Nasce um novo Poti Velho

Foto: Natacha Maranhão
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Natacha Maranhão · Teresina, PI
28/6/2006 · 61 · 4
 

Depois de décadas sendo praticamente ignorado pelos teresinenses de outros bairros, o Poti Velho, onde Teresina nasceu, começa a ganhar status de atração turística e a mostrar que é possível aliar tradições e novas idéias quando há um objetivo comum.

O Poti mantém um quê de vila de pescadores, especialmente quando se vê, nos fins de tarde, os homens fazendo ou consertando suas redes, ou oferecendo peixe fresco de manhã cedo, na cabeceira da ponte que liga o bairro à localidade Santa Maria da Codipi, no extremo norte de Teresina.
A fé em São Pedro, o padroeiro dos homens da pesca, é responsável por um dos maiores eventos do local: a procissão fluvial, que acontece em todo 29 de junho, saindo do cais do rio Parnaíba para atracar no cais do rio Poti, próximo ao encontro das águas dos dois rios, que é certamente um dos lugares mais bonitos da cidade.

É lá, na entrada do Parque Ambiental do Encontro dos Rios, que se pode encontrar os meninos contadores da lenda do Cabeça de Cuia, monstro no qual eles acreditam piamente. Diz a lenda que um jovem pescador chamado Crispim um dia chegou em casa e, encontrando apenas um caldo de ossos para comer, bateu descontroladamente em sua mãe, revoltado. Antes de morrer, a senhora amaldiçoou o filho, rogando-lhe uma praga – ele se transformaria em um monstro medonho. Sentindo um terrível remorso, Crispim se jogou nas águas do rio Poti. Os moradores mais antigos afirmam que nas noites de lua cheia, ele fica zanzando pelas margens do rio, tentando se livrar do encanto. Para poder descansar em paz, o Cabeça de Cuia – nome pelo qual ficou conhecido devido à sua enorme cabeça deformada - deveria devorar sete moças virgens de nome Maria, mas nunca conseguiu pegar nenhuma. Até porque nenhuma moça anda sozinha por aquelas bandas.

Sabe-se lá se o monstro cabeçudo não vai aparecer... Os pequenos contadores da lenda, enquanto esperam que o turista lhes dê moedas, juram que ouvem os lamentos de Crispim quando saem de casa sem a companhia dos pais.
A foto que ilustra este texto é do Monumento ao Cabeça de Cuia, que fica na entrada do Parque do Encontro dos Rios. A obra é do artista plástico Nonato Oliveira e mostra o monstro cercado por sete mocinhas.

Nas proximidades do Parque, fica o pólo cerâmico de Teresina, que está se transformando na menina dos olhos da capital do Piauí. O que antes não passava de fábricas de tijolos, telhas, potes e filtros para água, hoje oferece uma variedade incrível de modelos de vasos decorativos, esculturas e peças com design exclusivo e acabamento esmerado.

Boa parte dessa mudança deve-se ao trabalho das mulheres do bairro, que antes lutavam para sustentar os (muitos) filhos carregando tijolos sob o sol escaldante. Com o apoio do Sebrae, elas começaram a desenvolver maneiras de ganhar dinheiro com arte. A coordenadora do programa de apoio ao artesanato da instituição, Rosa de Viterbo, explica que a idéia de desenvolver o potencial artístico das mulheres do Poti Velho surgiu naturalmente.

Algumas delas já faziam pequenos vasos decorados e tinham alguma noção de estética. “Nossa primeira orientação foi para que elas montassem uma associação ou uma cooperativa para trabalharem juntas. Depois começou a fase de capacitação técnica, de ensinar a agregar valor ao que estava sendo produzido. Elas fizeram cursos de design, para perceberem o que é mais bonito, mais harmônicoâ€, comenta, acrescentando que trabalhar a auto-estima dos artesãos é fundamental para que os projetos dêem certo.

Quando as mulheres começaram a produzir os primeiros modelos de colares, pulseiras e brincos feitos com contas de cerâmica e viram que tinham ótima aceitação, deixaram o trabalho pesado para os homens e agora estão preocupadas em inventar a cada dia novos modelos, para todos os estilos.
A presidente da Associação das Mulheres Artesãs do Poti Velho, Raimunda Teixeira, a Raimundinha, lembra da luta diária para ganhar R$ 2,50. Durante longos 22 anos, ela chegava a carregar um milheiro de tijolos por dia. “Era o dia todo fazendo força, chegava a noite e eu estava morta de cansada... Eu e boa parte das mulheres que hoje trabalha com bijuteria. As que não têm um companheiro para ajudar muitas vezes tinham que depender da solidariedade dos vizinhos para alimentar os filhos. Hoje a situação é outra, todas nós ganhamos pelo menos o triplo do que ganhávamos carregando tijolos, sem precisar fazer trabalho braçalâ€, conta.

Os cursos ministrados por designers de jóias e artistas plásticos ensinam a valorizar o que é produzido por cada uma das artesãs. As bijuterias confeccionadas pela associação são um sucesso e estão começando a ser exportadas; as contas de cerâmica, ao natural ou pintadas com cores vibrantes, é que são o maior diferencial.
Os demais artesãos do barro, que antes passavam a vida inteira fazendo potes e filtros, estão seguindo o exemplo da mulherada e hoje se concentram na produção de peças que são supervalorizadas por decoradores e arquitetos e compõem a decoração de casas e apartamentos de luxo. Muitos já estão exportando os produtos, que continuam sendo feitos em pequena escala, nos barracões ao lado das casas.

Agora maquiada, produzida e perfumada, Raimundinha orgulha-se da reviravolta que ela e as outras conseguiram dar. As meninas, mesmo as mais novas, já querem aprender a fabricar as contas e criar seus próprios modelos de bijous. Não querem nem ouvir falar em carregar tijolos, como suas mães e avós um dia fizeram.

Para chegar ao bairro Poti Velho e ver de perto a beleza do que é feito por lá, siga pela Avenida Maranhão (que margeia o rio Parnaíba). No final dela está a Avenida Boa Esperança, é só seguir direto até chegar ao Parque do Encontro dos Rios, o pólo cerâmico fica logo depois. Nas portas das casas e dos barracões, o colorido das esculturas e dos enfeites de parede e as formas inusitadas dos vasos chamam a atenção de quem chega. Conversando com os artesãos dá para conseguir bons descontos e renovar a decoração da casa sem gastar muito, e o que é melhor, com peças exclusivas.

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Eduardo Neves
 

O Poti Velho é uma beleza... quem gosta de artesanato (cada peça linda) e boa comida (Restaurante Flutuante, que literalmente flutua sobre as águas do Rio Poti, nos fornecendo uma vista deslumbrante) deve visitar urgente. Turistas pass(e)ando por Teresina, não deixem de ir. Parabéns pela matéria, muito bonita e oportuna. ;)

Eduardo Neves · Teresina, PI 28/6/2006 12:47
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Hermano Vianna
 

então é hoje: boa procissão fluvial de São Pedro para todos os de Teresina!

Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 29/6/2006 02:50
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Luciana Soares
 

Que bom que o bairro Poty Velho foi lembrado. Infelizmente, nem todos os teresinenses conhecem as belezas e riquezas desse local.

Luciana Soares · Teresina, PI 5/7/2006 12:11
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Giordani
 

O bairro Poty Velho representa muito mais do que uma região de visitação turística ou uma área residencial. Trata-se de um ponto que indetifica Teresina e lhe constextualiza em um cenário maior. Lá eles trabalham, vivem e se divertem. É um vila que guarda os mistérios da capital

Giordani · Teresina, PI 22/7/2006 11:01
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