Autor: Professor Acúrsio Esteves *
Treze de maio de 1888 passou para a história do Brasil como o dia em que teria se acabado a escravidão em terras tupiniquins. Depois que a pena da princesa anunciou por decreto que não mais haveria jugo, a população negra a partir de então seria livre, não teria mais senhorio e poderia viver com dignidade e igualdade.
Assim a escola me ensinou, assim eu aprendi e assim acreditei durante longos anos da minha vida. É certo que nunca entendi bem porque a Princesa Isabel, “A Redentora”, decidira tomar tal atitude contrariando os interesses dos que detinham o poder e entrando em sintonia com os anseios da subjugada população negra, de alguns poetas, intelectuais e políticos sonhadores que se diziam abolicionistas. Pensava: foi uma verdadeira revolução sem sangue feita por uma mulher de coragem.
O que a escola nunca me ensinou foi que à época, os negócios do açúcar brasileiro, que era a principal fonte de riqueza nacional e onde estava alocada aproximadamente 90% da mão-de-obra escrava, iam de mal a pior. O açúcar da América Central era mais barato, mais próximo dos grandes mercados e de melhor qualidade que o nosso. Não dava para competir. Infelizmente só aprendi a “História da Conveniência”, e Geografia Física onde os aspectos políticos e econômicos “não eram” de nosso interesse.
O imenso contingente de escravos tornara-se então um fardo para os senhores de engenho. Como sustentar esta ”horda” de homens, mulheres e crianças, mesmo sob miseráveis condições, diante de tal crise econômica? Era a pergunta que não se calava e que teve apenas uma resposta: Demissão em massa. Sim amigos e amigas, a demissão em massa foi a solução encontrada para os trabalhadores e trabalhadoras forçados que edificaram e sustentavam a economia nacional. E foi a maior, mais cruel de todos os tempos e quiçá de todas as partes do mundo.
Foi uma demissão sem direitos trabalhistas, quando milhões de trabalhadores saíram do único abrigo que conheceram por toda a vida apenas com seus míseros pertences e a roupa do corpo. E não tinham direito a ficar se quisessem. Só os mais aptos ao trabalho ou os que possuíssem alguma especialização foram mantidos como empregados, apenas pelo interesse do seu senhorio capitalista. Esta demissão teve um nome bonito: Lei Áurea.
Antes dela, porém, vieram outras da mesma forma convenientes aos interesses da classe dominante. Vejamos: A primeira foi a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que proibia o tráfico. Como a Inglaterra na prática já havia decidido interceptar e apreender os navios negreiros, libertando os escravizados, então, foi uma lei inócua.
A segunda, a Lei do Ventre Livre, 1871, serviu apenas para diminuir a pressão social dos abolicionistas. Ela não tinha aplicação prática, pois, como a criança pode ser livre com pais escravos? Será que ela, a criança, teria escola, moradia digna e cidadania enquanto seus pais estavam nas senzalas? Ela, que ainda seria tutelada até a idade de 21 anos pelos senhores de seus pais, teria vida de cidadã ou de escrava?
A terceira, a Lei dos Sexagenários, 1885, foi a mais perversa de todas, pois a expectativa de vida do cidadão livre à época era de 60/ 65 anos e a do escravo 32/40 anos. Eram raros os que chegavam à idade contemplada pela lei. Era muito difícil ter o controle da idade exata do escravo. Ainda hoje não são poucas as pessoas que não possuem registro de nascimento. Então, se o negro estivesse apto ao trabalho, forte, com boa saúde, era fácil dizer que ele ainda não tivesse alcançado a idade prevista pela lei. Porém se ele estivesse doente ou imprestável para o trabalho, nada mais cômodo que conferir-lhe os 60 anos e mandá-lo embora.
Após a “libertação”, o imenso contingente “livre”, dentre os quais estavam os fracos, doentes, velhos, crianças e outros “excedentes”, foi enxotado de uma hora para outra para o olho da rua. Não havia uma política agrária nem instrução pública e gratuita para os libertos, como defendia Joaquim Nabuco. Você já parou para refletir sobre as futuras condições de vida dos(as) que foram “libertados”?
Onde iriam morar?
Como iriam sobreviver?
Iriam ser respeitados de uma hora para outra como cidadãos e cidadãs?
Que tipo de oportunidades a “sociedade” que eles construíram ofereceria para que esta gente construísse sua vida?
Não é preciso ser especialista em sociologia para responder a estas indagações. Mas onde foi parar esta gente escorraçada das ruas das cidades por “vadiagem”? Que não tinha trabalho para sustentar a si nem a sua eventual família, nem moradia digna? Foi parar na periferia das cidades, morando em casas(?) miseráveis, sem esgoto, luz, água tratada, lazer, trabalho, educação, saúde, dignidade... Onde permanece, em sua grande maioria, até os dias atuais. Alguma semelhança com a Rocinha, Alagados, Pela Porco, Buraco Quente, Vigário Geral, Jardim Felicidade, Vila Zumbi, não é mera coincidência.
Morros, favelas, invasões, palafitas; ícones da desigualdade social convivendo lado a lado com o progresso, o conforto, a saúde, o lazer, a educação, o trabalho, a vida digna. Morros, favelas, invasões, palafitas; locus do subemprego, da miséria, da violência, da informalidade, da contravenção, da exclusão, da fome, da morte em vida, da vida que finda a mingua, da injustiça social... Vergonha nacional. Nova versão do antigo jugo escravocrata, quilombos urbanos do século XXI.
* Acúrsio Esteves é professor da Secretaria Municipal de Educação e Cultura, Faculdades Jorge Amado e FACDELTA, em Salvador, Bahia. É também autor do livro A “Capoeira” da Indústria do Entretenimento e de Pedagogia do Brincar em parceria com a professora Disalda Leite.
Contactos: (71) 9946-4743 / (71) 3233-9255 - acursio1@gmail.com
!?! Liberdade - Abolição - Escravidão ?!? - 13 de Maio - Uma data para refletir...
Por Luciano Milani
No próximo dia 13 de maio o Brasil completa 119 anos de Abolição.
Para não deixarmos esta data passar em "branco" e para fomentarmos uma reflexão em torno deste assunto, o Portal Capoeira sugere:
!?! Liberdade - Abolição - Escravidão ?!?
Como tema deste mês.
Separamos especialmente para os leitores e visitantes do Portal uma série de textos que abordam a Abolição, a Consciência, a Liberdade e a Escravidão...
Fica aqui a dica de boa e proveitosa leitura!!!
Para ler outras matérias relacionadas com o tema, visite: Portal Capoeira
Portal Capoeira.
Muito bom o texto. Uma reflexão precisa!
Obrigado Higor,
O texto é de autoria de um de nossos colaboradores, o professor Acúrsio Esteves, um soteropolitano arretado!!!
Visite: www.portalcapoeira.com
Excelente artigo. Não bastassem as mentiras e falácias históricas enumeradas pelo professor Acúrsio Esteves, gostaria de lembrar ainda outras razões que levaram a elite branca a promover a Abolição, mas que até hoje são pouco estudadas.
1. Em 1888, da população 6.000.000 habitantes, 700 mil ainda eram escravos, mas grande parte dos africanos e afro-descendentes (acredita-se que o dobro da população escrava) já havia conquistado a liberdade através das lutas dos quilombos, da compra de alforrias e alguns beneficiados pelas citadas leis, como a do Ventre Livre e a dos Sexagenários.
2. Este contingente de libertos incutia verdadeiro pavor na elite branca que temia pudesse ocorrer no Brasil o que ocorrerar quase um século antes no Haiti, quando os negros liderados por Touissant L'Ouverture rebelaram-se, expulsaram os franceses e, depois de muita luta, proclamaram a independência do país (1804).
3. Após a Guerra do Paraguai (que acabou em 1872), da qual muitos negros participaram, o Exército – que antes era usado pelo governo para controlar as revoltas negras – negou-se a perseguir os revoltosos, papel deixado para a polícia. Isto aumentou o medo dos brancos, que começaram a pensar na Abolição como uma maneira de evitar uma revolta maior da população negra.
4. No Brasil, as revoltas dos escravizados eram muito comuns. Os quilombos eram numerosos em todas as partes do país e os brancos proprietários viviam apavorados com uma possível reação da população. Mesmo porque, nem todos os brancos apoiavam o regime criminoso do escravismo. Pelo contrário, muitos deles se uniram aos negros para lutar contra o regime.
5. Apenas para lembrar, a luta abolicionista teve participação de intelectuais e ativistas negros como Luís Gama, Quintino de Lacerda e José do Patrocínio, entre outros, que colaboraram nos debates que culminaram com a aprovação da Abolição pela Assembléia Nacional, em 1888, formalizado pela Lei Áurea em 13 de maio.
Portanto, corrobrando o professor Acúsio, a Abolição de fato não foi uma dádiva da Princesa Isabel, como nos ensinaram, mas uma conquista da população brasileira, uma vitória dos movimentos populares. E, neste sentido, deve ser historicamente compreendida e comemorada.
Perdoem-me pelo extenso comentário, mas não resisti. Um abraço ao professor Acúrsio e parabéns ao Portal Capoeira pelo excelente trabalho.
Errata
Na segunda linha do item 2, onde escrevi "ocorrerar" deve-se ler, evidentemente, "ocorrera".
Na primeira linha do penúltimo parágrafo, onde escrevi "corrobrando" leia-se corroborando.
Desculpem-me.
Caro Nivaldo,
tomei a liberdade de publicar seu comentário no Portal Capoeira - www.portalcapoeira.com
Um grande axé!
Valeu. Sinto-me lisonjeado. Abraços.
Nivaldo Lemos · Rio de Janeiro, RJ 4/5/2007 11:03Excelente tudo, o artigo e os comentários.
DaniCast · São Paulo, SP 7/5/2007 16:22Agradeço aos comentários. Valeu Higor, Nivaldo e sobretudo Dani, uma leitora bastante crítica.
Acúrsio Esteves · Salvador, BA 8/5/2007 00:54
Caros Amigos,
Minha principal motivação em trazer textos publicados no Portal Capoeira para o Overmundo, é chamar a atenção para está fantastica e multifacetada arte-luta-dança. Uma outra abordagem é criar uma ponte para que leitores do overmundo, aqueles que não conhecem a capoeira... possam navegar nesta rica cultura.
Agradeço o amigo, parceiro e "coelho da páscoa" Acúrsio Esteves.
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