O show
A estrada do músico independente é conhecidamente árdua e espinhosa. Seja em Uberlândia, seja em Londres, Nanji é um artista que conhece bem essa história. Depois de tentar carreira alguns anos nos palcos brasileiros, passou outros nos bares ingleses. Aprendeu muito e resolveu arriscar. Deu um passo que muitos ainda relutam em acreditar que pode dar certo: disponibilizou o seu trabalho integralmente na internet.
Em março de 2006, o músico mineiro deu o maior passo da sua carreira então: publicou gratuitamente o DVD “À Luz de Velas†em seu site. Tanto o vÃdeo como todo o material gráfico para que seja montado um DVD gratuito e oficial do músico está pronto para download. Nenhum serviço de entrega é tão rápido e prático como esse: internet, gravador de cd e impressora.
Ela, a internet, vilã ou heroÃna, aliada ou algoz, ataca mais uma vez (ou é atacada). Nenhum artista fica imune ao que ocorre nos dias atuais. Antes esse era um assunto reservado para informatas ou bateristas de bandas de heavy metal desinformados. Hoje em dia todo mundo (artista e público) tem uma opinião para dar sobre a relação entre o seu trabalho e a profusão dessa nova mÃdia. Nanji tem uma posição clara:
“Estamos em um momento de transição no mercado cultural. Muito se discute e se aprende com a entrada da internet no processo criativo e de divulgação artÃstica. A recomendação que podemos dar é que não se fechem os olhos para essas transformações, pois o mundo está mudando velozmente e quem não se adaptar pode ficar ultrapassado.â€
Uma nova realidade leva a novas maneiras de agir e pensar. A experiência do dia-a-dia incita um indivÃduo a buscar novas táticas e soluções para lidar com problemas e obstáculos. A superação surge da recriação, do reposicionamento do uso e consumo. Constantemente Nanji recorre a sua experiência como artista independente para justificar e esclarecer as suas opções. É a visão daquele que há muito tempo tenta viver da música e enxerga um perÃodo em que novos caminhos e possibilidades se tornam visÃveis para quem está disposto a arriscar.
Sem tirar um olho do seu trabalho autoral e o outro das possibilidades que se apresentam nos momentos atuais da produção e da distribuição musical, o músico lançou uma iniciativa pioneira. A produção e lançamento do DVD gratuito na Internet nunca haviam acontecido até então no Brasil.
O novo causa medo. Natural e compreensÃvel. O artista indaga-se: o que farão com a minha obra? Perderei o controle sobre ela? Ficarei mais famoso? Muitos ainda não entraram nessa por receio ou desinformação. A licença Creative Commons ajuda os autores a não caminhar no escuro: elucida e oferece graus diversos de permissão de uso legal das obras. Alguns optam por apenas soltar as músicas na rede, outros preferem fazer um passo-a-passo cauteloso. Foi assim também que Nanji agiu:
“É possÃvel que iniciativas como essas e também como a utilização das licenças Creative Commons venham alavancar mudanças. O mercado é generoso com as pessoas que estão sabendo utilizar dessas transformações de uma maneira positiva. A classe artÃstica, principalmente, tem muito a ganhar com essa nova forma de se relacionar com seu público.â€
A produção
Além das parcerias musicais, o DVD “À Luz de Velas†foi inteiramente elaborado com o apoio de parceiros locais. A produtora Cine Filmes (filmagem e montagem), o teatro Estação Cultura Luz (realização do show), Estúdio Mazzini (montagem de áudio). O cenário também foi construÃdo por meio de troca por divulgação no resultado final.
O site do artista foi confeccionado pelo provedor local Netsite, que, em troca de tráfego e visibilidade, hospedou o conteúdo do DVD e é responsável por sua manutenção. Provavelmente os diversos envolvidos acreditaram na iniciativa devido a já conhecida trajetória do artista na cidade.
A licença Creative Commons escolhida foi a de reprodução sem alteração de conteúdo e não-comercialização. Ou seja, pode baixar, distribuir para a famÃlia e amigos. Mas não pode vender e nem mixar ou alterar as músicas.
Com muito chão corrido, Nanji atesta com autoridade de quem já correu esse chão:
“Os custos para produção de uma pequena tiragem de CDs prensados tradicionalmente nunca são suplantados pela venda direta. Uma grande parcela do material é usada para promoção e o preço final da obra não pode ser elevado, visto que o artista ainda não é conhecido do grande público. Levando-se em consideração o alcance de uma obra prensada tradicionalmente, a opção em levar a música diretamente através da Internet se mostrou a mais viável. Um artista que não disponibiliza seu trabalho na Internet nos dias de hoje acaba tendo um custo elevado com envio de material pelo Brasil, buscando divulgação e shows.â€
Para medir o sucesso da iniciativa foi criado o Mouse de Ouro. Fazendo referência ao tradicional, no formato disco, ele é um pequeno sistema responsável pela contagem de downloads e, conseqüentemente, popularidade do material. Atualmente a marca é de 9505 pessoas que fizeram o download. Por que não inverter a lógica do pensamento? “O seu download é o meu salárioâ€. Sim, ao menos indiretamente, já que o artista tem certeza que a disponibilização do DVD na rede está diretamente ligada ao aumento do número de shows que ele realiza. Com a repercussão na mÃdia, principalmente local, os convites para apresentações do trabalho exposto no DVD aumentaram. Tanto o reconhecimento conterrâneo, como os convites realizados pela Prefeitura de Uberlândia, assim como participações em festivais de outros Estados ajudaram ainda mais a repercutir o trabalho do artista em rádios nacionais e estrangeiras. Foi o caminho inverso do jabá: Nanji conseguiu ser tocado fazendo uso da livre circulação da sua obra. O espaço surgiu como resultado e reconhecimento de um lançamento até então completamente inédito no paÃs.
Concomitantemente foi feita uma divulgação hÃbrida que utilizou boca a boca on-line (que quase sempre são muito interessantes e funcionais) e o tradicional press release para a imprensa. Esta, na opinião do músico, ainda faz vista grossa para a conciliação entre arte e internet. Pois não chorem pautas perdidas depois, e nem reclamem de estarem sem rumo no meio desse turbilhão. As mudanças estão escancaradas.
O público
É certo que ainda o DVD “À Luz de Velas†não paga todas as suas contas. Mas Nanji vive da música: ele dá aulas particulares de violão e compõe jingles para comerciais e campanhas publicitárias. Com bastante experiência na estrada independente, ele sabe que a persistência é ingrediente mais do que necessário para ver as coisas acontecendo. Com os contatos locais e globais fortalecidos, o cantor e compositor afirma que poderia ir tentar carreira na Europa, se quisesse, pois por lá seu trabalho já encontrou grande receptividade. Mas os sonhos residem por essas terras mesmo: a sua vontade maior é ter as suas músicas conhecidas no Brasil, seja na sua voz ou na de algum outro cantor.
O segmento do pop rock, pelo qual o mineiro lança os seus acordes junto com os músicos Raone (baixo), Raul Bragheto (piano/escaleta) e Bambi Mazzini (percussão), é fácil de agradar o público jovem: exatamente aquele que gasta mais tempo exercitando o direito de baixar tudo o que vê pela frente na rede. Boa parte desse público já cresce sem saber onde ficam as melhores lojas de disco da cidade, mas sabe muito bem como gerenciar os seus programas de download de arquivos. Já diz o ditado: se não pode vencê-los, disponibilize arquivo para eles. Ou algo assim.
Para o músico mineiro, o importante é entender os novos (nem tão mais novos assim) espaços de visibilidade.
“A divulgação do trabalho e o reconhecimento artÃstico se tornam mais importante no momento em que um artista não encontra no filão da grande mÃdia seu espaço. Disponibilizar a obra sem custos para o consumidor não significa perda de receita, mas sim um aumento na visibilidade de seu trabalho e uma porta para um reconhecimento maior.â€
Depois de abrir o caminho, vem a tropa: muitos artistas (até mesmo alguns que possuem contratos com grandes gravadoras) se interessaram e anunciaram vontade de fazer o mesmo. O grito de ordem é “facilitar o acessoâ€.
O horizonte próximo
Se Nanji considera que a experiência foi bem-sucedida e trouxe resultados importantes, nada mais natural do que continuar nessa trilha. Ele está preparando um novo disco que sairá ainda em 2007. O trabalho será lançado e divulgado seguindo o mesmo modelo que o “À Luz de Velas†e também será disponibilizado sob a licença Creative Commons.
A parceria com o provedor de internet deve ser expandida. O objetivo agora é criar um portal para hospedar “qualquer tipo de obra artÃsticaâ€, de acordo com o seu criador. Todos os arquivos contarão com o contador Mouse de Ouro, que dará nome ao projeto e que possibilitará aos autores que mensurem a popularidade dos seus trabalhos. Tendo em vista que o seu feito encontrou simpatia entre o meio artÃstico, nada mais natural do que reunir esforços agora, agir em conjunto e fortalecer a divulgação.
Com alguns anos de disputas, brigas, desentendimentos e confusões entre artistas, público e empresários da música, algumas lições já podem ser aprendidas. Não adianta colocar o dedo para conter a represa vazante: para entender, é só olhar o tamanho da onda.
A estrada de artista independente continua para Nanji.
“O DVD On-line quer mostrar que a Internet pode aumentar o lucro do artista e não ferir sua propriedade intelectual. É provável que algumas instituições mudem sua forma de atuação e revejam seus processos, ao invés de tentar impedir o futuro de seguir seu curso.â€
Sugiro colocar esse post no banco de cultura.
DaniCast · São Paulo, SP 31/3/2007 20:23
Oi, Danicast. Na minha opinião, o lugar é aqui mesmo.
O texto acima faz parte de uma pesquisa de Negócios Abertos pelo paÃs inteiro.
Em relação à sua proposta:
3- O que é o Overblog?
Essas colaborações podem ser textos dos mais diversos tipos: crÃticas, ensaios, entrevistas etc.
7 - O que é o Banco de Cultura?
"Veja bem: lá não é o lugar onde você lê colaborações, crÃticas ou reflexões sobre esses conteúdos, mas sim os conteúdos propriamente ditos! No Banco de Cultura você encontrará músicas, vÃdeos, textos, fotos e vários outros itens culturais."
Concorda que o meu texto está mais para um ensaio ou artigo do que para uma obra artÃstica a ser publicada no Banco de Cultura?
abcs.
Sérgio, sensacional o seu post. O Nanji já apareceu várias vezes aqui no Overmundo, mas agora finalmente apareceu com direito a todas as informações sobre o ótimo trabalho dele. Vou ficar de olho no novo disco de 2007!
ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 1/4/2007 13:11Uma linda matéria!!! Muito bem escrita e que nos deixa muito orgulhosos por aqui na região do Triângulo Mineiro. Só gostaria de deixar uma ressalva (desculpe perder a fila de edição), sobre o desenvolvimento e a manutenção do site que é feita pelo artista. O parceiro NETSITE cuida da hospedagem, foco de atuação dessa empresa de sucesso aqui na região. Parabéns a eles e a todos os parceiros que tornaram possÃvel essa iniciativa independente!!! Parabéns Sérgio!!! Parabéns Overmundo!!!
Nanji · Uberlândia, MG 2/4/2007 15:08
Sérgio, que legal o seu texto. Bem completo. Parabéns. Sem falar que você escolhei a música que mais gosto Nanji (Seu Nome); pra mim, uma verdadeira obra prima.
Só retificando. o primeiro link do site, está com um "." (ponto) não sendo possÃvel as pessoas visitarem o site oficial do Nanji, então tomarei a liberdade de falar o link, que é http://www.nanji.com.br
Super. :)
Parabens e nunca desista.Ouça a música Indecentes Governantes no site
http://www.bandasdegaragem.com.br/cascarasagrada
...
Esse é o impacto da revolução digital. Diariamente somos bombardeados com novas tecnologias, a internet está mudando (já mudou) o comportamento das pessoas do mundo inteiro e facilitou o acesso à informação.Ninguém pode negar que somente uma minoria opta por compra CD's e DVD's, pois há muitas alternativas mais baratas para ter acesso a esse conteúdo artÃstico. Cabe muito bem aqui, as palavras do próprio Nanji: "A recomendação que podemos dar é que não se fechem os olhos para essas transformações, pois o mundo está mudando velozmente e quem não se adaptar pode ficar ultrapassado.â€
Parabéns por trazer essa idéia para o Brasil! Com isso todos ganham, o artista por divulgar seu trabalho de forma mais eficaz e a sociedade por ter acesso mais fácil a cultura.
Oi, Laine. Valeu pelo toque: não tinha percebido. Como já saiu da fila de edição eu não consigo mais alterar.
Ei, vocês aà de cima! Têm como corrigir o erro no link?
valeu!
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