“Trazer a peça para Quixeramobim é Tropicália. É uma coisa impossÃvel de voltar atrás. De saber que hoje, aqui, 20 de novembro[2007], é 68â€.
( Zé Celso Martinez)
Os Sertões acabou. A temporada, quero dizer. Tudo o mais que veio ficou. Ficará para sempre. Escrevo eu. Quinta-feira,22/11/2007. Esse texto precisa ser em primeira pessoa. Mas que pessoa? que eu? Todos os pronomes nunca conseguirão dar conta de agir em verbos, adjetivos e expressarem o que se passou em Quixeramobim durante a permanência e intervenção d’Os sertões... Fomos todos agentes e agidos. Atores e atuados. Devorados pela linguagem, pelo silêncio, por DionÃsios, Oswald de Andrade. Devoramos, antropofagicamente, todas as carcaças que recobriam os desejos. E o corpo Oficina cantando: “ Ah! Sertão/ tão sem ser/ sertão/ Rocha Viva/ Voando,ando/ Ser estando, ser estando.../ Serestando... Tão sem ser...â€
E cá uma febre me dilacera a carne hoje. Tempo- Marcel tinha razão!- é memória e carne. E vivo um tempo multideterminado. A partir de tudo que vivi(emos) naquele teatro. Século XXI, Séc. XIX, 2000 a.c. 1968, Renascimento, Galileu, Antônio Conselheiro, SecXX, Império Romano, Baco, Overmundo, Luiz Gonzaga, Teatro,Cinema, Helenas, Psicanálise, Quixeramobim. Terra. Terras. Pele. Corpo-mãe. Terra-mãe. “ Tô nos braços de mamãe, pra ela me acarinhar/ apareça valentão para me tirar de lá, nos braços dela eu vou morarâ€. Palavra, Rosa, nonada, Diadorim entra em cena n’Os Sertões de Zé Celso. Euclides fica o tempo todo. Glauber Rocha Viva dirige a cena da Morte de Conselheiro. É de pirar, Rosa. É lindo, overmanos. Não tem platéia. A gente fica dentro o tempo todo, porque não há fora. E lá no sertão soprava um vento durante a peça... Meu deus!!! (Deus há ou Deus é? Ou não há? Apenas sendo?) E esse vento participava do espetáculo. Só com a presença dele, Rosa. Sem ensaios, claro. No dia da Terra, ele espalhou o Mar pelo Teatro. Todo mundo se emocionou, Rosa. Improviso do vento! Nonada. rsrsr rsrsrsr rsrsrsr rsrsrsr Ssssss ssss ssss . Aracati, o nome dele. O vento e o mar no meio do Sertão. Foi lindo. Sopra as poeiras de dentro da gente. O desejo fica nuzim. Parecendo criança de cinco anos. Como devemos ser.
As carnes das gentes se revolvem. Muitas vezes dói. Mas vale uma vida aquilo. Imagine, Bandeira de Manoel, tudo isso naquele sertão pra onde você viajou pra curar a tuberculose. Se fosse hoje, poeta, tu tava bomzim só de ver Os Sertões conosco. E era tudo lá, no “miolo do vulcãoâ€. Fez jorrar epifanias. Aos borbotões. Novecentas pessoas completamente tocadas. Algumas com angústia. Mas a maioria, poeta, era que nem tu: deslumbramento, sideração, canto, alegria, sedução. Depois, Carlos, tudo fica no gerúndio: a vida vidando... o ser sendo... o tempo tempando... a gente gentando... desejando... amando... gargalhando... doendo... voando... cantando... revolvendo... re-existindo... move ment ando... “Ah! Sertão... tão sem ser... sertão... Rocha Viva...Voando,ando... Ser estando, ser estando.... Serestando... Tão sem ser...†O lugar Quixeramobim virou o universo. Une Verso, Di Verso. Tanta gente lá, tanta coisa lá. “Meu amor que será de mim? Quixeramobim? Eu acho graça é da cachaça que vc me deu...†Cachaça Sertões: Condeleeza Rice na Guerra de Canudos, Pastores de Igrejas S/A, SÃlvio Santos, Dança do Siri. Ah! A participação das crianças do Assentamento Recreio. Puro deslumbre. Crianças que descendem de Canudos mas têm terra, amor, arte e alegria. Que enredo. Que trama. Trancelim, como diz no Sertão. O tempo do Oficina é outro, é kairós, não é chronos. Tempo das re-voltas, das virações. Isso faz doer também. Mas que assim seja. Amor fati?
Tempo espiral, tempo serpente, Século XIX de braços com o XXI. Um tempo Brasil, de mistura, de em-laços.N’Os Sertões. Brasileiro. “O brasileiro/ tipo abstrato, tipo abstrato que se procura/ e não se acha/loucura./ Aqui/ AÃ/ Aqui tem o homem brasileiro tÃpico?/ Tipo brasileiro tem tipo? O tipo brasileiro não tem tipo. Tipo brasileiro é um tÃpico sem tipo.†E uma vontade danada de gritar: Graciliano sei de você, a pátria é um orangotango! E pensar que tudo isso cabe em meia hora de espetáculo. Um professor de história ao meu lado bradou: minhas aulas não terão mais graça. A história dele ficou outra... Ficar outra, ficar outro, alter, alterar, alteridade. É o que mais se ouvia em filas, na padaria, nos bares: “Quixeramobim nunca mais será a mesma depois dissoâ€. Também acho. Ky era mo bi. Tupy x Tapuya. Quixeramobim abriu-se ao estrangeiro, ao Outro; descobriu que o Outro, em verdade vivia nela. O estrangeiro, que tudo seduz, também estava lá. Intimamente estranho. Estranhamente Ãntimo. E alguns ainda quiseram atacar os corpos que aparecem nus e em liberdade de gestos. Que bobagem. Corpo sagrado é o corpo que se toca e toca o outro. Corpos colonizados, adoecidos em mangas longas e saltos altos bradando contra corpos livres, em pele, em festa, em prazer, em ligação. Tudo cabe no mundo Ser tão: “ Ah! Sertão/ tão sem ser/ sertão/ Rocha Viva/ Voando,ando/ Ser estando, ser estando.../ Serestando... Tão sem ser...â€
Nota: todas as citações entre aspas são canções do espetáculo, citadas como quis minha memória. Há um trecho da canção “quixeramobimâ€, de nonato luÃs e fausto nilo, que também foi cantada na peça.
Nota 2: na seqüência, publicarei texto em molde mais próximo do “jornalismo
Osvaldo, que texto legal! fiquei emocionada com ele e seu envolvimento com o espetáculo. É claro que como uma boa chatinha que sou, senti falta de uma ficha técnica ou maiores informações sobre a montagem. Mas o texto e as fotos já dizem muito. o CE tá arrebentando! Abraços!
Ilhandarilha · Vitória, ES 29/11/2007 08:21
Osvaldo, deixe assim mesmo o texto. Claro se quiser dar outras referências, mande bala.
O texto, as citações, tudo é muito bonito. É por meio de ações culturais como essa que a transformação e o aprendizado muni o bem do mau.
Um abraço!
Quando encontrei com você na semana passada comentei que iam nascer muitos filhos descendentes dessa passagem dos sertões por quixeramobim. Acho que esse seu texto é um deles, talvez o priemiro..você tava grávido e pariu! Lindo Osvaldo, muito lindo...parece até que ele nasceu mesmo como a avalanche de um parto, com as emoções d eum parto! Ainda fico pensando como é que eu vou passar pela vida sem ver a peça...mas seu texto foi um pedacinho dela pra quem não pôde estar lá...obrigada e beijos.
Lia Silveira · Fortaleza, CE 30/11/2007 17:36Fiquei pasma...tudo acontecendo por aÃ...Sertoes...Texto primoroso e evento mais que ouro. Bju
Cintia Thome · São Paulo, SP 30/11/2007 19:29
Osvaldo,
Assisti a os sertões no teatro oficina em sp. Assisti, quieto
sentado, mudo. E analisei, analisei, nao que o que escrevera
Euclides, analisei com o que contava Mané Riri, um doido do meu lugar. E dizia ele -`Orós nem existe". O Que existiu foi os açudes de Quixaramubim, e falava dos Queirós...... "Uns burros,
Conselheiro, que nada expulso de suas Terras ........"
Dias depois a caminho do Paraná vi um acampamento de "Sem Terra......" ai vi Os Sertões de Mané Riri........
Grande trabalho o do Zé, belo escrito o teu. Escrito com a alma,
um abraço, andre.
Cara muito bom!
Muito interessante mesmo!
Ah... os Sertões...
Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!