Toda cidade que se preze tem uma rua, uma praça, um largo ou uma esquina onde a patuléia se reúne para conversar “miolo de poteâ€. Fosse na Ãgora em Esparta, na Acrópole em Atenas ou no Capitólio em Roma, a falação era uma só. Também por estas terras muitos são os cantões que nasceram para o falacioso propósito. Em Curitiba, a famosa Boca Maldita, reduto de toda sorte de gente: juÃzes togados e de futebol, médicos consagrados e os anônimos “Zé Povinhoâ€. A Boca Maldita ficou famosa quando, só falando mal, derrubou o governo de Leon Peres...
Rumamos um pouco mais em busca do sul maravilha e chegamos ao Largo do Medeiros em Porto Alegre. O lugar virou ponto “coloquial†desde a revolução entre chimangos e maragatos. Enfrentou vários governos e algumas ditaduras gaúchas e federais. Mas está lá. Resistiu... Cruzando de uma ponta à outra do mapa e voilá! Aportamos no Grande Ponto, verdadeira instituição do povo natalense.
Era uma vez...
O cantão do Grande Ponto ganhou vida quando, lá pelos idos da década de 20, o português Custódio de Almeida inaugurou o Café Grande Ponto, ali no cruzamento da avenida Rio Branco com a rua João Pessoa. “Mercearia afreguesada, com algumas mesas para se tomar cerveja; no salão ao lado, dois bilhares utilizados pelos devotos do divertimentoâ€. (Câmara Cascudo – com a devida citação)
Algum tempo depois o Café Grande Ponto fechou as portas. Mas o nome passou a ser a denominação daquela encruzilhada. Ali cruzavam todos os bondes elétricos, único transporte coletivo existente á época. Era o ponto inicial para os bairros de Petrópolis e Tirol. Havia também a linha circular, que ia e voltava do bairro da Ribeira.
Além do café e dos bondes, mesmo em diferentes épocas, em cada esquina daquele cruzamento existia uma edificação marcante. De um lado o Café Avenida, local de encontro e “onde se tomava um bom caldo de canaâ€. Do outro, o lugar onde jet-set da cidade se reunia; o Natal Clube. Anos mais tarde, a Confeitaria Helvética, o cinema Rex, o Café Maia, a Sorveteria Cruzeiro. O Caldo de Cana do Raimundo, a Loja Seta, que algumas primaveras depois Nevaldo Rocha transformaria no que hoje são as lojas Riachuelo. O termo ainda não existia, mas o happy-hour ganhava um endereço eterno.
Um verdadeiro púlpito á céu aberto, o Grande Ponto era um catalisador, um chamariz. Comerciantes, profissionais liberais, desembargadores, professores, poetas e artistas. Existiam grupos para conversas de todos os tipos e calões: futebol, polÃtica, religião e até safadeza.
Durante a II Grande Guerra a “esquina do mundoâ€, como apelidou Djalma Maranhão, prefeito de Natal na década de 60, começou a funcionar o “Serviço de Alto Falanteâ€. Todos os dias, à s sete da noite, o Serviço transmitia músicas e, à s nove horas, retransmitia o noticiário da BBC de Londres. O número de “grandepontenses†crescia de maneira acelerada...
É por essas e outras que aquele cantão não se extinguia. “Ali, a democracia participativa criava raÃzesâ€, pois a discussão era permanente. A falação resolvia todos os problemas, fossem eles, nacionais ou importados. Como dizem os versos do poeta Celso da Silveira, o Grande Ponto era “centro referencial de polÃtica e cultura, de oposição e governo; a palavra ali falada no palanque dos comÃcios, ganharam tal ressonância, que nos seus cantos ecoamâ€.
O ponto dos grandes homens
Naquela encruzilhada o mestre Câmara Cascudo comandava o papo com certa soberba. Sempre de posse do seu charuto Suerdiek, do tipo puro baiano ou Corona Priveé, falava dos compassos flutuantes da polÃtica, da cultura e do folclore. Outro célebre habitué do Grande Ponto era Djalma Maranhão. “Plural e dionÃsico, sentimental e romântico, vivia permanentemente em contato com todas as classesâ€. Como dizia o poeta paraibano José Condé, o então prefeito, “transformou Natal numa verdadeira Passárgada culturalâ€. Grande Ponto de carnavais, dos autos folclóricos e das manifestações polÃticas.
Ex-presidente da Federação Norte-rio-grandense de Futebol, o desportista e conversador João Cláudio Machado junto com seu grupo de noctÃvagos varavam as madrugadas em falácias intermináveis. Era o “reitor†naquela “universidade†chamada Grande Ponto. Por ali passaram grandes figuras, a maioria, atualmente, é nome de rua, escola e até estádio de futebol como o Machadão. O Grande Ponto é chão de luta e também história de amor a terra. Hoje é tema de livro, de tese de mestrado e, sobretudo, objeto da saudade daqueles que freqüentaram o mais famoso cantão da cidade.
Beleza Filipe! Vamos trazer o espÃrito das cidades aqui para o Overmundo!
Abraço!
as fotos estão ótimas!
Guilherme Mattoso · Niterói, RJ 25/4/2007 10:12
Filipe, gostei muito de conhecer mais sobre Natal tendo a sua fina escrita como guia. Parabéns! Destaco ainda a belÃssima introdução. Realmente, toda cidade tem o seu grande ponto. Em Goiânia a grande referência de todos os tempos é sem dúvida o Café Central, onde povo e elite se misturavam...
Abraços.
Pois é Cida, acho que todos que lerem esse texto, vão se indentificar com alguma coisa. Obrigado pelo elogia.Abraço
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 25/4/2007 10:51
aê Filipe, valeu mesmo!!
Esse Grande Ponto tem realmente muita coisa pra contar...
ah, e foi um prazer te conhecer pessoalmente durante aquela entrevista. gde abraço
EspÃrito das cidades, uma boa!
Delfin · São Paulo, SP 25/4/2007 11:10Achei ótimo o texto, e gostei muito da introdução em que você cita a Ãgora, a Acrópole e o Capitólio, demais! Aqui no Rio existem vários cantões, botecos, esquinas e praças onde as pessoas costumam se reunir para jogar aquela conversa.
Maringá · Rio de Janeiro, RJ 25/4/2007 11:31Leve, lÃrico, atemporal. Faço minhas exatamente as palavras que o companheiro citou anteriormente, de trazer o espÃrito das cidades. Pegar os epicentros de pulsão de uma cidade, pensar sua história e seus movimentos, etc e tal. Fantástica a sua escrita. Abraço.
El Gabri · BrasÃlia, DF 25/4/2007 11:31
abaixo link com fotos antigas de Natal:
http://picasaweb.google.com/SOS.Ponta.Negra/NatalAntiga
Fiz um passeio por Natal sem sair da cadeira :)
Ótimo texto!
Vlw pelo texto, Filipe... mto bom. Conversando com Vicente Serejo fiquei sabendo que há uma coletânea de textos sobre o Grande Ponto lançada já há algum tempo. Filipe, Yuno e galera de Natal sabem alguma coisa a respeito ??
isaac_lira · Natal, RN 25/4/2007 13:56Isaac, realmente não tenho informações sobre isso
Yuno Silva · Natal, RN 25/4/2007 14:41Oi Filipe, vim conferir e adorei o texto. Realmente todos as cidades têm seus points especiais, essa mistura, parabéns!
Roberta Tum · Palmas, TO 25/4/2007 14:45Isaac, eu sei dessa coletânea sim. Na verdade até tive acesso a uma pequena parte dela. Roberta, que bom que vc gostou. Acredito que toda cidade deva ter um "cantão" como esse. Lugar onde coisas bacanas aconteceram. Acho importante fazer esse tipo de resgate. Abraço a todos que leram e comentaram por aqui.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 25/4/2007 16:47
Cara, Fabuloso.
Eu acho importantÃssimo o amor as cidades, sejam elas quais forem!
Parabéns pelo texto!
Isaac e Filipe, tenho um livro do Eduardo Alexandre sobre o Grande Ponto .. mas não é uma coletânea. É mais um documento histórico mesmo!!
abraços
Quando cheguei em Natal, em 1970, já havia passado a época do Grande Ponto. Os intelectuais se reuniam na Av. Rio Branco, em outro lugar, um pouco mais abaixo, em frente à Livraria Universitária onde hoje é... (o que é hoje mesmo?...). Mas o nome ficou, com um apelo tão forte que batizou o auditório da Bienal Nacional do Livro de Natal, que acontece agora de 31/05 a 09/06. Como assessora cultural do evento, comunico que haverá uma programação muito interessante no auditório Grande Ponto Literário. A entrada é franca.
Clotilde Tavares · João Pessoa, PB 25/4/2007 17:10Massa Felipe, tá falanto um texto sobre Currais...
InDioZinHo · Currais Novos, RN 26/4/2007 00:14InDioZinHo, manda um daà de Currais então .. abraço
Yuno Silva · Natal, RN 26/4/2007 01:31Parabéns, mermão. Continue.
Marcus Assunção · São João del Rei, MG 26/4/2007 11:26
Texto fino, leve, gostoso de ler. Sobretudo uma homenagem que me parece digna do Grande Ponto -- que ainda não conheço -- da cidade onde cresceu meu pai!
Parabéns pelo texto, Felipe.
Abraços apertados do Verde.
Parabéns Felipe, muito bom seu texto, fez lembrar-me também do amor que sinto pela minha terra.
Lindas palavras!
Isabela, então nos conte sobre sua cidade por aqui. Achei o nome dela um charme :)
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 26/4/2007 14:23Muito bem escrito! É importante o resgate das coisas da nossa terra.
Jordana Mamede · Currais Novos, RN 26/4/2007 14:49
Maravilha, Felipe!
Na nossa cidade sempre cabe o mundo inteiro.
Abs,
Também gostaria de congratular o autor pelo belo artigo.
Visito Natal a trabalho com freqüência, e quando posso perambulo pela região central. Acho interessante ver o contraste entre a área turÃstica da cidade, com todas as modernidades, e a área central, com sua imponente tranqüilidade.
com certeza Helena, quero muito mostrar para todos os overmanos a história da criação da minha cidade, é algo inédito em qualquer processo de formação de cidade!! rsrsrsr só não tive tempo ainda pra terminar alguns ajustes no texto, mas logo logo vc vai ver. Ah! e só adiantando já, o nome Alegrete significa terra onde o sol nasce, mais ou menos isso.
beijos!
gostei muito. parabéns!
Francinne Amarante · BrasÃlia, DF 27/4/2007 00:18Bem, fruto ou não das nossas conversas a respeito de contextualização, o seu texto me fez experimentar a mais bela manipulação didática dos contextos hitóricos que me conduziram até o "Grande Ponto"...MUiiiiiito bom...
Rakel de Castro · Natal, RN 27/4/2007 23:01O texto é muito bom, mesmo. E, como aconteceu com os outros, me fez lembrar da Praça do Ferreira em Fortaleza, ponto-de-encontro de todas as épocas e onde, em meados do século passado, a população se reuniu para vaiar o Sol.
Léo Valente · Natal, RN 28/4/2007 17:19
Que mais dizer, Filipe, a não ser um "de acordo" com as viagens mis que o texto possibilita.
Natal é ótima. Sempre falo bem dela aqui em casa, e só passei quatro dias aÃ.
Grande texto para o Grande Ponto.
MuitÃssimo interessante...
Repleto de curiosidades
e muito bem contextualizado...
Sempre bom ter conhecimento de nossa terra e nossa gente
Destro deste aspecto, o Grande Ponto tem sua importância como objeto de estudo sociológico.
Meus parabéns!
Essa sua pegada histórica é muito legal, meu velho! Percebo que tens o maior prazer nisso!! Continua mandando ver!
Ah, e o assunto dessa vez foi o que eu mais curti.
Abraço!
VotadÃssimo! Rua Jõao Pessoa, Av. Rio Branco, bairro de Petrópolis,Câmara Cascudo...E eu não conhecia nada do Rio Grande Do Norte!Belo texto!
BJS
CRIS
Belo, maravilhoso, sem palavras para descrever, tanto no contexto histórico, quanto visual. ( as fotos estão maravilhosas). Fui apresentada recentimente a este overmundo e confesso que estou apaixonada. Seus textos são maravilhos ( sobre a rua Chile eu adorei), só não entendi, me explique, não foram publicados?. Se não foram, vou fazer uma nota de repúdio! (rss).
Elizete
Felipe, meu reporter,
estava lendo o "TRILHAS URBANAS", mesmo para brir os link
e achei o grande ponto que não tinha visto.
valeu a pena, um abraço, andre.
Sr. Felipe: - Excelente reportagem que me faz lembrar o final dos anos 58/59, quando chegava as festas de final de Ano, meu pai sempre me levava junto com meus irmãos e minha Mãe ao Grande Ponto para tomar Sorvete, e conversar com os amigos. Conheci Camara Cascudo nessa época e algumas pessoas importantes de Natal. Tinha 07 anos de idade.
Barão Potyguaras · Curitiba, PR 27/3/2011 15:47Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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