Quando José Alberto Rodrigues Matos deu seus primeiros passos na Rua Laranjeiras, em Aracaju, mal sabia que seu swing renderia tantos louros. Das terras do Sirigype, aos oito anos, seu pai alfaiate e saxofonista fez as malas, aprontou a famÃlia e seguiu rumo a capital federal . O Rio de Janeiro, no bairro Olaria, seria o local onde Zé se destacaria entre tantos outros nomes comuns. Zé da Velha Guarda, ou numa versão curta como Zé da Velha. Adolescente que aos 17 anos já acompanhava com seu trombone Pixinguinha, João da Baiana, Bide e Donga.
Mas antes de ser dono de um contraponto que já virou sua marca registrada, Zé levou muita régua nas costas do seu primeiro professor de música. No velho dito popular de “santo de casa não faz milagreâ€, seu pai desistiu de ensinar ao filho a tocar no compasso corretamente. Curioso, o menino encontra sua turma na Banda Musical Estudantil de Olaria. Entre marchinhas carnavalescas até a primeira grande apresentação de sua vida artÃstica é um pulo. Nada menos que o Baile do Cordão do Bola Preta. E lá o garoto se efetiva no conjunto que tinha a formação de Bide na flauta, Tininho no trompete, Severino no violão 6 cordas, SicÃlio no violão 7 cordas, Pintacuda no cavaquinho, MÃlton no pandeiro, Haroldo no surdo e João da Baiana no prato.
Nessa mesma idade, praticamente 20 anos depois, chegava na cidade de Niterói um jovem de Lage Muriaé. Silvério Rocha Pontes e um trompete, debaixo do braço, se instalam na pensão de sua tia. A conhecida história da famÃlia mandar o filho para capital atrás dos estudos. Depois de tentar dois vestibulares sem êxito, Silvério concilia um emprego e tocadas nos bares durante os finais de semana. Nessa época, o jovem morador de Nikiti era um admirador do já conhecido Zé da Velha. Pelas mãos do seu pai, ouvia em casa os bolachões do Zé tocando com Abel Ferreira, Paulo Moura e Jacob do Bandolim.
Era o jeito de tocar a vara daquele trombone que emocionava a famÃlia Pontes. Mesmo interesse que fez Bide da Flauta facilitar um grande encontro. Depois de um mês tocando no 'Bola Preta', chega nos ouvidos de Alfredo da Rocha Viana Filho a destreza dum jovem prodÃgio. Convite feito, visita marcada. Zé que nem sabia de quem se tratava, quando chegou na casa do mestre viu que era Pixinguinha. Empatia certeira. “Aqui você toca o que quiser. Fica à vontade, meu filhoâ€, disse. Os contracantos se afinaram, ao ponto do mestre começar a chamá-lo de “meu sobrinhoâ€. Pixinguinha tinha 62 e Zé completava 18. Parceria que se estendeu por mais de 15 anos.
Essa mesma relação de mestre-discÃpulo seria refeita janeiros depois. Numa das tocadas no bar "Boca da Noite", acompanhando o flautista Cláudio Camunguelo, Silvério tremeu as pernas ao ver Zé, bigode fininho e cabelo lambido, dar uma canja. Mas existia um impedimento, Silvério mal tocava choro, apenas sambas. Pentelho, começou a ligar constantemente para sabe onde seu professor iria tocar. Então ia para todo lugar onde ele se apresentava, aparecia em toda roda de choro. Até o dia que faltou um clarinetista na “Rua Belaâ€. Era a oportunidade. Perguntaram se o 'pidão' não queria tocar. O substituto rende a execução de alguns choros, fruto da dedicação e das dezenas de idas na Escola Nacional de Música. Pouco a pouco seu repertório ia aumentando. É quando o reserva ocupa a vaga do titular e de placa completa a união dos instrumentos de sopro.
Em 2009 a dupla faz 25 anos. Zé da Velha com 67 e Silvério Pontes completando 48 anos. Depois de Pixinguinha & Benedito Lacerda, é a dupla com maior tempo de estrada. Há 51 anos Zé tromboneia. Se a vara do seu instrumento falasse, diria que até a peruca de Waldir Azevedo já arrancou. São os parceiros que se encontram na história da música, coisa de alma gêmea. Ou é o mistério da afinidade. Dois instrumentos de solo, trombone & trompete se completando e ,talvez, de maneira inusitada para um regional de choro. Coisa de entrosamento. Zé toca, Silvério faz o contraponto. Silvério toca, Zé faz o contraponto. Uma tabelinha à Coutinho & Pelé. Gol de letra.
A junção iniciada no ano da redemocratização, em meio a campanha das “Diretas Jáâ€, é oficializada apenas com a gravação do "Só Gafieira" (1995), álbum indicado ao prêmio Sharp. Quatro anos depois ocorre o lançamento do segundo trabalho, “Tudo Dança - Choros, Maxixes, Sambas", ganhador de cinco estrelas do Jornal "O Globo". Escolhido como o melhor disco instrumental, no ano de 2000, o terceiro álbum "Ele e eu" também foi bastante elogiado pela crÃtica. No ano de 2006, é gravado "Só Pixinguinha" vencedor do prêmio BR da Música. Cansou da discografia? Ainda tem mais para esse ano comemorativo. O convite de Cristóvão Bastos para entrar no estúdio entre fevereiro/março e gravar só boleros. Segundo Zé, seu trombone gosta mesmo de tocar pra todo mundo mexer.
Haja sola de sapato. Culpa do choro. Uma espécie de comunhão passada de pai para filho. Uma religião consagrada na roda. Música sem faixa etária, a mesma que une diferentes gerações, mais antiga no improviso do que o jazz. “O choro é melhor que o jazz. Você não acha, não? Além de ser mais bonito, o choro é dividido tecnicamente em três partes. Já o jazz só tem duasâ€, provoca Silvério. E só de pensar que Pixinguinha tem , pelo menos, umas trezentas músicas que não foram gravadas, totalmente inéditas... Inacreditável.
Haja fôlego. Vide o exemplo da “menor big band do mundo". Se depender dessa alcunha de MaurÃcio Carrilho, por onde eles passam a casa lota. Seis anos distantes dos palcos sergipanos, assentos cheios, corredor repleto de ansiosos ouvidos para o retorno do pródigo filho. Era uma apresentação única pelo projeto “Circular BRâ€, juntamente com grupo Trio Madeira Brasil. Logo no Teatro Lourival Baptista, localizado na mesma rua onde José Alberto viveu os primeiros anos de infância. "Fico meio sem palavras pra dizer o quanto é bom estar aqui", falou Zé envergonhado. Do outro lado, na platéia, a resposta vem : "você está em casa". Misto de aplausos e risos.
Talvez naquela noite Zé da Velha tenha lembrado de uma frase do seu primeiro professor: “Música não tem cabelo. Não tem fimâ€. Como lição de pai pra filho que nunca se perde. Coisa dum "Brasileirinho" que nunca cansa. Uffa.
Gostei de saber um pouco mais sobre o Zé da Velha. Que musicos maravilhosos e inspirados.
Ivette G M
Lu Almeida, teu texto é obra exemplar. Bons links e bem narrado.
Não tenho (eu) como te dizer que o choro é melhor que o jazz. Pra mim ambos são coisa fina. Improviso é com eles. São ritmos que conversam, se entre-laçam, causando fatalidade e razão, talvez até com muita emoção.
Boa história, traga mais e se possÃvel (se não for pedir muito) me convide.
Valeu!
Lu, que barato. Ótimo saber que essa dupla sensacional completa 25 anos este ano e por meio de um texto que trata de um show em Sergipe. Estou voltando de uma semana de férias hoje e adorei a coincidência de ver postados ao mesmo tempo dois textos que se completam - o seu e o do Mansur sobre o Camunguelo. Conheci o Camunguelo num show de Zé da Velha e Silvério Pontes. Uma combinação infalÃvel! Adorei conhecer a história toda - não sabia de muita coisa! Abraço
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 14/1/2009 14:11
Que maravilha!
Quando "furei" o disco do Paulo Moura "Mistura e manda"(do valente selo Kuarup) quando eu tinha uns 18 anos (faz tempo), logo na primeira audição fiquei louco com o trombone tocando melodias riquÃssimas em contraponto com o clarinete e por vezes reforçando as passagens de harmonia ou baixo e fui ver o nome do sujeito: Zé da Velha. Desde então sou fã absoluto.
Como sou nascido em Niterói e lá vivi até os 28 anos, conheço o Silvério de algumas paragens, já comi até um peixe na casa dele...ainda não tive o prazer de tocar com ele, mas somos camaradas e também sou seu fã absoluto.
Lindo texto, merecida homenagem e viva a coincidência que fez com que Camunguelo, Zé da Velha e Silvério se encontrassem novamente, pelo menos no mundo virtual das nossas homenagens.
Vida longa a "dupla de ouro" que faz "bodas de prata" e enche os corações brasileiros de felicidade, alegria e música...muita música!
Arrasou, Lu!
Mistura finÃssima.
Choro é muito bom.
Melhor é questão de hora e lugar, opinião e orelha.
Lu,
O texto está maravilhoso. Ele somado com os links são uma verdadeira aula de choro brasileiro. Informações essencias para quem quer conhecer uma música de qualidade. Elas são colocadas de forma leve e fazem o texto fluir.
Salve Salve Zé da Velha e Silvério Pontes.. que façam muita escola no choro brasileiro.
Ah sim! Não poderioa deixar de fazer referência às fotos de Alejandro que estão fantásticas também.
Abraço e que nos traga sempre boas coisas por aqui!!!
legal, Lu!
Boa pesquisa! Até os links ficaram (muito) bem utilizados!
agora você me deixou na obrigação de conhecer o trabalho deles!
mais uma vez, parabéns! Volto aqui pra votar ;)
Lu, seu estilo é um verdadeiro choro aos nossos olhos...tem tanta música quanto.
Parabéns!!
São todos belÃssimos. Mais que votado. Abração!!!
Dayvson Fabiano "ImorrÃvel" · Recife, PE 16/1/2009 16:38para mim pelo menos foi uma aula. Aula valiosa
Andre Pessego · São Paulo, SP 17/1/2009 11:30E viva o choro! A sua história é encantadora, mas não se esqueça que o Choro vai além do Rio de Janeiro.
Marcelo Torca · Paulicéia, SP 19/1/2009 06:44Bom texto, Lu. Parabéns!
Thiago Fragata · São Cristóvão, SE 19/1/2009 17:34
Marcelo, Silvério & Zé contaram durante a entrevista que o movimento do choro no Brasil está em plena renovação. Eles elogiaram o nÃvel de músicos. Aliás citaram algumas cidades pro amante do choro ficar atento: São LuÃs, Fortaleza, BrasÃlia e Recife. Aliás, Silvério acredita que na terra de Jacaré o nÃvel dos músicos de sopros estão bem a frente do Rio de Janeiro.
Talvez o que falte é mais visibilidade da mÃdia. Por aqui, continuamos a escrever & chorar rsss
É verdade o choro é melhor que o jazz.
Pedacinho do céu e outros mais. Belo texto e bela homenagem.Parabéns! Adorei e votei.Beijos!!
O CHORO é o nosso Jazz.
Bacana o texto, uma aula.
que delicia...
quanta coisa a descobrir!!!
obrigada por compartilhar aqui...
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