NotÃcias do VÃdeo Ãndio Brasil
Aconteceu em Mato Grosso do Sul, de 23 a 29 de junho, a Mostra VÃdeo Ãndio Brasil. Fui convidada a participar e sabia que iria encontrar novidades para exibir na Programação da 13ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico, da qual sou a curadora, aqui no Rio. A Mostra reuniria diversos filmes sobre povos indÃgenas incluindo também a produção de cineastas indÃgenas. Mas o evento a que presenciei foi muito mais que isso. Tendo como principal espaço de exibição um cinema cultural de Campo Grande, o Cine Cultura, a Mostra se desdobrou para outros pontos na periferia da cidade e do interior: realizou-se em três aldeias urbanas, em dois espaços denominados Casa Brasil também na periferia de Campo Grande assim como nas cidades de Dourados e Corumbá. Foi um sucesso!
A princÃpio, nada me parecia tão diferente das expectativas, acostumada como estou a freqüentar algumas mostras e festivais. Uma mostra de filmes sobre Ãndios, um bonito cartaz com rostos indÃgenas, seminários e debates programados paralelo ao filmes e uma oficina de formação audiovisual.
Aos poucos fui me surpreendendo com o distintivo do evento: a significativa e maciça presença de povos indÃgenas. Numa sala de cinema, com aproximadamente 100 lugares, 80 lugares estavam sempre ocupados por representantes de diversas etnias locais: Terena, kadiweu, Guarani Kaiowá, além de parentes mais distantes, como os bororo, e os Xavante, do Mato Grosso. Na maioria jovens, além de algumas lideranças e várias crianças, sempre.
Nas diversas falas, debates e encontros realizados, a tônica era a mesma: a importância e a representatividade do encontro num estado considerado o segundo maior estado do Brasil em termos de população indÃgena e, ao mesmo tempo, a constatação da falta de um espaço para reflexão sobre suas questões no contexto local. Desde os anos 80 não se fazia qualquer evento de maior peso para pensar as questões indÃgenas em Campo Grande, diziam os presentes.
Depoimentos pessoais muito enfáticos apontavam para esse problema. Por um lado, diversos representantes indÃgenas locais, tanto das aldeias urbanas como de aldeias do interior. Professores indÃgenas, expressivas lideranças indÃgenas nacionais presentes, como Marcos Terena, Daniel Munduruku e Fernanda Kaingáng e, por outro, pesquisadores e cineastas, como por exemplo, a antropóloga Dulce Ribas (UFMS) que mediou uma mesa ou o cineasta Joel Pizzini, nascido no estado e diretor do recém lançado filme “500 Almasâ€, sobre os Ãndios Guatós.
O encontro foi marcado por seis mesas redondas temáticas, pela manhã, ocupando toda a semana e exibição de filmes em duas sessões, à noite, na sala de Campo Grande, além de outras itinerâncias. A primeira sessão tinha sempre um debate com os realizadores após o filme, seguida do último filme na sessão das 20 horas. Sempre sala cheia!
Atividades paralelas aconteceram durante o evento. E aÃ, outra surpresa! A oficina de vÃdeo oferecida na Mostra destinava-se a jovens indÃgenas e seria ministrada por dois jovens realizadores indÃgenas Divino Tserewahú (Xavante) e Paulinho Kadojeba (Bororo), com a participação de dois professores colaboradores: Sérgio Sato, fotógrafo e membro da equipe do Museu das Culturas Dom Bosco ligado a Universidade Católica Dom Bosco (dos Salesianos), onde se realizou a Oficina, e o prof. Helio Godoy, do Departamento de Artes da Universidade Federal (MS). A parte prática da Oficina foi totalmente orientada pelos realizadores indÃgenas e, ao final de 4 dias, finalizaram um vÃdeo de 8 minutos sobre a experiência. Um sucesso total com os 25 alunos inscritos!
Impressionou-me muita coisa nesse encontro. Vivi a experiência de conhecer de perto um Brasil que desconhecemos e precisamos conhecer. O Brasil dos povos indÃgenas. Quem é a população indÃgena do Brasil? Quantas lÃnguas falam? Onde estão localizados? Quais são as principais questões? Porque vivemos tão afastados, nos grandes centros urbanos, dessa realidade?
A advogada indÃgena Lúcia Fernanda Jófej Kaingáng nos apresentou uma coleção de livros, recém lançada pelo MEC, com a participação do LACED, do Museu Nacional, que pretende dar conta das principais questões que temos sobre o tema. É ótimo conteúdo para as novas exigências do MEC de conteúdo indÃgena nos curriculuns escolares. Ela e Daniel Munduruku representam o INBRAPI, o Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual IndÃgena, com sede em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Muitas publicações, incluindo literatura infantil indÃgena, fazem parte de sua bibliografia. Foi um sucesso a participação de ambos.
Importantes filmes foram exibidos nessa Mostra, dando relevo as diversas questões tratadas: Estratégia Xavante, de Belisário Franca, mostra histórias de sucesso na convivência entre Ãndios e não Ãndios. Um ótimo filme com material histórico maravilhoso. Serras da desordem, de Andréa Tonacci, outro grande documentário premiado, que conta a saga do Ãndio Carapirú que fica vagando durante anos, tendo perdido sua famÃlia massacrada no processo de ocupação nas serras do Brasil Central.
O filme do realizador indÃgena Paulo Kadojeba que, sentindo-se injustiçado com uma matéria feita pelo Fantástico, da Rede Globo, em sua aldeia (teriam transgredido rituais privados, tornando-os públicos )- investiu na realização de seu próprio filme, descrevendo o ritual a seu modo: Boe Erro Kurireu. Divino Tserewahu, que já tem vários filmes em seu curriculum – é um dos representantes das primeiras turmas de realizadores indÃgenas formados pelo famoso projeto Video nas Aldeias, de capacitação das populações indÃgenas para o audiovisual. Nos apresentou Wai’a Rini, o poder do sonho, vÃdeo que ganhou prêmio na Mostra Internacional do Filme Etnográfico de 2001. O também premiado Pirinop: meu primeiro contato, de Mari Corrêa e Karané Ikpeng (VÃdeo nas Aldeias), também foi exibido, assim como alguns clássicos relembrados: Avaeté, a semente de vingança, de Zelito Viana; Uirá, um Ãndio em busca de Deus, de Gustavo Dahl e Mato Eles?, de Sérgio Bianchi. Ao todo 28 filmes.
A presença de Vincent Carelli, idealizador e um dos diretores da ONG VÃdeo nas Aldeias, de Olinda (PE), que vem há 21 anos atuando junto à s populações indÃgenas no Brasil, capacitando-as para a realização de projetos audiovisuais, foi destacada no evento, fazendo justiça a esse seu trabalho maravilhoso e de enorme abrangência. Não só Tserewahu fazia constantes menções a importância do VÃdeo nas Aldeias na sua formação e a orientação permanente de Vincent Carelli a seus projetos, como inúmeras referências positivas foram feitas pelos presentes: o próprio Museu Dom Bosco, ao criar seu Programa de Audiovisual IndÃgena não nega ter-se inspirado no projeto Video nas Aldeias. Uma segunda geração de realizadores indÃgenas vem aÃ.
Durante a Mostra, o VÃdeo nas Aldeias apresentou-se, Vincent falou de sua trajetória, os novos projetos e divulgou três séries de vÃdeos que estão disponibilizando para distribuição. Cineastas IndÃgenas: Kuikuro; Cineastas IndÃgenas: Panará, Cineastas IndÃgenas: Hunikui. (Foram encaminhados para distribuição gratuita para escolas indÃgenas via MEC). Fazem parte de um projeto maior, englobando outras três etnias: Ikpeng, Ashaninka e Xavante. Os vÃdeos tem legendas em cinco lÃnguas, incluem dois curta-metragens extras contextualizando os povos. Acompanha um cadernos bilÃngüe ilustrado com fotos e diversas informações.Um bonito trabalho que pode ser melhor conhecido em www.videonasladeias.org.br.
Fomos visitar as aldeias urbanas: casas populares para indÃgenas desaldeados, que se organizam em condomÃnios na periferia de Campo Grande. São três existentes na cidade. A Aldeia Ãgua Bonita reúne 40 casas, com 4 etnias (cada casa tem um grafismo pintado na fachada) e uma casa redonda central, que funciona como um centro cultural. Foi conquista da conhecida lÃder indÃgena Marta Guarany, em anos recentes, que se desdobrou em outros dois projetos bancados pelo governo local .
No momento de nossa visita passava o filme IX Jogos dos Povos IndÃgenas, de Ronaldo Duque, um documentário que descreve didaticamente a realização dos jogos indÃgenas que aconteceram em Recife e Olinda, no ano de 2007. Um evento que, aparentemente, pouco espaço ganhou na mÃdia nacional à época, apesar de ter reunido mais de 1050 atletas, representando 40 etnias diferentes brasileiras. Um grupo grande de moradores, de várias gerações, acompanhava, muito interessado, as projeções e o debate, a seguir, com o diretor.
Assim como essa exibição, a Mostra desdobrou-se nas cidades do interior (Corumbá e Dourados), também com a presença de alguns realizadores em sessões com debates.
É importante destacar a participação da cineasta Aymara Maria Morales, da BolÃvia, no evento. Sua presença com longas tranças, o chapéu côco tradicional e a indumentária campesina boliviana chamava a atenção por onde passava. Seu filme Venciendo el Miedo é uma ficção encenada com atores naturais locais. A diretora, em seu comentário após o filme justificou sua realização, como uma militância polÃtica, tratando dos assuntos: mulheres, saúde, educação e terra. Trata-se de um bonito trabalho, com roteiro seu e participação da equipe de Yvan Sanjines, filho do famoso cineasta boliviano Jorge Sanginez.
Quero parabenizar a equipe da Mostra VÃdeo Brasil pela realização desse evento. Importantes encontros aconteceram. Importantes articulações envolvendo as questões indÃgenas e o audiovisual também foram encaminhadas. Certamente novidades virão por aÃ. Há jovens realizadores indÃgenas em formação. A proposta, como dizia Vincent, deve ser na excelência dos novos projetos. Acredito que os diversos envolvidos nessa Mostra possam se sentir, de alguma forma, contribuindo para o seu sucesso. A Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural do MINC, a FUNAI e os demais parceiros tiveram a sensibilidade para apoiar a iniciativa que, nas pessoas da Luana Salomão e do Belchior Cabral, lideraram essa Mostra (ver www.cinecultura.com.br.)
Que ela tenha vida longa!
Rio, 03 de julho de 2008
PatrÃcia Monte-Mór
Patricia,
Abrindo a votação...
Aplaudo todas as iniciativas que abordam a questão do Ãndio.
O Brasil tem uma grande dÃvida com os povos indÃgenas.
Abs,
patrÃcia, desconhecia tudo isso. obrigada pela matéria informativa.
ab
Aplaudo de pé, toda e qualquer iniciativa e evento q possa colocar qualquer minoria em destaque. Soh tenho um porém a fazer. Que pena q passaram isso numa sala de cinema p somente 100 pessoas, na maioria 90% somente indios assistindo sua própria história. Pq naum passaram na rua, na praça, para mil, duas mil, tres mil pessoas? Este é o povo q tem de saber sobre a existencia do indio. Nao é a aldeia do indio. É a aldeia do branco q tem de saber do indio.
Nic NIlson · Campinas, SP 5/7/2008 17:41
Participei da noite de abertura do evento e só posso agradecer aos idealizadores e responsáveis pelas atividades desenvolvidas e parabenizar a autora do artigo, PatrÃcia Monte-Mór. Prá mim vc passou uma bela idéia do que foi a Mostra.
Espero que o Cine Cultura persista na árdua tarefa de divulgar, dialogar e proporcionar a realização de eventos culturais relevantes para o mundo, não importando a regionalidade ou etnia.
Prezado Nic Nilson,
Tivemos Mostras Paralelas ao CineCultura em bairros de Campo Grande, Dourados e Corumbá, as maiores cidades de Mato Grosso do Sul, também para não-Ãndios. O Festival teve público de milhares de espectadores, entre eles mais da metade de não-Ãndios. Foram 7 locais, além do CineCultura. A presença dos indÃgenas foi deliberada, querÃamos fazer junto com eles, cineastas indÃgenas e espectadores. Foi um diálogo entre culturas. Estou tomado ainda hoje pelas sensações provocadas durante as sessões. Foi impactante assistir, por exemplo, "O poder do Sonho", "Serras da Desordem" ou "Juruna - O EspÃrito da Floresta" ao lado do filho e de sobrinhos do cacique. Ao lado do cinegrafista Bororo, Paulinho Kdojeba, do cineasta Xavante, Divino Tserewahú, sentindo o impacto do filme nesse cineasta, referência para jovens indÃgenas que deram o primeiro passo na oficina de produção audiovisual.
Olá PatrÃcia! Bacana sentir a sua vibração e sintonia com o evento.
E Nic Nilson, a própria comunidade indÃgena também precisa debater idéias. O VIB provou isso. Afinal são 220 etnias e aproximadamente 180 idiomas.
E Bel, com certeza, estar todo mundo junto - indÃgenas e não-indios - vendo os filmes de alguma maneira fez aflorar vários sentimentos. Marcante e comovente. Doce e amargo. Como já escreveu Geraldo EspÃndola: 'Rosa em pedra dura, tanto bate que perfuma!'
QUEM QUISER VER FOTOS DO VIB, CLIQUE AQUI!
Que essa luta pelo indio continue!
Votado
Sinvaline
Oi PatrÃcia
Não vi muitos filmes produzidos por indios, mas imagino que sua cultura, a forma "natural" do pensamento não acadêmica, seja mais flexivel para articular a linguagem cinematográfica.
Creio que superada a instrumentação básica para controlar os equipamentos, eles lenham mais facilidades para se expressar que o cidadão comum.
Estou atento para não perder a 13º Mostra de Filme Etnográfico
um abraço
Paulo Vargas
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