Uma maravilha assistir a "Cartola - Música para os olhos" no Cinema da Fundação. Sala lotada, prazer compartilhado em silêncio, ou nem tanto: alguns cantaram baixinho as músicas do mestre. Enquanto esperava na fila, me veio a pergunta que fiz desde quando soube da produção, em 2004, enquanto Lírio Ferreira e Hilton Lacerda (também autores de Baile Perfumado) disseminaram delírio e poesia com "Árido Movie": "um carioca não contaria com mais propriedade a vida de Angenor de Oliveira?"
A dúvida, estendida por três anos, acabou em poucos minutos. Fica claro que este não pretende ser "o" documentário sobre o sambista; será muito melhor aproveitado se entendido como "um" olhar que extrapola o personagem, aqui reconstruído de forma bem subjetiva, em imagens de arquivo, trechos de filmes nacionais, entrevistas para TV e rádio, e na fala dos amigos e familiares.
A montagem é um grande mérito: hipertextual, caótica, imprevisível e entrecortada, aos poucos recria o contexto social, político e cultural do período vivido por Cartola (1908-1980).
Verbalmente, não há novidade - e nem precisa. A história de Cartola já está bem contada e recontada, da juventude boêmia para compositor e fundador da Mangueira, os anos de ostracismo, o resgate cult nos anos 60, a importância da família e a lamentada morte por câncer.
Por outro lado, o material de arquivo informa mais do que a escrita pode revelar: os modos de falar, vestir e se expressar; os ambientes, as locações onde se deu boa parte da história do samba.
A abordagem é outro caso à parte. O bairro da Mangueira, por exemplo, chega através dos fios de eletricidade, as casas saindo do quadro, fora de foco. Os arcos da Lapa entram em cena pela sombra projetada nas ruas. O próprio Cartola se faz presente assim, sutil e enviezado.
Na primeira parte, ele surge aos poucos, em uma ou outra foto, com falas dispersas, um centro invisível em que giram os demais elementos. O uso de quadros dramáticos para preencher a falta de registro dos primeiros tempos lembra o excelente "The Soul of a Man", onde Wim Wenders faz o mesmo para recuperar trechos da vida de Blind Willie Johnson. Blues, samba, música negra.
"Música para os olhos" é também um diálogo com o cinema brasileiro. Nele, imagens do enterro de Cartola conversam com "Di", de Glauber, proibido no Brasil pela família do pintor. Trechos de "Brás Cubas", a adaptação de Julio Bressane para o clássico machadiano, clama pela liberdade de criação frente à importância de um ícone cultural do samba.
Mário Reis arremessando discos no mar e cantando em estúdio foram pinçadas de "O Mandarim", outro filme de Bressane aqui invocado, cujas cenas exibidas ao contrário com certeza inspiraram a sequência de imagens da ditadura militar.
Em meio a tantas referências e documentos antigos, surge um recado maior do que a importância de Cartola: a necessidade de cuidar melhor de nossa memória coletiva. Fitas VHS amassadas, películas deterioradas e depoimentos desmagnetizados são problemas que poderiam pesar contra a qualidade do filme, não fossem usados a seu favor. Solução bem conhecida do cinema periférico, acostumado a transformar limitação técnica em recurso de linguagem.
São essas infinitas citações, aspecto tão instigante aqui quanto a figura de Cartola, o elemento gerador de algumas críticas negativas. Isso porque, neste documentário, o cinema tem uma carga poética tão grande quanto àquela contida em Cartola. Equilíbrio mantido até os últimos quinze minutos, quando a montagem ágil e inteligente cede espaço para a exagerada e quase submissa reverência ao compositor. Um deslize que não tira o brilho deste filme atípico entre as recentes cine-biografias nacionais.
Por fim, é muito bom constatar que, em nenhum momento, a produção pode ser considerada "pernambucana". Seu olhar não tem origem, é simplesmente "estrangeiro". A despeito de todos os pernambucanismos e carioquismos, "Música para os olhos" é, antes de tudo, brasileiro.
Olá André, tudo bem? Caramba, pensei um pouco antes de te escrever, mas acho que vale o debate e a possibilidade de ouvir a sua tréplica: a minha opinião sobre o Cartola é o oposto simétrico do seu texto (muito bom, por sinal). Eu escreveria tudo o que vc escreveu mas na negação. Por exemplo, quando vc diz - "A montagem é um grande mérito: hipertextual, caótica, imprevisível e entrecortada, aos poucos recria o contexto social, político e cultural do período vivido por Cartola (1908-1980) - eu diria justamente o contrário. Todo esse hipertexto não me ajudou em nada a entender, supor ou tangenciar o imaginário do Cartola, o seu entorno. Vc sai do filme sem entender Cartola, as motivações do compositor, por que ele compunha daquela maneira e por que, sobretudo, ele era daquela maneira. Tudo é hipertexto, uma coisa que liga uma coisa que liga uma coisa que não faz ponte com lugar algum. O lance de entrecortar com filmes as entrevistas me soaram como atalhos publicitários (em que você precisa dizer muita coisa em pouco tempo, onde há a necessidade de sempre referenciar, conquistar rapidamente), meio bobo, eu acho. Nunca cobrei contrapartida de filme. O filme, eu acho, não deve ser para nada, a não para o que ele se propõe. Às vezes, vc concorda com o que o filme propõe, às vezes não. No caso do Cartola, entendo e eventualmente posso até concordar com a proposta, mas não acho nem de longe que os diretores alcançaram o objetivo. Vamos conversando... Abração!!
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 24/4/2007 15:30
Não sei, Thiago... parece que o desafio estabelecido pelos diretores a eles mesmos foi contar a história de Cartola com imagens e sons do período em que ele viveu. Deve ter sido uma luta editar esse timeline, pois ele virou também a história da memória audiovisual brasileira. Visto desta forma, o filme fica bem mais interessante.
A dificuldade em encontrar arquivos decentes (ou ter acesso a eles) deve ter sido um problemão. Uma grande sacada compartilhar isso com o público.
Outro formato seria mais seguro, porém menos eficiente. Vide os casos dos documentários sobre Paulinho da Viola e Vinicius.
Foi uma opção pelo experimental, e seria importante deixar isso claro nos cartazes, ou nas matérias de jornal, para o público não comprar gato por lebre. Alguns textos da imprensa disseram: "uma homenagem ao cinema", em vez de "uma homenagem a Cartola".
Thiago e André! Pra mim filme é que nem música. Não importa a forma ou o gênero. O importante é emocionar. E Cartola me emocionou. Muito!
Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 27/4/2007 12:16Putz... tenho que correr antes que saia de cartaz...
Trizz · Belo Horizonte, MG 27/4/2007 13:57enquanto a trizz tem que correr antes que saia de cartaz, eu rezo pra que, aqui em são luís, o filme ao menos entre em cartaz. dib, parabéns, ótimo texto, como deve ser ótimo o filme. abração!
Zema Ribeiro · São Luís, MA 27/4/2007 15:11Só uma correçãozinha: "Baile Perfumado" é de Lírio Ferreira e Paulo Caldas.
Marcelo V. · São Paulo, SP 27/4/2007 15:36
Concordo com o Thiago.
Pra mim faltaram processos de criação, algumas músicas obrigatórias como "Preciso me encontrar" entre outras.
Não gostei do filme, mas teu texto convence.
fabrício, não vi o filme, mas talvez a ausência de "preciso me encontrar" seja justificada, já que cartola não é o seu autor.
Zema Ribeiro · São Luís, MA 27/4/2007 16:18
Também estou na torcida para que alguém, traga o filme para São Luís.
A julgar pelos comentários que tenho lido...
serrão: quero muito que cheguem aqui, "cartola", "o cheiro do ralo", "cão sem dono" e os tardios (por aqui, ao menos) "o céu de suely" e "estamira". abração!
Zema Ribeiro · São Luís, MA 27/4/2007 17:20Vi e gostei. Excelente texto sobre o filme. Viva Cartola, viva o Brasil e viva o cinema. Beleza Dib
Mansur · Rio de Janeiro, RJ 27/4/2007 18:02
Gente, quando vejo seus comentários sei que aqui no Recife reclamamos de barriga cheia. Apesar dos Multiplex, duas ou três salas alternativas fazem bem o serviço por aqui.
Marcelo, "Baile Perfumado", assim como "Árido", tem o roteiro de Hilton Lacerda, daí a citação lá no começo...
André,
bacana seu texto, mas tenho opinião parecida ao do Thiago e discordo que a montagem seja um grande mérito. Saí do filme discutindo com um amigo e concluímos que os diretores/montadores quiseram ser mais geniais do que o próprio personagem. Às vezes querer ser moderno ou inovador demais estraga, e o recado do filme acaba sendo outro. A história e o personagem se tornam secundários. De qq forma, é melhor do que muita coisa que está por aí nas telas.
André, mto bom o seu texto. Vi o filme-documentário e mais q qq outra coisa, me emocionei mto. Acredito q não foi a intenção dos diretores mostrar um relato didático sobre a vida do Cartola, mas sim abrir olhares pra sua figura, a sua vida - de 08 a 80, sua música marcante, de grande poesia, grande melodia ...
Difícil pra mim falar sobre Cartola, o gênio. Tive a oportunidade ou privilégio de vê-lo no palco, junto com Carlinhos Vergueiro, em 1978, qdo eu era adolescente. Um outro filme passava em mim qdo e após assistir 'Musica para os olhos'...
Pernambucano falando sobre carioca .... isso é o Brasil, este mosaico q se configura elástico e é aí q está, tb, a boniteza da coisa.
Em 1908 morreu Machado de Assis e nasceu Cartola. Dois cariocas de origens diferentes, mas q contaram e cantaram o Rio. Talvez aí a
( cliquei, sem querer, em enviar ... ) ... continuando:
... relação entre os dois.
Numa entrevista do Cartola q ouvi há algum tempo num programa de rádio daqui, impressionou-me a simplicidade dele - mais ou menos isso: era o dia 6, e no dia 11, meu aniversário, e como eu não tinha dinheiro pra comprar uma camisa nova, me dei de presente um sambinha: 'As rosas não falam' . Este é o Cartola!
Abraços,
Cinema, como tudo que é temporal, é música. Música para os olhos.
Um retrato mais cartesiano de Cartola, se isso já foi feito, com certeza não é a proposta desta cinebiografia que não se submeteu ao biografado. Ao contrário, ousou a liberdade, assim como a vivida por Cartola. Inconstante, intenso, malandro, poético.
Dib,
Muito bomo texto, gostei muuito como vc trabalha as referências e possíveis ligações da película... é legal e já me preparou para o filme, além de aumentar ainda mais o entusiasmo.. é muito bom também ver opiniões divergentes como a do meu x(ch?)ará... agora saber se este mosaico atrapalha ou aumenta o valor do gênio Cartola só após ver o filme. Aí postarei um comentário mais completo...
Abração e parabéns pelo texto.
André,
Assisti ao documentário e também fiquei emocionado. Ao contrário de algumas opiniões, gostei da montagem desconexa; ela remete à própria vida do artista com suas idas e vindas. A sensação que ficou é a obra de um artista genial e que se tivesse nascido em país mais sério, seria homenageado ainda em vida e teria sua obra mais reconhecida.
Assisti ao filme ontem- graças ao Curta-se, pq dependesse do Cinemark e Multiplex, vixe!
Emocionante devido a obra de Cartola e ver que mesmo contribuindo tanto com nossa música, viveu na pobreza e foi pouco valorizado em vida e tudo mais...
Mas achei demasiado os cortes de montagem. E achei o áudio um pouco "inescutável" em certas cenas.
Mas, como não sou tão íntima da linguagem cinematográfica, por isso, não tenho muito senso crítico: gostei.
Parabéns pela crítica. Pelo texto.
abraços e axé
Ah, e o filme/doc não deixa de ser um documento pra história.
maramarina · Aracaju, SE 4/5/2007 10:21
Oi Mara. Que legal o seu coment...
Obrigado pelo que me toca. Quanto a qualidade do som em alguns momentos do filme, creio que os diretores não tiveram muita opção: incluiram depoimentos em áudio sofrível. Ao mesmo tempo permitem ao público o acesso às informações, e denunciam a má conservação da memória nacional.
Abraços!
Certamente, André.
O que acho mais louvável e importante no Filme é sua importância histórica, né? Democratizando imagens, sons, personagens e tudo mais.
Por isso , é um belo e grande trabalho.
talvez legenda para cenas em que o áudio não está tão bom.
maramarina · Aracaju, SE 4/5/2007 11:22
Também gostei do filme. Documentário realmente histórico. Não vi nada de montagem "muderna". É lógico que na segunda parte quando o filme centra-se mais nos depoimentos sobre o Cartola (e menos no seu contexto) o filme ganha, digamos, mais "foco", para o espectador interessado no Cartola.
A única besteirinha maior foi a cena dos soldados nas ruas na ditadura. Andar pra trás quer dizer o que? Que foi um "retrocesso histórico"? Gratuidade boba, a meu ver (ou então não percebi o sentido).
Mas umas legendas teriam pegado bem, Marina...
É os soldados voltando tb não entendi.
E vem cá, o Hemano Viana que aparece no filme é o daqui?
abs
Oi Gente. Na minha opinião, os soldados em marcha a ré dialogam com "O Mandarim". Logo no começo do filme de Julio Bressane, todos andam para trás, e no infinito surge um homem andando em direção da câmera. Ou seja, nada na contracorrente.
Oi Mara. É o Hermano sim! Por falar nisso, a programação visual do filme inteiro é da Tecnopop, a desenvolvedora do Overmundo...
Igual a Mara graças ao abençoadop festival Curta-SE pide ter contato com p doc sobre o gênio Cartola..
Vi e gostei muito. É um filme muito rico em informações e na própria linguagem.. também compartilho a opinião de que algunas legendas facilitariam o entendimento de alguns áudios..
Tive a impressão também que uma parte inicial do filme talvez atarapalhe compreensão de alguns pq parece ser elaborada
para inicados na temática samba-da-velha-guarda e seu contexto de época.. mas isso não tira a grandeza do gênio Cartola nem do filme.
O interessante é que ler o texto de Dib e depois ver o filme me ajudou a interpretar certos aspectos da película também sob outros ângulos.
Abraço e parabéns outra vez pelo texto.
favor, não reparar erros.. estou escrevendo de um tecladop com defeito...
Thiago Paulino · Aracaju, SE 9/5/2007 23:16
Não vejo o filme do Cartola pensando em detalhes cinematográficos, vejo como sobreviveu um cara sem perspectiva de vida, um gênio que no meio de tantas desgraças conseguiu dar sentido a vida com muita alegria e poesia, que até nos dias de hoje não é conhecida por muitos.
Ver o filme Cartola nunca irá mostrar a verdadeira poesia que era a vida do gênio, acho que vendo filme você jamais terá a mesma emoção de escutar sua música de conversar com pessoas que realmente conhecem de samba, não basta ver o filme e dizer "nossa sou fã de Cartola". Cartola canta para você dormir ouvindo, acordar ouvindo e viver ouvindo.
Acho que nasci no momento errado, como eu gostaria de ter nascido neste tempo onde conheceria não só o Cartola, mas outros gênios como Noel Rosa, Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito, Carlos Cachaça, Paulo da Portela, Donga, Aniceto do Império, Mestre Candeia, Manaceia...
Nesse filme temos a alegria de por um momento viver um pouco da história do Cartola, independente de sons ruins, falta de legendas temos que agradecer muito por ainda termos arquivos que mesmo que poucos e ruins retratam a verdadeira face de um gênio.
Falow
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