois, vem a puberdade. Estas etapas variam de início, fim e duração de indivíduo para indivíduo.
O período inicial é a primeira fase desse amadurecimento e está direcionado para o próprio corpo. Ao nascer, o bebê perde a relação simbiótica que possuía com a mãe iniciando sua adaptação ao meio. A libido está organizada em torno da zona oral e o tipo de relação será a incorporação: a criança incorpora o leite e o seio, e sente ter a mãe dentro de si.
Ainda na primeira fase, dos dois aos três anos, a libido passa da organização oral para a anal. O controle muscular amadurece neste período em que o controle dos esfíncteres torna-se mais evidente, juntamente com o sentido de propriedade relativo a seus pertences. Consolida-se aí o andar e o falar.
A partir dos quatro anos a libido passa a se localizar nos órgãos genitais. É natural nesta fase um grande interesse pelos órgãos genitais e a masturbação freqüente. A criança fixa a sua atenção no genitor do sexo oposto, num sentido evidentemente incestuoso. É a fase edipiana, quando forma-se na criança uma espécie de busca de prazer junto ao sexo oposto. O menino fixa-se na imagem da mãe, e a menina na do pai.
O encerramento deste ciclo coincide com o período de conclusão da educação infantil, a partir de sete anos. Este é um período intermediário entre a genitalidade infantil e a adulta e nele não há nova organização de zona erógena.
Se até aí o desenvolvimento das sucessivas fases de amadurecimento sexual for respeitado, a criança seguirá seu curso normal entrando numa fase chamada período de latência, quando ela irá sublimar as atenções da área sexual e estará mais apta a adquirir novos conhecimentos através do amadurecimento intelectual esperado neste período, que irá até aproximadamente os doze anos, início da puberdade. A partir daí a libido toma direção sexual definitiva.
Já Piaget classificou quatro estágios no desenvolvimento do raciocínio humano, que iam do nascimento até o fim da puberdade e conseqüentemente ao início da adolescência, que se sucediam de acordo com as fases do desenvolvimento físico. Após observarmos a classificação de Piaget, poderemos concluir que a sua classificação coincide com as observações de Freud, e poderemos constatar que além do desenvolvimento do raciocínio e do físico, correspondem também às citadas etapas, ao desenvolvimento psicossexual. No nosso caso nos interessa principalmente a concordância entre o período de latência de Freud e o terceiro estágio de Piaget. Vejamos.
Ao primeiro estágio Piaget chamou sensório-motor. Ele corresponde aos dois primeiros anos da vida e caracteriza-se por uma forma de inteligência empírica, exploratória, não verbal. A criança aprende pela experiência, examinando e experimentando com os objetos ao seu alcance, somando conhecimentos.
No segundo estágio, que ele chamou pré-operacional, e que vai dos dois anos aos sete anos, os objetos da percepção ganham a representação por palavras, as quais o indivíduo, ainda criança, maneja experimentalmente em sua mente assim como havia previamente experimentado com objetos concretos.
No terceiro estágio, dos sete aos doze anos, as primeiras operações lógicas ocorrem e o indivíduo é capaz de classificar objetos conforme suas semelhanças ou diferenças. No quarto estágio, dos doze anos até a idade adulta, o indivíduo realiza normalmente as operações lógicas próprias do raciocínio.
Se cruzarmos as conclusões de ambos , verificaremos que a concordância entre o período de latência de Freud e o terceiro estágio de Piaget reforça a importância deste período no processo de desenvolvimento acentuado do intelecto. À ausência da fase de latência substituída pelo interesse sexual prematuro podemos chamar dentre outras expressões de queima de etapa. É função da educação infantil contribuir para que o aluno chegue à esta fase sem a erotização precoce, que, se presente irá desviar a atenção que deveria estar voltada para o aspecto intelectual, para a área sexual, mudando então o foco de interesse e prejudicando o aprendizado.
Não é demais relembrar que, quando Freud e Piaget se referem as características de uma determinada faixa etária por exemplo, “dos sete aos doze anos”, nós não devemos perder de vista uma certa flexibilidade no sentido deste momento poder ser um pouco antes dos sete, ou um pouco depois dos doze a depender do grau de maturação da criança, variando pois de indivíduo para indivíduo e que é influenciado por diferentes variantes sócio-culturais.
A Força e o Poder da Mídia
A televisão tem nos dado exemplos desta queima de etapas. O programa infantil Disney Club muito assistido pelo público infantil na década de 90, por exemplo, usava um jargão que dizia: “não somos crianças somos ultra-jovens” que é repetido diariamente, e apresentado pela Turma do CRUJ – Comitê Revolucionário Ultra Jovem. Ele traduz de forma clara o desejo de anulação da infância e projeção precoce da criança no mundo adulto.
Neste contexto, a escola e a família têm uma influência direta e simultânea na orientação a ser dada à criança. A responsabilidade ou ação de uma não exclui nem concorre com a da outra. Antes, elas se complementam. Apesar de não caber a escola o papel de impor regras ou valores sejam morais, religiosos ou sexuais, ela eventualmente precisa se contrapor as normas colocadas pela família. Deve-se, porém não perder de vista que, cada família tem uma história consuetudinária, econômica e política intimamente ligada ao tempo e espaço onde criaram suas raízes. Isto deve ser levado em conta quando a escola propõe qualquer projeto de educação, especialmente os ligados a área da religião e da sexualidade.
Apesar de se entender que a história familiar é fundamental para se entender dentro da escola os padrões de comportamento dos alunos, ela não é dinâmica e atualizada, por isso deve ser motivo de preocupação da escola as recentes e marcantes mudanças pelas quais passam as famílias e a sociedade como um todo. Elas têm sido causas de profundas mudanças nos papéis e valores muitas vezes equivocados, questionáveis ou totalmente condenáveis. São situações extremamente delicadas que exigem lidar com muito tato.
A família que ama, acolhe e protege é a mesma que reprova, castiga, fantasia e critica usando desde as formas mais ostensivas como o castigo físico e reprovações verbais públicas, até as mais sutis como a definição de papeis sexuais, transitando livremente pelos tabus, preconceitos e omissão, colocando a idéia do sexo como algo ruim, vergonhoso, sujo e passível de punição. “Pecado original”.
No que pese reconhecermos ser responsabilidade da família e não é da televisão nem do rádio, a seleção do conteúdo a ser visto e ouvido pela criança, não podemos deixar de registrar a omissão da escola e a indiferença da mídia e do governo em relação à questão, que possibilita a divulgação do imenso manancial de mediocridade presenciado diuturnamente.
Um freqüente bombardeio de informações através de livros, revistas, jornais, propagandas e os amigos, alheios e indiferentes a escola e a família, exercem um poder muito grande de formação de opinião e são decisivos na construção da erotização precoce e a gradativo encolhimento do período da infância.
A mídia, com especial destaque à televisiva, trata indistintamente todas as faixas etárias. Temas, conteúdos e comportamentos antes restritos aos adultos, são expostos em horários freqüentados por crianças de todas as idades. Cenas eróticas, crimes, guerras, intolerâncias raciais e religiosas, corrupção; as crianças são literalmente expulsas da infância e projetadas na idade adulta.
Um dos mais influentes meios de repasse de valores é sem dúvida a música. Ferramenta das mais importantes na educação infantil, através dela podem ser repassados conhecimentos conceitos e valores, desenvolver-se aptidões e estimular-se a afetividade, interagindo destarte nas três áreas de atuação da educação formal: a afetiva a cognitiva e a psicomotora. Ela tanto pode ser tradicional, quando se origina do folclore ou da cultura popular ou erudita (pertencente ao universo escolar), como é o caso da obra do professor baiano Antônio Luiz Ferreira Bahia, na área de Educação Física Escolar.
A música, como também outros instrumentos de educação, influi diretamente no desenvolvimento da imaginação infantil, remetendo a criança a um universo paralelo que serve de referência para a solução de seus conflitos pessoais e interpessoais através da solidificação e porque não dizer também, da construção de conceitos e normas de conduta para si própria e em relação ao próximo.
Por isso é necessário oferecer em casa e na escola um repertório musical adequado sem espaços para a programação de baixo nível exibida nos meios de comunicação, o que só será atingido através de um esforço social coletivo tendo a frente a família e a escola que juntas podem viabilizar uma ação sócio-política neste sentido.
Quando a família se coloca contra esta mediocridade dizendo às crianças o que é ou não correto, e selecionando a programação que ela pode assistir, ajuda a desenvolver o senso de autocrítica que possibilita a capacidade da própria criança poder selecionar o que deve ou não ver e ouvir. Família e escola devem ser pontos de referência dos valores éticos e morais para seus alunos, que façam frente a este padrão permissivo dominante. Sem falso moralismo.
Um processo educativo deve incluir a discussão desse padrão, fruto da cultura de massa que induz ao consumismo e cria imagens de referência, como modelos instituídos para um corpo de artista, ou adequados apenas à estatura que não se tem, pertencentes a “grifes”, etiquetas e marcas da moda, relegando a segundo plano os caracteres e atributos herdados de cada família e o bem-estar pessoal. (FAGUNDES,2004)
A massificação imposta pela mídia, induzindo-nos a um padrão estético de “gosto musical” homogêneo e a consumir a chamada Axé-Music, o Pagode, o Arrocha dentre outros “ritmos da moda” e todas as implicações e variantes decorrentes de tais estilos. Recordo-me de um artigo lido no vespertino soteropolitano A Tarde, tratando da sexualidade, exaustivamente explorada pela mídia na nossa sociedade, que atinge indistintamente todas as camadas sociais e faixas etárias e falando sobre a cultura do “bumbum”, duramente criticada por Fernanda Abreu e Gabriel o Pensador no seu CD que leva o nome da faixa Nádegas a Declarar.(vale a pena ouvir).
A exposição midiática massificada de símbolos sexuais direcionados ao público infantil, privilegia a sedução como ferramenta fundamental para alavancar as suas vendas, aspecto inerente e peculiar da sociedade de consumo. Foi inevitável estabelecer uma relação entre estes aspectos e o comportamento das nossas meninas usando a partir da educação infantil as roupas de Tiazinha os tamanquinhos de Carla Perez, sandalinhas de Xuxa ou de Sandy de salto alto, totalmente inadequadas para essa faixa etária.
A inadequação do uso de salto alto pelas crianças - se formos considerar apenas os perigos de traumatismos ósteo-articulares - se dá pelo fato de estarem com seu sistema músculo-esquelético em formação, com uma maior predominância de tecido adiposo em relação às outras partes e precisarem, para usá-las, ficar com os pés em posição forçada, apoiando-se na sua parte anterior, (antepé), transferindo para frente o centro de gravidade e gerando consequentemente uma má postura com todas as suas implicações.
Este tipo de calçado, favorecendo o desequilíbrio, pode ainda provocar quedas e/ou entorses na articulação do tornozelo durante as suas correrias no recreio, tão natural nesta idade. Sei que o apelo comercial é forte e elas ficam umas “gracinhas”, mas cumpre-me o papel de alertar quanto ao perigo em potencial do uso de tais peças.
Atualmente não existe mais moda infantil. A moda infantil é a mesma moda adulta em miniatura, e a própria mãe é promotora desta queima de etapas, fazendo muitas vezes uma projeção na sua filha do que ela queria usar, mas não pode, porque o padrão estético em vigor não permite que ela exponha seus culotes, celulites ou barriga avantajada. Da mesma forma o pai incentiva seu filho a “consumir” os símbolos sexuais em evidência para compensar a sua baixa auto confiança sexual e evidenciar o seu machismo. Agindo assim, a família vai de encontro a uma assertiva de Piaget que assegura que uma criança não é um adulto em miniatura e sim um ser próprio com suas características e necessidades.
Sabemos que as crianças não são seres assexuados como se pensava antigamente, mas, a iniciação sexual precoce, pode ser incentivada através de hábitos aparentemente inocentes como as “danças” de pagode, os “funk” do tipo tigrão, a deprimente e lamentável “egüinha pocotó” e mais recentemente o lascivo “arrocha”, subproduto do bolero.
Estes ritmos praticamente só abordam temas eróticos da forma mais vulgar possível, induzem ao consumo de roupas que “valorizam” o corpo, ao mesmo tempo em que exploram comercialmente suas peças de vestuário, adornos e acessórios. Os personagens que veiculam esta ideologia são protagonizados por apresentadoras de programas infantis, e as sedutoras Carla Perez, (protótipo da “gostosa”, com suas botas e roupas sumárias), Tiazinha (sadomasoquista com suas armas, máscara e chicote) e a Feiticeira (misteriosa, com seu véu sensual), Xuxa (eterna adolescente, felizmente em franca decadência) todas convenientemente fabricadas pela mídia, trazendo em seus personagens ainda o ingênuo ou malicioso perfil da sensualidade.
Elas protagonizam a exploração fetichista dos seus adornos, acessórios e indumentárias, a exposição e o exibicionismo do corpo como carne em balcões frigoríficos do supermercado estrategicamente associados à aura de pureza e ingenuidade quase pueris que deixam transparecer, incentivando de forma ostensiva a erotização precoce das nossas crianças.
Tais modelos estéticos representados nos anos 80 principalmente por Xuxa e os Menudos e nos anos 90 pelas outras acima citadas, vêm queimar etapas importantes do desenvolvimento infantil, acelerando a chegada da puberdade e contribuindo para a banalização do sexo. Queimar etapas gera frustração, e faz com que, quando adulto, o indivíduo fique tentando em vão recuperar o tempo perdido.
A assimilação destas danças e ritmos se pode observar nas festas de aniversário, incentivadas por “animadores” e comemoradas pelos pais. Aliás, o conceito de festa infantil vem gradativamente se transformando, e é cada vez mais ocorrente o tipo de festa “boite infantil”. Pode? Aliado a estes aspectos negativos de cunho sexual, ainda tem o incentivo da violência explicita, consentida e comemorada contra a mulher, protagonizada pelos “tapa na cara” e os “tapinha não dói” dentre outras mediocridades.
Outro aspecto importante vem das expressões contidas nas “letras” das “músicas” como: “vou pegar você na cama e fazer muita pressão”; “tudo que é perfeito, a gente pega pelo braço, joga lá no meio, mete em cima mete em baixo”, e outras, que por incrível que pareça, são bastante piores e não cabe citá-las aqui. Merece destaque também os termos depreciativos usados pelos “artistas” para designar e “elogiar” a mulher como: cachorras, poposudas, potrancas...
Estas declarações de animalização, submissão, agressão e vulgarização da condição feminina, ensinam aos meninos que eles devem vê-las, tratá-las e usá-las como meros objetos de prazer (consumo), inferioridade e sadismo (violência física), pois, tudo isto é legitimado e reforçado quando é bem visível a imagem delas próprias cantando e coreografando estes refrões, portanto, concordando implicitamente com tudo.
Os homossexuais também são tratados da mesma forma. Recentemente em Salvador o grupo de “pagode” abaixo citado protagonizou esta letra de caráter evidentemente homofóbico:
Bicha, bicha
Passe a mão na bicha
Bicha, bicha
Sambe com a bicha
Bicha, bicha
Esse cavalo é égua
Baixo astral, baixaria
(Grupo Saiddy Bamba, 2004)
Outra lembrança que tive é o fato das crianças virem maquiadas para a escola, o que, apesar de ser ”engraçadinho” também conduz a vulgarização da condição sexual hoje em dia levada a cabo pela moda, e estrelas do mundo artístico. A aceitação passiva destes desvios pela escola, a transforma em mais um espaço que legitima signos que vulgarizam a condição sexual.
Estes apelos eróticos trazem graves problemas a curto e médio prazo, às vezes materializados por uma iniciação sexual precoce, que pela inexperiência dos parceiros pode conduzir a uma DST, gravidez indesejada na adolescência, AIDS, aborto ou outros tipos de problemas, ressuscitando a mulher objeto e jogando na lata do lixo, valores construídos com muito sacrifício pelas mulheres nas últimas décadas. Isto sem falar na decepção que pode ser gerada por envolvimentos superficiais quando se “fica”, tipo de relacionamento peculiar aos “artistas da moda”, onde é recíproca a falta de afeto e o respeito.
Oi Acurcio,
Alguma sugestões para o seu texto:
No final do texto sobrou muitas linhas em branco criando um buraco.
Vale a pena deixar linha em branco entre cada parágrafo pra "arejar" um pouco a matéria.
O título fica mais bonito se você digitá-lo em "Caixa Alta e Baixa".
Abraço!
(P.S.: A reedição pode ser feita clicando no pequeno lápis que aparece na linha do seu nome..)
Grato pela informação. Como o artigo é muito grande tive que postar em três partes. você viu?
Acúrsio Esteves · Salvador, BA 8/5/2007 10:08
Olá Acúrcio, gostaria muito de falar com você sobre seu artigo, estou fazendo uma pesquisa com este mesmo enfoque e gostaria de vc se aprofundou mais neste assunto, se já publicou alguma coisa a respeito, etc...
aguardo sua resposta.
Obrigada,
Eliete
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