A Serra do Pai Pedro
Dia 13 de outubro. Durante três horas, das duas da tarde, até as cinco horas, eu, meu primo Jonathas Mamede, o cunhado dele, o biólogo Gustavo Soares e o argentino, também biólogo Juan Pablo Aldatz tentamos subir a Serra do Pai Pedro, no municÃpio de Acari, região do *Seridó norteriograndense. A serra, que acredito ser uma formação rochosa de alguns milhões de anos, era composta basicamente de granito. Na verdade, na subida da serra, todo granito era sintetizado por mim como simples pedras e digo mais: pedras quentes, ásperas, traiçoeiras e repito. Muito quentes.
Antes da subida, chegando à Fazenda Carnaubinha, lugarejo que dava passagem para o ‘Pai Pedro’, procuramos por algum morador que nos levasse até o pé da serra. Encontramos o Seu Zé de Lino. Aparentando uns 60 e poucos anos, Zé de Lino se prontificou em nos deixar na “porta†da serra, como ele bem disse. Chegando na tal porta, Zé de Lino nos alertou: “Se dé cinco hora e vocês num tivé lá in cima, pode tratá de descê, porquê senão vocês se lasca". Nessa hora, o argentino, que já mora por estas terras há mais de quinze anos perguntou a seu Zé: “Essa serra é malvada mesmo?â€- E Zé de Lino sentencia: “Essa aà éâ€.
“E vocês num tão levano nenhuma arma de fogo não? O povo diz que aà por cima aparece umas onça de vez em quando vindo da banda da ParaÃbaâ€. Não sei se Zé de Lino disse isso por puro folclore regional, ou se de alguma maneira era possÃvel haver alguma onça na Serra do Pai Pedro. Em se tratando de arma, tÃnhamos apenas o canivete do meu primo e se fosse o caso, alguma pedra que encontrássemos na hora. Começamos a subir e foram surgindo os primeiros Cardeiros, Chique-chiques, Juremas, Pereiros e sem falar nos Catingueiros, planta essa que libera um odor semelhante a ovo podre.
Na primeira meia-hora de subida, éramos tangidos por uma trilha que, apesar de pouco delineada, estava nos servindo muito bem. O “vamos por ali, vamos por aqui, o cuidado com essa pedra que tá soltaâ€, era entrecortado por um sem-número de outros assuntos. De posição do paÃs ‘no contexto geopolÃtico do pós-guerra, à Tropa de Elite, naquela subida, resolvemos todos os problemas do mundo. Depois da meia-hora tranqüila e da prosa descompromissada, a trilha se desfez. Aà o jeito foi apelar pra sorte na escolha do melhor caminho. Com tantas pedras pra pular, mata fechada e espinhosa pra abrir, a respiração passou a se tornar mais exigente e chegava a hora de darmos os primeiros goles d´água. Vez por outra, parávamos um pouquinho para tomar um novo fôlego e tentar apreciar a bela vista que ia se formando a cada passo.
Sobre o nome da serra, não sei dizer ao certo a origem. Se tivesse que apostar, eu diria se tratar de uma homenagem a algum ‘preto velho’ da região; algum lÃder quilombola. O fato é que constatamos a afirmação de Seu Zé de Lino. A serra era mesmo malvada e não nos deixou alcançar o seu topo. Descemos à s 16h30min e chegamos lá em baixo já na boca da noite. Mais meia hora ali em cima e estarÃamos mesmo “lascadosâ€, pois a descida teria sido bem mais cruel.
O PLANO B
Mesmo cabisbaixos, sabÃamos que o conselho do seu Zé de Lino era de bom grado e, sobretudo, muito sábio. Morador da região desde que se entende por gente, ele sabia do que estava falando. De volta ao sÃtio ele foi logo dizendo: “Ói, eu num disse a vocês. A serra é caxão nego véiâ€. Ouvimos os aforismos de Zé de Lino e Gustavo esboçou um pensamento. “Subimos de novo amanhã e sem equipamento. O que vocês acham?â€. Pensei um pouco e dei uma segunda opção. “Olha só, o grande lance de subir essa serra, é acampar lá em cima. Se for pra subir e descer, eu prefiro deixar pra outro dia. Que tal irmos pra Acari e amanhã a gente sobe aquela serra que fica por trás da pousadaâ€. A resposta do resto do grupo foi positiva.
Dormimos em Acari, “cidade limpa e amiga†como diz a placa de boas-vindas na entrada do municÃpio. Considerada a ‘cidade mais limpa do Brasil’, Acari já passou até mesmo no Fantástico. O municÃpio é abastecido pelo açude Presidente Marechal Dutra. ConstruÃda pelo DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca) e inaugurado no dia 27 de abril de 1959, com capacidade de 40 milhões de metros cúbicos, a represa é mais conhecida por Gargalheiras e o local foi cenário de alguns filmes nos últimos anos. Um deles foi “O Homem que desafiou o Diaboâ€, com Marcos Palmeiras e mais alguns atores globais.
Pela manhã, fomos em direção ao açude Gargalheiras, distante cerca de 4 km do centro de Acari. No pé da Serra do Minador, nosso novo desafio, existe uma capela erguida pelos trabalhadores que construÃram o Gargalheiras em homenagem a Nossa Senhora de Lourdes. Antes da subida, podes para fotos e até uma reza se fez necessária.
Cerca de dois anos antes, eu havia enfrentado a Serra do Minador com sucesso. E lá estava eu de novo. Mas dessa vez com outro grupo. Acabei sendo o guia nessa nova empreitada; não poderia ser diferente. Apesar da serra não ser muito grande, a subida exige um esforço excessivo das pernas, pois o terreno e Ãngreme e, de certo modo, traiçoeiro. O caminho era um misto de arbustos cortantes, areia e, sobretudo, pedras. Pedras soltas, na verdade.
Que eu lembrava, existia um fio que ia do pé da serra até o topo. E realmente o fio estava lá. Mas para minha surpresa, até a metade do caminho, apenas. Que chiste. “Quem foi o filho da puta que arrebentou esse fioâ€? Essa a pergunta que não saÃa da minha cabeça por uns 20 minutos. O jeito foi recorrer á sorte mais uma vez e tentar achar o caminho.
‘Lá pras tantas’, achamos o danado do fio e a subida até o topo ficou mais acertada. Eu só lembrava que chegando lá em cima, ou melhor, pra chegar lááá em cima, era preciso passar por uma fenda no meio de umas pedras. Acontece que chegando quase no pico, não conseguÃamos ver a tal fenda. “Poxa, devem ter fechado a passagem. Essa fenda ficava por aquiâ€, eu dizia para o pessoal, que já estampava uma certa frustração no semblante. Era literalmente o tal do “tão perto e tão longeâ€.
Quando já estávamos conformados com a ‘segunda derrota’, eis que a minha curiosidade me levou a botar a cabeça dentro de uma pequena abertura entra umas pedras. Era de fato a tal passagem. De certo modificada, não sei se pela força da natureza, ou se por algum gaiato... Luz. Vi uma luz e voilá. Alcançamos o platô da Serra do Minador e pudemos, finalmente, admirar a beleza que é a cordilheira do Seridó. Uma beleza cortante e agressiva como os poemas de João Cabral de Melo Neto, só vendo e lendo pra crer...
Era uma vez Acary...
Habitado primitivamente pelos Ãndios Cariris, o municÃpio de Acari foi fundado, na condição de povoado, pelo sargento-mor Manuel Esteves de Andrade, vindo da Serra do Saco. Manuel Esteves ergueu em 1737 a capela no novo povoado, consagrada à Nossa Senhora da Guia. Em 11 de abril de 1835, foi criado o municÃpio de Acari, por resolução do conselho de Governo.
Neste mesmo ano, ou seja, na época do império, já dizia o “Código de Postura da Intendência Municipal da cidade de Acary†cujo autor é desconhecido, “Em toda a cabeça de casal será obrigado a ter limpado as frentes de suas casas nas povoações, nas quatro festas, principalmente de cada um ano, sob pena de pagar por cada vez que faltar a limpeza, duzentos réis para as despesas da Câmaraâ€. As pessoas eram obrigadas a manter a limpeza na cidade. Assim a legislação no Império e na Velha República previa que todos os habitantes mantivessem suas casas e ruas bem conservadas.
* Seridó: O Seridó abriga a caatinga, bioma único no mundo, exclusivamente brasileiro. A caatinga é um tipo de formação vegetal com caracterÃsticas bem definidas: árvores baixas e arbustos que, em geral, perdem as folhas na estação das secas. Ao caÃrem as primeiras chuvas no inÃcio do ano, a caatinga perde seu aspecto rude e torna-se rapidamente verde e florida.
Mais fotos dessa aventura: http://www.flickr.com/photos/15063861@N03/
Pessoal. Tem alguns erros, ora de estilÃstica, ora gramática, acredito; mas amanhã terei o tempo necessário para fazer as correções necessárias. Os erros já estão devidamente assinalados. Mas estou numa lan-house e o tempo está acabando...
Um abraço.
Que loco hein Filipe. Vou ler direito depois, um abraço fera.
Higor Assis · São Paulo, SP 1/11/2007 10:06Valeu pela leitura Higor. Não fomos páreo para a Serra do Pai Pedro, mas da próxima vez quem sabe... Fica aqui a dica pra quem gosta desse tipo de 'aventura'; se embrenhar no mato, arranhar o joelho e desbravar um lugar como esse. Aqui no RN, como nos estados vizinhos, a prática desse tipo de 'turismo
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 1/11/2007 10:14
... continuando; esse tipo de turismo vem aumentando. A praia ainda é o carro-chefe, mas o contato com a natureza dessa forma mais intensa, é o que chama a minha atenção.
Um abraço meu velho.
Filipe.
Mais uma vez parceiro teu texto é uma grande reportagem jornalistica, esta de suspense e de prender a atenção de quem ler, diante de tantos ventos contrários. Fico feliz que que Zé de Lino exista e que com seus sábios conselhos, salvou a vida de vocês.
Bela descrição de Acary, que confess, não sabia de se ougulhar de sua limpeza. Dos Seu belos horizontes. Rápida e excelente descrição sobre Seridó contas com palavras certeiras suas caracteristicas pincipais.
Belo texto, bela reportagem, grande aventura e que recompensa, parceiro.
Para ser brindado com uma cerpinha gelada, cerveja das boas fabricada aqui no Pará.
Parabéns, amigo.
Do parceiro de sempre,
Noélio
Só pra constar amigo Noélio, a grafia atual da cidadezinha é ACARI com I. O "ipison" existia na grafia antiga... Esse lugarzinho, onde vive muitas pessoas da minha famÃlia, abriga histórias que pretendo contar por aqui em breve. Só esperar mais um pouquinho. Um grande abraço e obrigado pela leitura.
Grande Filipe!
Realmente o tempo esvai-se tão rapidamente, e a gente não o acompanha de prima...
Bem, tua aventura, é de fina semeadura. Cara, Tu não imagina a inveja que estou sentindo de Ti. Bela aventura... O texto a gente entende, não ligue... Mas, ao menos, da próxima vez, me convide! Rs.
Votado, amigo!
Abçs. Benny Franklin
Felipe, meu over-reporter, ogrigado pela lembrança,
estive tres dias sem internet,. e um punhado sem tempo,
estou arquivando tua reportagem, para reler com calma,
um abraço, andre.
Inveja? Sim, inveja.rs, Bom queria saber o que é chique-chique. Que loucura, mas valeu para ver esse verdão em cima da "Marvada".
Bom fui ver as fotos no Flickir e fiquei doida pela flor no cacto(sabe o que é, que flor?) E as cordilheiras atras da matriz é fantástica. E achei interessante a cidade Araci ser a mais limpa..coisa de se duvidar. ..E a capelinha a Sta Nosa Sra. de Lourdes...Filipe você fez uma boa descrição do "passeio" muito gostosa, lendo e querendo mais e mais...
Vou viajar mais nas fotos ...Parabens jornalista e sabe, quando vejo lugares assim que acredito mais em Deus e muitos não percebem...Maravilhoso. Dá até para desdobrar essa matéria já que voce tem famÃlia por lá. Parabens.Um abraço e aplausos a "equipe", amigos-heróis teus...
Filipe, cara, que aventura legal irmão!!!
To achando que você é dos meus!!! Quer fazer uma expedição no Pantanal?
Votado e grande abraço!!!
Cintia, graças a Deus, não topamos com nenhuma onça. Mas quero embarcar na fantasia de seu ZÉ DE LINO e acreditar que possa existir uma onça por ali. Fica muito mais legal assim... Realmente não dá pra saber se a cidade de Acari é de fato a mais limpa do Brasil. Mas digo com certeza que é uma das mais limpas que já vi.
Carlito meu amigo, expedição ao Pantanal?!?? Rapaz, seria maravilhoso. Vou analisar o convite. Um abraço a todos...
Oi Filipe, já tava com saudades, vc andou esquecido de mim? Eu nunca esqueço de vc, tô sempre te chamando.
Voltemos, que aventura não? Já fui em Acari, conhecia a serra,mas nunca tive coragem de subir, vai ver que me aparecia uma onça, lá das bandas da ParaÃba, carne fresca e suculenta (rsss).
Sou suspeita, li e não vi erros como citas no recado.
Votado ( me chame menino, não custa nada. Tô sem tempo de ficar procurando os textos de vocês).
Elizete
Filipe,
tive min ha fase de escalar serras e explorar cavernas, redigindo grandes matérias especiais para o Diário da Manhã, em Goiânia, década de 80. Estas paisagens escondem sempre histórias sobre a vida dos homens antigos do lugar.
Gostei de subir a serra contigo.
Um abraço!
AMIGO FILIPE...
Bela reportagem ecológica! As fotos são de arrepiar!
Continue publicando temas como estes!
Votei e bem votado!
Grande abraço!
Lailton Araújo
Filipe,
votei de antemão, pelas fotos maravilhosas. Depois, com mais vagar, volto para ler o texto, pois agora estou enrolado de trabalho.
Abraço
Legal, Filipe essa tua coragem...Jornalista tem que ser cheio de coragem. Bravo!Agradeço a resposta...Boa semana. Cintia
Cintia Thome · São Paulo, SP 19/11/2007 09:41
Filipe,
Já tinha lido seu texto, mas fiquei presa mais na sua aventura. Amo esse tipo de passeio. Tenho boas lembranças quando morava no interior (Alvinópolis) e era mais nova.
Gostei da prosa do Zé do Lino: A serra é caxão nego véi.
Filipe, esse povo me ensina tanto...
Um abraço mineiro.
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