Nassiri ou...

Agência CDN
Deu praia: Nassiri com crianças figurantes em novo périplo excêntrico pela paz
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Edson Wander · Goiânia, GO
26/2/2007 · 337 · 19
 

... o que o dinheiro pode comprar na arte e a falta de talento não pode sustentar. E tem a mídia algo a ver com isso?

Milionário iraniano grava no Rio de Janeiro com pompa e circunstância seu sonho de ser astro pop

O evento é insólito, inesquecível em muitos aspectos, menos no principal. Na chegada ao aeroporto, os jornalistas se perguntavam quem era o tal Nassiri que os convidara para o lançamento do clipe da música Love Sees No Color no Brasil. Ninguém sabia dizer de quem se tratava. Tinha disco na parada, mas o ventilado era só a gravação do tal clipe, com refrão em português, como Nassiri já fizera em outros 12 idiomas.

A poucos dias do carnaval, armou-se uma coletiva de imprensa com apresentação da jornalista Leilane Neubarth, da Globo do Rio. Estamos num dos mais caros hotéis da capital fluminense. Vários jornalistas do Brasil, nenhum dos cadernos culturais dos jornais do eixo Rio-São Paulo. E caberia aqui uma reflexão sobre o já inquestionável esquema dos convites-de-qualquer-natureza que os jornais aceitam. Todos aceitam, se não pela editoria A, vai pela B. Todos, incluindo os do eixo RJ-SP.

Inquestionável para azar dos leitores. São convites que, não raro, interessam mais ou, na pior das hipóteses, apenas a quem convida. Imagino que os jornalões não foram porque estariam afogados nas pautas carnavalescas ou mesmo desconfiaram da inexpressividade artística do sujeito. Meras suposições.

No "brunch" servido na coletiva, havia um arsenal de computadores à disposição do repórteres, coisa não vista em muitos festivais culturais prestigiados do país. Da chegada ao final do encontro rolava com insistência o "hit" Love Sees No Color em alto e bom som no recinto. No púlpito, uma série de cadeiras dispostas ao lado do anfitrião. Eram para os diretores da Nassiri Music (cujo capo é o próprio filho do dono), o diretor do clipe da música (Larry Jordan, que já trabalhou com Mariah Carey) e o diretor brasileiro Marcelo Machado (da produtora de Fernando "Cidade de Deus" Meirelles), contratado para fazer a versão brazuca do clipe.

Começa a coletiva com Leilane dizendo que "é a primeira vez na história da música pop que um artista grava assim em todo o mundo". Então tá. O clima está emocionalmente tomado pela morte do garoto João Hélio, arrastado pelas ruas do Rio no carro que fora roubado da mãe. Nassiri traz uma mensagem de paz com sua música. Antes das perguntas, dois filmetes mostram as andanças dele pelo mundo. Já visitou 16 países, sempre incluindo crianças nos clipes. São cenas típicas de cada lugar, monumentos e crianças: Taj Mahal, torre Eiffel, clichês escorrem aos borbotões nas imagens. Há também cenas dele em encontros pela paz com vários líderes mundiais: Shimon Peres, Nelson Mandela, um senador norte-americano, Kim Dae-Jung (presidente sul-coreano). Até o papa Bento XVI o recebeu.

Uma repórter chora ao perguntar como ele via a violência no mundo de hoje, no Rio etc. Na grande equipe que o acompanhava, uma moça conversava com os jornalistas nos bastidores para um documentário sobre o encontro e perguntava se a música de Nassiri seria bem recebida no Brasil. Nosso colega Bruno (colega inclusive deste Overmundo), repórter de Pernambuco, responde que sim, se ele pagasse "payola" (jabá, em inglês). Rimos uma vez mais do surrealismo da coisa.

Na coletiva, Bruno tocou no assunto com o próprio Nassiri, que respondeu uma obviedade qualquer do tipo "não vendo minha música" ou "quero que minha música tenha força própria". O release assegura e ele repetiu na coletiva que entrou no "top ten" norte-americano sem pagar jabá. Não sei que diacho de "top ten" deve ser esse. Nem quis descobrir na verdade. O que ouvia no chique mezanino do Sofitel me bastava.

E quem afinal é o tal Nassiri? Aos poucos foi se descobrindo. Fred Nassiri é iraniano radicado há 40 anos nos Estados Unidos. Ficou milionário como empresário no varejo de confecções. Conta-se que ele chegou a ser considerado um dos mais ricos do mundo. Busquei referências dele na lista da Forbes na net e não achei, mas ele vem bancando sozinho a brincadeirinha de cantar e querer ser astro pop. Vaidoso, Nassiri reúne a mídia que consegue onde quer que vá e não esconde as estruturas nababescas que costuma montar para seu picadeiro particular. A assessoria contratada para preparar o esquema no Brasil não revela os gastos, mas a julgar pelos US$ 100 mil que ele já doou só para a Fundação Nelson Mandela, não haveria por que economizar num projeto tão pessoal.

Fez questão de ir à favela da Rocinha, filmou no Pão de Açúcar de madrugada e à tarde juntou a criançada na praia de Copacabana. A música é sofrível, um arremedo do mais insosso new age com sotaque árabe. Em suas falas, Nassiri parece acreditar piamente que a música dele tem o poder de mudar o mundo. Ao final, saí com a impressão de que se não cismasse em ser cantor, o milionário excêntrico poderia ser um grande mecenas.

A julgar pelos resultados que pretendia em termos de repercussão midiática no Brasil, ele deve ter jogado dinheiro fora. Sairia melhor na foto (ou no vídeo) se tivesse usado do mesmo expediente, for example, que a Red Bull inventou num parque público de São Paulo no ano passado. Bobagem da qual também tive o desprazer de acompanhar. A brincadeirinha da marca de energéticos saiu sábados seguidos no Caldeirão do Huck. E não me comprometam perguntando a que preço.

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Viktor Chagas
 

Mas quem disse que ele não é um grande mecenas??? Pelo que eu pude absorver, o cara é o maior e mais fabuloso mecenas de si próprio!

Viktor Chagas · Rio de Janeiro, RJ 24/2/2007 15:06
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Moysés Lopes
 

Edson:

Fenomenal, curti prá caramba... deve ter sido uma experiência e tanto poder observar estes acontecimentos, e melhor ainda poder lançar um olhar crítico e lúcido.

Deixa te perguntar: aquela frase lá no início, que diz

".. o que o dinheiro pode comprar na arte e a falta de talento não pode sustentar."

Não está faltando um ponto de interrogação ao final? Não consegui pegar bem o sentido...

Um abraço,

Moysés Lopes · Porto Alegre, RS 24/2/2007 18:42
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Edson Wander
 

Oi Moysés,
A frase é uma afirmação mesmo, completa o título com o nome do personagem principal do texto. Observe as reticências...
Só há interrogação na sequência, sobre a mídia com isso.
Grato pelas observações e abraço,
Abs,

Edson Wander · Goiânia, GO 25/2/2007 12:35
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Moysés Lopes
 

Agora saquei... :-)

Obrigado pela atenção. Um abraço,

Moysés Lopes · Porto Alegre, RS 25/2/2007 19:02
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Marcus Assunção
 

haha..que comédia. Viva Nassiri!

Marcus Assunção · São João del Rei, MG 26/2/2007 18:34
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Paulo José
 

O que é o dinheiro...! Você imagina, paga, faz o marketing, convida os caras e as caras, se diverte no Rio de Janeiro, brinca de arte e ganha mais dinheiro.

Paulo José · Alto Paraíso de Goiás, GO 26/2/2007 22:56
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Felipe Gurgel
 

Depois quando eu digo que o mundo é uma piada, a negada não acredita. Taí.

Felipe Gurgel · Fortaleza, CE 27/2/2007 04:34
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jjLeandro
 

Realmente, isso é o caso típico da ficção assumindo o lugar da realidade. Talvez se algum bom escritor pegar esse enredo todo transforma ele num bom livro, quem sabe? Quando o dinheiro sobra temos que aguentar esse tipo de sobra.

Belo registro Edosn,
abcs

jjLeandro · Araguaína, TO 27/2/2007 09:18
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Viktor Chagas
 

Milionários, mirem-se no exemplo do Bruce Wayne!!!

(Não pude me furtar desse comentário besta, após a intervenção do jjLeandro. hehe.)

Viktor Chagas · Rio de Janeiro, RJ 27/2/2007 12:55
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Daniel Duende
 

Hahahahahah... Viktor, tive uma visão momesca-anacrônica de Antônio Ermírio de Moraes vestido com as roupas de batman-adam-west. Não é o tipo de visão imaginária que quero depois do almoço. Quase me virei pelo avesso de tanto rir. :D

Excelente texto, Edson. Crítica lúcida e com seu humor todo próprio. Coisa boa de se ver aqui pelo Overmundo. Se não me engano o caso do tal Nasiri é emblemático, quase caricatural, mas ele está longe de ser o único milionário que tenta comprar "o circo" para ser o palhaço.

Abraços apertados do Verde.

Daniel Duende · Brasília, DF 27/2/2007 14:07
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Andreh Jonathas
 

texto muito bom, Wander....estive tbm nessa cobertura....senti isso que vc verbalizou, antes de viajar. Minhas pesquisas sobre o assunto tiveram sucesso...inclusive, na minha matéria, questionei o vazio q ele deixava nas respostas aos jornalista presentes. Louvável a busca da paz. Louvável divulgar uma pela mídia. E tbm louvável, usar a música para esse fim....n acredito q ele consiga ser um pop estar. ele n tem carisma, nem voz pop...mas se conseguir mexer, de alguma maneira, com o mundo, levando a bandeira da paz, vamos deixá-lo comprar esse circo pra ser palhaço, como diz o comentário acima...

Andreh Jonathas · Fortaleza, CE 27/2/2007 23:56
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Esso A.
 

ha-ha-ha ... !!

Esso A. · Natal, RN 28/2/2007 00:32
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Fabio Campos
 

Pois é isso ai. O dinheiro compra... quase tudo! Ele se diverte com suas economias. E a imprensa ainda cobre o evento... rsrsrs
Francamente, o cara é inacreditáve!...

Fabio Campos · Rio de Janeiro, RJ 28/2/2007 00:38
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Mi [de Camila] Cortielha
 

Palácio das Artes

Mi [de Camila] Cortielha · Belo Horizonte, MG 28/2/2007 00:47
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Débora Medeiros
 

Crítica muito válida à maioria das coberturas culturais. Sempre se tem um oba-oba sem tamanho pra artistas medíocres porém endinheirados/apadrinhados por endinheirados, enquanto muita coisa de qualidade fica de fora porque não pode pagar pela atenção daqueles que deviam informar, não propagandear.

Achei seus questionamentos muito pertinentes. É sempre bom, para uma estudante de Comunicação Social como eu, espeiar um pouco o cotidiano da imprensa... e ver que nem sempre ele é lá essas coisas. "Como melhorar?" É isso o que todos devemos nos perguntar.

Débora Medeiros · Fortaleza, CE 28/2/2007 01:33
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Felipe Gurgel
 

Débora, às vezes o repórter um pouco mais situado tem noção da falcatrua, mas o editor coloca o indivíduo na roda mesmo assim. É triste. E tem sido cada vez pior. A cada dia os jornais empregam gente com perfil pragmático em cargos de chefia e de definição de rumos e conteúdo editorial. Estaria me descabelando se eu estivesse na universidade e ao mesmo tempo tivesse consciência e noção real dessa situação como pude ter através da experiência que tive como repórter no O POVO. Mas que bons tempos abençoem sua geração e isso mude o mínimo. Essa discussão devia ser colocada, hoje em dia, na universidade, como um debate sobre a realidade medíocre do mercado nas redações de veículos comerciais, que acaba limitando o potencial de profissionais de valor ou interessados em se fazer algo relevante. Estudei na UFC e alguns professores colocavam a questão, ainda que sutilmente. Acho que falta ousadia para se discutir isso sem muito receio pela desilusão dos alunos. Por enquanto, vamos assistindo colegas e nós mesmos tendo que enxertar lingüiça com esse tipo de absurdo no espaço editorial das publicações. Ô mundinho cão =)

Felipe Gurgel · Fortaleza, CE 28/2/2007 05:06
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SILVASSA
 

ele parece o Elymar Santos. uma simpatia (principalmente com o celjular no bolso da calça: puro stilo)

SILVASSA · Salvador, BA 28/2/2007 08:18
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Balbino
 

medonho, ridículo, vomitei todo meu café. bela crítica Edson.

Balbino · Cuiabá, MT 28/2/2007 13:28
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Sinvaline
 

Edson, votei. Imperioso esse cara, hem! Será como estará o ego dele?
Boa materia, parabéns!
Sinva

Sinvaline · Uruaçu, GO 13/10/2007 13:12
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