Quem passou perto da Funarte no sábado (02/09) por volta das dez da noite deve ter se assustado. De lá vinha um tremor que se alastrava pelo chão em todas as direções. Mas calma! Não era um terremoto no Planalto Central, era Mestre Salustiano que se apresentava na sala PlÃnio Marcos, absolutamente cheia de gente, que em sua maioria dançava hipnotizada pela música e energia que enchiam o ambiente.
Mas o Festival BrasÃlia de Cultura Popular teve muito mais. Desde o fim da tarde a batucada já ecoava. Um grupo de pessoas começou a batida em frente à sala PlÃnio Marcos - desconfio que era um misto dos participantes do festival – que foi aumentando e tomando corpo conforme mais espectadores, dançantes e músicos se juntavam à brincadeira. Havia pessoas que dançavam com toda graça e facilidade, já familiarizadas com a marcação. Outras, não tão familiarizadas com o maracatu, também não conseguiam ficar paradas e dançavam em seu ritmo próprio. Algumas ficavam olhando atentas, mas não se arriscavam a dançar. Grupos de conversa também se formavam pelo gramado. Esses foram um dos únicos padrões durante a noite: diversos modos de interagir/reagir com as apresentações.
Por causa do tempo meio chuvoso - com exceção dessa batucada descontraÃda que aqueceu os músicos e o público - as apresentações de sábado ocorreram dentro da sala PlÃnio Marcos da Funarte.
A voz do Seu Teodoro ecoou pela sala enquanto, sem cerimônia, crianças brincavam no palco com o boi. Dali a pouco já havia várias pessoas junto com a banda ocupando o espaço, tentando aprender os passos que as meninas enfeitadas com penas ensinavam, tornando o público também parte do espetáculo. A batucada e a história entoada por seu Teodoro continuavam a ecoar – e com que felicidade ele dançava e interagia com os novos integrantes do espetáculo! Fazia parecer até fácil dançar e cantar com aquela enorme fantasia. Ainda bem que seu Teodoro veio para BrasÃlia! Ele chegou do Maranhão nos tempos da construção, em 1963, e desde então mantém a tradição do bumba-meu-boi na cidade. Hoje o Bumba Meu Boi do Seu Teodoro é Patrimônio Cultural Imaterial do Distrito Federal e o grupo tem em torno de 40 pessoas (fora o público!).
Agora é o momento em que me faltam palavras e por isso vou apenas compartilhar minhas sensações. Pouco depois do Bumba Meu Boi do seu Teodoro deixar a sala, percebi que estava pendurado sobre o palco, do lado esquerdo, um enorme (longo) feixe de tecido amarelo que descia até o chão; suspenso sobre o palco, do lado direito, um longo cordão que terminava em uma argola – esta bem grandinha também. E ali, como que materializadas, duas acrobatas! Cada qual com colantes e maquiagem combinando com seus respectivos pano e argola, de tal modo que não distinguÃamos o que era gente do que era objeto. Simplesmente lindo! Eram as meninas do Circo Payassu que dançavam ao som de Ventoinha de Canudo, grupo composto por quatro pÃfanos, caixa, zabumba e prato. Nesse momento eu desci feito louca para a margem do palco para tentar bater fotos, quis chorar por não ter uma câmera e nem experiência na arte da fotografia para poder captar fielmente a mágica do que estava acontecendo. Minha adrenalina atingiu o máximo e confesso não ter conseguido fazer minha audição e visão funcionarem juntas, não lembro da música! Só me lembro das acrobacias, da coreografia aérea que faziam e de como ela seguia perfeitamente o ritmo da música. Como se já não bastasse, a malabarista que estava no pano amarelo surgiu no chão (digo surgiu porque não a vi descendo nem caminhando até o outro lado do palco) embaixo e ao redor da malabarista da argola branca fazendo um espetáculo com fogo, a junção foi a medida certa de cores e sincronia. Hipnotizante! E eu lá com uma câmera de celular tentando captar tudo! Já não pensava em mais nada, só que eu tinha que registrar aquilo tudo, não só eu pensava isso, porque ali em volta havia mais umas cinco pessoas-câmera. Foi quando me dei conta de que havia se formado uma grande roda de pessoas no palco para brincar também... foi encantador!
Depois disso eu pensei: ainda tem Mestre Salustiano e a Rabeca Encantada, eu preciso de uma máquina melhor e que alguém que tenha mais intimidade com câmeras tire as fotos para que eu possa curtir mais o espetáculo, senão vou ter fotos, nada a dizer e minha cabeça vai fundir com tanta informação! O Daniel Duende foi comigo ao Festival, desde o fim da tarde estávamos dividindo as impressões, a câmera de celular com a qual eu tirava as fotos é dele, e durante a batucada fora da sala PlÃnio Marcos ele tirou fotos enquanto eu dancei até meu limite - aqui quero deixar meus agradecimentos a ele por me ajudar, tanto nas fotos quanto na companhia. Fomos então pegar uma máquina melhor e ele ficou encarregado de tirar as fotos durante o espetáculo do Mestre Salustiano. Eu queria dançar!
Se antes o público já era grande o bastante para tomar o palco, pense que a essa altura da noite o público havia triplicado! Mestre Salustiano era aguardado como o grande evento da noite. Sem desmerecimento, mas é que Mestre de longe... lá de Aliança, zona da mata norte de Pernambuco. O chão tremeu, literalmente; o pequeno grande Mestre Salustiano sumia no meio de tanta gente, mas a música preenchia tudo! Cada um sentiu a beleza da sua voz e da sua rabeca, foi de arrepiar, de dançar, de sorrir... Os grupos de dançarinos se alternavam, os trajes e os ritmos também, era festa! Só as roupas tÃpicas e os instrumentos diferenciavam os integrantes da trupe do Mestre Salustiano dos festejantes que os cercavam. Formaram-se pares de dança e ninguém ficava parado. Confesso que não sabia se dançava, se tentava tirar fotos ou se saia do palco para observar tudo lá de cima, fiz de tudo um pouco e a energia da noite foi das melhores! Não há muito como explicar, mas o desejo era de que não acabasse. E não acabou! Foi o tempo de uma noite para descansar, porque domingo teve mais...
Quem se dispôs a ir sábado não desanimou por conta da chuva, mas domingo não chovia e a festa foi no gramado. A quantidade de pessoas era incrivelmente maior e a energia do ambiente era outra, nem melhor nem pior, só outra.
Cheguei um pouco antes do Maracatu Rural Piaba de Ouro e Mestre Salustiano começarem a tocar. Acho que era Cacuriá Filha Herdeira que tocava a última música enquanto eu andava do carro até o gramado. Fui dançando até chegar onde estava aglomerado o povo, mas já era tarde, não consegui ver esse grupo tocar. Fiquei meio triste, mas a quantidade de brilho e cores que ocupou o gramado em frente ao palco me animou... era a Piaba de Ouro! E lá estava Mestre Salu no palco com a sua rabeca na mão e o seu sorriso no rosto! Parecia o carnaval que BrasÃlia nunca teve! A mistura de cores dos vestidos rodopiantes das meninas me fascinou: verde, azul, vermelho, vinho, preto, todos bordados de colorido e prata ou dourado. E a voz anunciando: “Eu só ando com a Piaba de Ouro, sou Mestre Salu tocando maracatu no meio do povo!†e a densidade do povo aumentava! Todos tentando ver a dança dos integrantes da Piaba e as cores se misturando; de longe dava para ver o estandarte, parecia um arco-Ãris! Fiquei novamente hipnotizada! Tenho um fraco pelo que é colorido... E a voz do Mestre pedia: “Quero ver as meninas dançando...†e precisava pedir? Quem queria ver dançava mais quietinho – o espaço era pouco – mas quem se contentou em ver de longe teve espaço de sobra! Cada um a seu modo curtia o espetáculo.
A noite ainda contou com palhaços e forró. Tudo muito clássico! Os palhaços com as brincadeiras clássicas e o forró clássico de BrasÃlia: Pé de Cerrado. A banda cantava: “Eu sou marinheiro das águas, eu venho do alto-mar; abre as águas, deixa o meu navio passar.†Mar no cerrado só se for de gente! E foi o que teve no Festival BrasÃlia de Cultura Popular: um mar de gente, muita música, muita brincadeira, muita coisa boa! Ainda teve Coco RaÃzes de Arcoverde, a batida do bumbo fazia pular até os mais tÃmidos e os mais cansados (era o meu caso). Nesse ponto da noite eu já estava sentada longe do palco e do mar de gente, pensando se ia embora ou esperava o Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro – que foram os idealizadores do evento, mas a batida era tão boa que eu levantei e gastei minhas últimas reservas de energia para dançar o Coco RaÃzes! Uma das apresentações que eu mais queria ver era a do Seu Estrelo, que eu já conheço e adoro! Mas não consegui ficar mais... fui embora exausta depois do Coco.
Fui... mas já ansiosa pelo festival do próximo ano – acho que consigo recuperar minhas reservas de energia até lá – pensando numa frase do Mestre Salustiano: “Se Deus não me tirá a vida, próximo ano nóis vem pra cá!†Venha sim! Eu e BrasÃlia agradecemos sua vinda esse ano e esperamos a próxima!
Eu sei que ficou longo, mas eu não saberia falar menos...ainda vou colocar as fotos num local virtual, para que quem tiver interesse possa acessar, foi meu primeiro texto pro overblog e adoraria receber sugestões...
Ana Cullen · BrasÃlia, DF 6/9/2006 00:56
Hey Aninha... o texto ficou maravilhoso! Parabéns!
Parabéns também pela escolha de fotos (eu quero ver todas depois! suba-as para o seu flickr e passe o endereço aqui quando puder!)
Parabéns mesmo! Este texto merece ser capa do Overmundo. Está longo, mas completo e humano! Adorei!
Só uma dica...
Salta uma linhazinha entre os parágrafos, para deixar o texto menos "monolÃtico". A estética fica mais agradável. De resto, ele está impecável!
Abraços muitos do Verde.
Obrigado por documentarem o Festival na internet. Estamos com um site praticamente inutilizado e é bom ter o que linkar. :) Vocês são o casal do meu coração. Até mais ver.
Daniel Pádua · BrasÃlia, DF 6/9/2006 16:30
HeeeeeeÊ! Ó o DPadua aÃ, gente! :)
Nós é que agradecemos a você (e a todo o pessoal da organização, do Seu Estrelo, e quem mais estiver envolvido) pelo festival bonito e colorido que vocês ajudaram a acontecer. Vocês estão de parabéns também!
Abraços do verde....
p.s. já já as fotos novas estarão no Flickr. se der tempo a gente ainda coloca os links aqui na matéria...
Lindo seu texto! Não consegui parar de ler: o seu entusiasmo é contagiante! Dá até para a gente se sentir lá. Quem estava, com certeza, reviveu os momentos, quem não estava, como eu, sentiu o gostinho... e ficou com vontade de ter ido.
Merece apenas umas pouquÃssimas correções ortográficas. Até mesmo o atropelo na potuação deu graça e estilo ao texto, meio sem-fôlego-de-tanto-entusiasmo-que-nem-dá-pra-parar-pra-pontuar. Parabéns! Fotos fantásticas também!
Lindona, texto prá lá de bom. Grande, mas ideal para um grande evento. Poderia ser até desmembrado em vários outros, mas esta visão panorâmica mostra uma percepção apaixonada das coisas.
Thiago Perpétuo · BrasÃlia, DF 8/9/2006 12:05
Hey, parabéns por ter chegado à capa, Aninha! :)
A matéria está mesmo muito boa.
Abraços do verde.
Gostei muito da maneira como você foi pouco a pouco se colocando no texto: começa objetivo e jornalÃstico e termina completamente subjetivo e afetivo. É mais ou menos o que acontece comigo nas fortes manifestações culturais: começo assistindo e de repente caio de quatro!
Parabéns!
Menina que texto tão gostoso de ler e como dá um orgulho danado ver que essas manifestações de cultura popular sobrevivem e fazem tanto sucesso por onde passam.
Maria Socorro e Silva · Rio de Janeiro, RJ 8/9/2006 15:58
:oD
Valeu Duende, Denise, Thiago, Cris, Maria e Edgar!!! Eu realmente me empolguei no Festival, mas estava meio ansiosa quanto ao texto...
Pádua, o Duende disse tudo, obrigada a vcs por possibilitarem nosso contato com tanta coisa boa! Você é o doidinho do nosso coração também!
Ana Cullen, v. mostrou com todas as letras, imagem e emoção que o DF tem cultura popular. Gostei. Parabéns por conquistar a capa.
ignis liberati · Porto Velho, RO 8/9/2006 18:25Belo texto, Ana! E não ficou longo demais não: informação de qualidade não tem régua que lhe meça o tamanho.
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 9/9/2006 07:50
Parabéns mesmo pelo sucesso, Nana...
Agora só falta a gente subir o resto das fotos pro Flickr... :)
(algumas delas deveriam vir para cá, para o Overmundo, também... vc não acha?)
Abração do Verde.
Ana,
No primeiro dia, o grupo Boizinho Faceiro apresentou-se mesmo?
Sâo da minha cidade, morri de vontade de estar neste Festival! :D
Então Lala, eu não sei dizer, o primeiro dia não seguiu a programação direitinho, eles tiveram que fazer umas adaptações por causa da chuva, eu cheguei umas cinco da tarde, que seria a hora marcada para eles tocarem e não os và tocar...
O Festival foi mágico, vem no próximo!
Abraço!
Ana e Lala, eu acho que aquela apresentação de Boi que rolou foi a do Boizinho Faceiro mesmo...
Acho até que batemos umas fotos deles, mas não ficaram boas... :/
Abraços do verde.
Não... aquele era o Bumba meu boi do seu Teodoro...
Ana Cullen · BrasÃlia, DF 25/9/2006 18:26
Mestre Salústiano é uma figura!
Fotos Fantáticas...
a sua narrativa nos leva até o festival.
parabéns!!!
abraço,
Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!