"Non-fiction science fiction" ou "Manda Bala"

divulgação
Still do filme "Manda Bala"
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Roberto Maxwell · Japão , WW
19/10/2007 · 191 · 7
 

P.S.: Todos os áudios inseridos nesta colaboração estão na língua materna do entrevistado, o inglês.

Era uma vez uma cidade altamente populosa, onde pobres vivem em guetos e ricos em ambientes com segurança altamente reforçada. A distinção entre bandidos e heróis é precária. Há um procurador justiceiro que faz piadas de mau gosto e um policial armado até os dentes e com perfurações de bala por todo o corpo. Políticos corruptos desviam milhões de dólares para uma criação de rãs e os cidadãos protegem-se como podem. Os mais ricos colocam chips espalhados pelo corpo para proteger-se de seqüestro. São monitorados 24 horas por dia e se deslocam em carros blindados. Aqueles (muitos) que tiveram a infelicidade de serem seqüestrados, utilizam ultra-modernas técnicas de cirurgia plástica para reparar as lesões deixadas pelos bandidos.

Ok, o leitor já sabe do que eu estou falando. Aliás, se você até agora não percebeu que a cidade acima mencionada não é a mítica Metropolis de Fritz Lang ou a Sin City dos quadrinhos, está precisando ler um pouco mais. Longe de ser uma peça de ficção científica ou um exercício de futurologia, esta cidade existe no presente, chama-se São Paulo e está esquadrinhada no excelente documentário Manda Bala, premiado no Festival de Sundance este ano. O diretor Jason Kohn contou a este escritor detalhes de sua primeira incursão cinematográfica.

Kohn é norte-americano mas tem uma estreita relação com o Brasil. Ele é filho de uma brasileira com um argentino, ambos judeus. (Ouça o áudio "origem" onde o diretor fala sobre suas raízes.) Nasceu e cresceu em Nova York em uma família com múltiplas identidades culturais. Educado nos padrões locais, ele freqüentou, ainda, uma escola religiosa, duas vezes por semana. Pré-adolescente em conflito com sua identidade, ele rebelou-se contra os pais e recusava-se a aprender português e espanhol. Estudou cinema numa escola da qual guarda poucas boas recordações. Viveu alguns anos no Brasil onde ficou impressionado com a cultura local. Dedicou-se a conhecer a música brasileira e, através do pai que vive atualmente em São Paulo, conheceu as estórias que tornaram-se o ponto de partida para Manda Bala.

No filme, uma intrincada rede se forma para relacionar a indústria dos seqüestros, a alta tecnologia de blindagem e cirurgia plástica, o mercado de helicópteros, um ranário e a pobreza urbana no Brasil. “Essa estória me pareceu ficção científicaâ€, conta um articulado Kohn. (Ouça o áudio "ficcao".) “Mas é a realidade de uma das maiores cidades do mundoâ€, completa. O diretor dá de ombros às críticas de que ele, um cidadão norte-americano, esteja falando de problemas do Brasil, mas não aceita as comparações e equivalências feitas entre seu filme e Turistas, uma obra de suspense lançada em 2006. “Turistas é um filme idiotaâ€, reclama ele.

De fato, Manda Bala é bastante sério tanto nas denúncias que faz, quanto na abordagem do tema. Aliás, na reconstituição do estado de gravidade que o país foi jogado, imagens de impacto somam-se às entrevistas, tudo com uma fotografia bem elaborada pela brasileira Heloísa Passos, também premiada no festival Sundance. O filme apresenta personagens como o Mr. M, um profissional de informática com pinta de playboy que, para evitar seqüestros blindou seu carro, fez curso de direção defensiva e implantou dois chips localizadores em diferentes partes do corpo. ("Dois, afinal eu trabalho com informática e sei que essas coisas podem falhar", diz ele no filme.) Ou, ainda, o sequestrador “Magrinhoâ€, nome fictício de um bandido que foi morto pela polícia depois das filmagens, que se considera o “político†de sua comunidade. No cerne, um dos maiores escândalos políticos da História do Brasil: o caso do desvio de verbas astronômicas da extinta e recriada SUDAM (Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia) cujas suspeitas recaíram para o ex-senador da República Jader Barbalho. (Ouça o áudio "corrupcao".) Nessa conjunção de personagens com diferentes origens e motivações, a tentativa de encontrar uma resposta para a questão da pobreza num país como o Brasil. Porém, no ambiente de "ficção científica" retratado pelo filme, mesmo os heróis (no ponto-de-vista do diretor, claro), como um Procurador da República e um policial da divisão anti-seqüestro parecem ridículos - apesar de essa não ser a intenção do realizador. Estes "homens-da-lei" não passam de pastiches em uma sociedade onde justiça é algo muito distante da realidade.

Na montagem, uma outra surpresa. Kohn utiliza seus tradutores como personagens do filme. "Manda Bala foi produzido, em primeiro lugar, para o mercado norte-americano e eu não queria que as pessoas perdessem a história por estarem preocupadas em ler a legenda", conta ele, que vai alternando as vozes reais dos entrevistados com a de seus intérpretes. (Ouça o áudio "interprete".) A técnica causa momentos interessantes e expõe o processo filmíco, de certo modo. Num dado momento, um dos tradutores não se contém com uma historia para lá de inusitada contada pelo entrevistado e ri. Tudo isso é pontuado por uma trilha sonora recheada do melhor da música brasileira dos anos 60 e 70. “Não queria mostrar apenas o lado ruim do Brasilâ€, justifica Kohn a escolha da trilha que conta com nomes como Tom Zé e Jorge Ben(jor). (Ouça o áudio "musica".)No fundo, escolhas como a trilha sonora, o caso dos tradutores e a linguagem que se aproxima dos filmes polícias e flertam com a ficção científica revelam muito sobre o realizador e seu modo de pensar o cinema. "Sou um homem de esquerda, mas acredito no cinema como entretenimento", conta ele, num despudor que assusta os mais puritanos realizadores latino-americanos. Não quer dizer que ele não acredite que seu filme tenha uma função política. Mas, segundo ele, nao é essa visão que pauta seu trabalho como realizador. Aliás, esse formato que explora os limites do filme policial na tentativa de um diálogo com o público incomodou alguns resenhistas como pode ser conferido neste texto. Há, também, o ranço que ainda considera fronteiras nacionais para os problemas e para as discussões sobre eles, como já foi debatido aqui e aqui.

Apesar da relevância da obra, Manda Bala não tem previsão de estréia no Brasil. Mesmo com o cínico aviso logo no início da projeção (o “este é um filme que não pode ser visto no Brasil†da cabeça deste texto), Kohn conta que gostaria muito que a obra fosse exibido por aí. “Infelizmente, um dos personagens nos ameaçou de processo caso o filme seja exibido no Brasil e lá não há leis que protejam documentaristasâ€, contou o diretor à audiência do Beat Latino Film Festival, ocorrido em Tóquio no mês de setembro, sem revelar a identidade do possível litigiante. Uma perda para um país, onde a maioria dos cineastas necessita de dinheiro público para fazer filmes e, portanto, obras como Manda Bala andam escassas.

Visite o site de Manda Bala.

adaptado do original publicado em Alternativa.

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Thiago Camelo
 

Roberto, excelente e até agora rara entrevista com Jason Kohn. O fato de o filme não passar no Brasil já se tornou uma mini-polêmica por aqui, como o texto no blog do Carlos Alberto Mattos, no Globo, retrata. Tua entrevista tira várias dúvidas sobre o filme, e suscita ainda mais a curiosidade de vê-lo.

Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 16/10/2007 12:23
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Roberto Maxwell
 

Pois é, Thiago, o que me fez mover a bunda para botar essa matéria no ar foi, exatamente, o texto do DocBlog, principalmente os comentários do leitores, um deles acusando o diretor de canalha. Além disso, um texto no DocBlog, o mesmo que eu indico no corpo da colaboração, faz uma série de agressões ao Kohn, inclusive pelo fato de ele ser descendente de brasileiros e não falar português. Isso mostra o ranço contra o fato de um estrangeiro estar fazendo crítica ao Brasil. Além disso, um preconceito enorme contra os filhos de brasileiros imigrantes, algo bastante comum, diga-se de passagem, no Brasil. (Aliás, é impressionante o que falta de informação ao autor do texto que eu linkei aí. O Kohn também me disse que não falava português e, dois dias depois, estava comigo conversando sobre cinema com crianças numa escola brasileira aqui no Japão. Em "português de grigo", como ele disse. Mas, português. Ser repórter devia ser não se contentar com as respostas, não?)
Por isso, apesar do schedule apertado dessa semana no mestrado, decide cortar a entrevista e rever o texto que eu publiquei na Alternativa para compartilhar com os leitores do Brasil e abrir mais o debate sobre o filme.

Roberto Maxwell · Japão , WW 16/10/2007 20:57
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Roberto Maxwell
 

Cortar, no texto acima, quer dizer, EDITAR.

Roberto Maxwell · Japão , WW 16/10/2007 20:59
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José Braga
 

Muito boa a dica, vou assistir e divulgar.

José Braga · Brasília, DF 18/10/2007 10:23
1 pessoa achou útil · sua opinião: subir
Roberto Maxwell
 

Ola, José, tudo bem? Manda Bala ainda não está em exibição no Brasil. Nos Estados Unidos, segue em cartaz. Espero que em breve seja exibido por aí.

Roberto Maxwell · Japão , WW 18/10/2007 10:45
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Kuja
 

não rola no Bittorrent?
Pelo trailer, parece-me interessante...

Kuja · São Paulo, SP 20/10/2007 15:15
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leogermani
 

excelente texto!

rola torrent sim, no piratebay

leogermani · São Paulo, SP 19/5/2008 15:21
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Cena de "Manda Bala"
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