- ‘Alô’.
- ‘2-5499, bom dia’.
- ‘Perdoa-me, foi engano’.
Este foi o diálogo inicial da novela que iria se transformar na primeira produção do gênero a ser mostrada diariamente no Brasil. O par romântico – que se conhece devido a uma ligação errada – era interpretado por Tarcísio Meira e Glória Menezes na novela ‘2-5499 Ocupado’, que a TV Excelsior começou a colocar no ar em julho de 1963.
Quando estreou, a produção era exibida em São Paulo às segundas, quartas e sextas e a emissora enviava os videoteipes de ‘2-5499 Ocupado’ para as outras Capitais. A Excelsior do Rio de Janeiro, em setembro de 1963, percebendo que poderia atrair mais publicidade e habituar o espectador a acompanhar a trama, resolveu exibir a novela diariamente. Com isso, acabou abrindo caminho para o gênero ganhar mais público.
‘Tinha antipatia por novelas e aceitei fazer porque achei que fossem assistir. Mas a novela repercutiu entre pessoas que não gostavam de teatro. Desde então, aprendi que novela é imprevisível’, afirma Tarcísio Meira.
Mas a primeira novela diária a fazer sucesso no país foi ‘O Direito de Nascer’, em 1964, na TV Tupi, que tornou populares os personagens Mamãe Dolores, Albertinho Limonta e Maria Helena. Quem imperava no Brasil naquela época era mesmo Glória Magadan. A exilada cubana ficou conhecida por escrever dramalhões ambientados em países distantes do Brasil. Sua primeira novela na Globo foi ‘O Skeik de Agadir’, em 1966, com o ‘sheik’ vivido por Henrique Martins e a mocinha interpretada por Yoná Magalhães.
A autora cubana era capaz de desatinos. Como matar o personagem de Sebastião Vasconcelos, só porque ele usava barba e bigode e ficava parecido com Fidel Castro. ‘A Glória não destacava os costumes e as belezas do país. Isso foi mudando aos poucos’, lembra Marieta Severo. A atriz estreou na novela aos 19 anos, como uma vilã, a princesa árabe Éden de Bassora. A personagem de Marieta, na verdade, era o misterioso Rato, que durante toda a novela só mostrava as mãos enluvadas e cometia diversos assassinatos.
Foi com ‘Beto Rockfeller’ que o brasileiro começou a se reconhecer nas tramas das novelas. A produção, exibida na TV Tupi em 1968, modificava o conteúdo habitual das novelas ao apostar em situações e personagens bem brasileiros. Vivido por Luiz Gustavo, o protagonista se infiltra na alta sociedade paulistana para tentar subir na vida.
No rastro de ‘Beto’, a Globo aposentou o estilo ‘Magadan’ e passou a produzir tramas calcadas nos costumes brasileiros, sob a batuta de Janete Clair. A autora estreou na emissora em ‘Véu de Noiva’, em 1969, arrebatou o público com ‘Irmãos Coragem’, em 1970, e transformou a Globo em líder de audiência. Além de ambientar a trama de ‘Irmãos Coragem’ em um garimpo de Goiás, Janete criou personagens bem populares para os irmãos vividos por Tarcísio Meira, Cláudio Cavalcante e Cláudio Marzzo. ‘O incrível é que ‘Irmãos Coragem’ falava de disputa de terras em plena repressão militar. Foi um avanço’, pondera Milton Gonçalves, que dirigiu ‘Irmãos Coragem’ e é atualmente o ator com contrato mais antigo na Globo.
Já ‘O Bem-Amado’, em 1973, foi a primeira novela exibida em cores no Brasil. A trama de Dias Gomes enfocava o prefeito baiano Odorico Paraguaçu, papel de Paulo Gracindo, e a inauguração do cemitério de Sucupira. Foi a primeira novela brasileira a ser vendida para o exterior, começando pelo México e chegando à América Latina. ‘O Bem-Amado despertou a consciência política no brasileiro. Foi importante as pessoas terem recebido bem esta novela’, acredita Lima Duarte, que fez o inesquecível Zeca Diabo.
Três anos depois, a Globo exibiu ‘Escrava Isaura’, adaptação de Gilberto Braga para romance de Bernardo Guimarães. Com a estreante Lucélia Santos como a escrava branca do título, a produção foi vendida para mais de 100 países. ‘Até os monges do Himalaia já me reconheceram. Ninguém esperava que uma novela brasileira chegasse tão longe’, ressalta Lucélia.
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De capítulo em capítulo, a novela diária se transformou no produto mais importante da televisão brasileira, ganhou projeção internacional e se tornou um símbolo de brasilidade em todo o mundo. Mas o auge do gênero aconteceu com ‘Roque Santeiro’, em 1985. A novela de Dias Gomes e Aguinaldo Silva fez o Brasil parar para acompanhar a história de Viúva Porcina e Sinhozinho Malta. Os dois últimos capítulos da trama tiveram inimagináveis 100% dos televisores do país sintonizados em ‘Roque Santeiro’, feito até então alcançado apenas por ‘Selva de Pedra’, em 1972. ‘Sucesso como o de Roque Santeiro não tem explicação e dificilmente acontece duas vezes’, avalia Aguinaldo.
Em 1988, a Globo colocava no ar ‘Vale Tudo’, de Gilberto Braga, uma das mais ferozes críticas sociais ao Brasil e que levou o país a indagar ‘quem matou Odete Roithman?’, papel de Beatriz Seggal. O vilão vivido por Reginaldo Faria não é punido no final da trama e a novela acaba com ele fazendo o gesto de 'dar uma banana' para todos. ‘Vale Tudo questionava até que ponto valia ser honesto no Brasil’, relembra Gilberto.
A extinta Manchete, com ‘Pantanal’, provocou a terceira modificação importante no gênero. A novela de Benedito Ruy Barbosa contava a saga da família Leôncio, uma das grandes criadoras de gado da região pantaneira sul-mato-grossense, e havia ficado oito anos na gaveta da Globo. ‘Antes, as novelas só tinham 10% de externas. 'Pantanal' inverteu esta ordem e mudou a maneira de produzir novela no Brasil’, valoriza Benedito.
Em 1997, a mesma Manchete transformou Taís Araújo na primeira protagonista negra de uma novela brasileira com ‘Xica da Silva’ e no mesmo ano o SBT assustou a concorrência com a infantil ‘Chiquititas’, adaptada do original argentino. ‘Conquistamos um público que queria histórias mais tradicionais’, avalia a protagonista Flávia Monteiro.
Mas apenas a Globo chegou aos final da década de 90 com o ‘know-how’ e saúde financeira para realizar superproduções diárias. ‘Terra Nostra’, em 1999, virou uma espécie de continuação de Benedito Ruy Barbosa para a novela ‘Os Imigrantes’, exibida na Band em 1981, só que tratando apenas da imigração italiana. Na direção, Jayme Monjardim, o mesmo que em 2001 iria dar tratamento épico para ‘O Clone’, de Glória Perez, com gravações em Marrocos e uma trama inusitada que misturava clonagem, cultura árabe e a irreverência do subúrbio carioca.
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# A novela mais antiga do mundo é a americana ‘The Guiding Light’, do canal CBS. Ela foi criada no rádio em 1937 e permanece na TV desde 1952.
# A primeira história contada na TV Brasileira foi ‘A Vida Por Um Fio’, em novembro de 1950, dois meses após a inauguração da pioneira TV Tupi de São Paulo. Era uma adaptação de Cassiano Gabus Mendes para o filme americano ‘Sorry, Wrong Number’.
# A novela ‘A Deusa Vencida’, exibida pela TV Excelcior em 1965, é considerada a primeira superprodução do gênero. A trama era de Ivani Ribeiro e marcou a estréia de Regina Duarte.
# A primeira novela com texto totalmente brasileiro para a TV foi ‘Ambição’, de Ivani Ribeiro. Exibida em 1964, na TV Excelcior, a trama focalizava uma moça pobre que desejava ascender socialmente.
# As primeiras novelas da Globo foram ‘Ilusões Perdidas’, de Ênia Petri, e ‘Rosinha do Sobrado’, de Moysés Weltman, ambas exibidas em 1965.
# Dias Gomes estreou na Globo ao assumir ‘A Ponte dos Suspiros’, em 1969, com o pseudônimo de Stela Calderón. Foi a última novela supervisionada por Gloria Magadan na Globo. A cubana foi dispensada da emissora e encerrou a sua carreira de autora no Brasil com o fracasso ‘E Nós Aonde Vamos?’, na TV Tupi, em 1970.
# ‘Redenção’, do autor Raimundo Lopes, teve 596 capítulos. Produzida pela TV Excelsior de São Paulo e apresentada às 19h, a novela foi exibida entre 16 de maio de 1966 e 2 de maio de 1968. Francisco Cuoco interpretava o médico-protagonista que chegava à cidade de Redenção e despertava a paixão em três mulheres vividas por Miriam Mehler, Lourdes Rocha e Márcia Real.
# ‘O Machão’, de Sérgio Jockyman, foi a segunda maior novela, com 371 capítulos. Produzida pela TV Tupi, entre 5 de fevereiro de 1974 e 15 de abril de 1975 no horário das 20h30, a novela era protagonizada por Antônio Fagundes. O ator se desentendeu com a emissora e se transferiu para a Globo antes do desfecho final. A novela era uma adaptação da novela ‘A Indomável’, que Ivani Ribeiro escreveu para a TV Excelcior em 1965 já inspirada em William Shakespeare.
# ‘Os Imigrantes’, de Benedito Ruy Barbosa, teve 333 capítulos e é considerada a terceira maior novela diária exibida no Brasil. A produção da TV Bandeirantes ficou no ar no horário das 18h30 entre 27 de abril de 1981 e 4 de junho de 1982. A trama contava a história dos imigrantes que ajudaram a construir o Brasil do Século XX. A novela ainda rendeu uma continuação, ‘Os Imigrantes – Terceira Geração’, de 7 de junho a 29 de outubro de 1982 também na TV Bandeirantes, mão conseguiu cativar o espectador.
# ‘O Bofe’, de 1972, e ‘O Rebu’, de 1974, ambas escritas por Bráulio Pedroso, estão entre as novelas mais inovadoras da tevê brasileira. Na primeira, os personagens eram bem esquisitos, com direito a travesti alcoólatra vivido por Ziembinski. Na segunda, a própria trama era avançada pra época. A novela toda se passava na noite em que acontece um assasinato em uma festa.
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* Matéria publicada pela agência TV Press em 6/7/2003.
Rodrigo , linda a tua matéria. Uma aula sobre a história da novela no Brasil. Um trabalho realmente digno de publicação. Beijão.
Maria Lúcia Medeiros Teixeira · Campo Grande, MS 3/6/2007 23:09Bacana, informativo e popular. A TV merece destaque... e você mesclou bem a história da Tv e a informação.
Glês Nascimento · Palmas, TO 5/6/2007 19:03Apesar de ter meus poréns com a televisão brasileira, achei ótima a matéria explicatica, sem ser crítica ou o quê, a respeito da história do novelismo brasileiro. Texto grande, mas enxuto. Como disse Maria Lúcia, digno de publicação.
Labes, Marcelo · Blumenau, SC 8/6/2007 13:55Valeu Maria Lúcia, Glês e Labes. Os comentários foram poucos, mas sinceros (rs)! Grande abraço!
Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 8/6/2007 14:24Rodrigo, novela também é cultura. Adorei a matéria, me remeteu aos saudosos tempos de Janete Clair e Dias Gomes. A maneira como a TV brasileira pegou o formato meio hisoânico/meio norte-americano e o traduziu para uma linguagem mais acessível aos códigos brasileiros é algo que mexe e incomoda com os intelectuais desde os tempos da ditadura, em que a turma da esquerda ficava assistindo novelas e o Chacrinha para tentar entender o porquê de tanto fascínio do povo por essas formas de cultura. Isso ainda merece análises mais profundas.
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 11/6/2007 02:39É isso mesmo Fábio. Os latinos gostam mais de novelas do que a maioria mesmo. Uns dizem que é falta de cultura. Mas que produzimos a melhor novela do mundo não tem como negar. grande abraço
Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 11/6/2007 12:50Para comentar é preciso estar logado no site. Faa primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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