Todas as conversas e análises feitas nos botecos sujos pelo Brasil afora indicavam que 2008 seria lembrado como um ano meio morto para o Rap. O tão aguardado disco novo dos Racionais MC´s não saiu, as festas e shows foram cada vez mais miados e alguns patrocinadores que ajudavam a bancar eventos repensaram suas estratégias de marketing – deixando o Hip-hop de fora da brincadeira.
A primeira vista se imaginou que a cena vivia um perÃodo de paralisia, porém, com toda aquela tÃpica reflexão de fim de ano, percebe-se que 2008 rendeu bons momentos. De fato os medalhões não movimentaram muito a cena, mas isso foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. A ausência dos pesos-pesados abriu espaço pra uma rapaziada que não é assim tão nova, mas que há tempos merecia o devido destaque.
Parte da apreensão se deu por conta da lentidão de como as coisas acontecem por aqui. Em 2008 a engrenagem do Rap brasileiro só começou a rodar no meio do ano. O impulso inicial foi dado com o lançamento da mix-tape "Poesia Marginal", delito cometido pelo frenético MC Funkeiro. Como o nome bem indica, Funkeiro realiza uma harmoniosa junção do Funk Carioca com Rap. A mix-tape, que já teve a tiragem inicial esgotada, foi o ponto alto da cena carioca nesta temporada.
São Paulo, a capital latino americana do Hip-hop, não poderia ficar pra trás. 2008 foi o ano que dois veteranos lançarem seus primeiros trabalhos solos: o primeiro deles foi Kamau. O rapaz é dono de uma "ficha criminal" extensa, em meados dos anos 90 colaborou com a histórica Academia Brasileira de Rima, mais a frente foi sócio fundador do grupo Conseqüência (pelo qual lançou o antológico EP “Prólogoâ€, um dos primeiros discos de Rap independente) e mais recentemente capitaneou o grupo Simples.
"Non ducor, duco" (Não sou conduzido, conduzo), o lema da cidade de Sampa caiu como tÃtulo ideal para o disco produzido no espÃrito 100% independente (o álbum foi lançado pelo selo Plano Ãudio, tocado pelo próprio Kamau). A aventura de encarar carreira solo é o tema central que recheia quase todo o disco. Kamau seguiu solo, mas não solitário. A cada faixa o MC contou com a ajuda de parceiros como Parteum e Emicida para superar os desafios e cometer um disco redondinho. Sem muitas firulas e inovações, mas com rimas acima da média e cada coisa no seu lugar.
O segundo veterano a apostar na carreira solo foi Sombra. O MC ficou nacionalmente conhecido por participar da formação original do SNJ (Somos Nós a Justiça), grupo que no final dos anos 90 fez barulho com a proposta de um Hip-hop de cunho "positivo". Depois de alguns anos fora do SNJ, mas sempre na ativa, Sombra finalmente lançou seu aguardado disco solo. "Sem sombra de dúvidas" traz de volta o vocal inconfundÃvel de Sombra, sabe quando você ouve uma voz e automaticamente reconhece quem está cantando? Pois é, Sombra conquistou esse status no Rap, meio onde a repetição infelizmente ainda predomina. Além dos temas convencionais (a atuação da polÃcia em “Abordagem de rotinaâ€, por exemplo) o versátil MC pisa fundo na ficção em canções como “Sombra e o encantador de ratosâ€, referência ao conto “Flautista de Hamelinâ€.
Aos 45 do segundo tempo os também paulistanos do Pentágono conseguiram finalmente lançar seu aguardado segundo álbum. “Natural†ficou quase um ano na geladeira devido a confusões com o selo que lançaria o disco. Cansados da enrolação e da falta de profissionalismo, os caras do grupo se organizaram e conseguiram fazer que “Natural†chegasse as lojas dia 20 de dezembro. O grande mérito do disco é trazer para o Rap brasileiro uma nova roupagem, que combina letras interessantes com sonoridades prontas para levantar qualquer pista de dança. Para isso os 5 MC´s (Apolo, Massao, Dodiman, M.sário e Rael da Rima) devidamente acompanhados do talentoso DJ Kiko, usaram e abusaram de influências da música jamaicana. O Ragga e o Dancehall permeiam todo o disco (com direito a samplers de figuras como Jackie Mittoo) em produções que contam com arranjos instrumentais riquÃssimos, com destaque para as linhas de baixo e os sintetizadores tÃpicos da música da Ilha.
“Natural†coloca o Pentágono definitivamente entre os grandes, prova disso, além do disco, é o impacto causado pelas apresentações ao vivo. O show desses malandros é preciso sem soar fake e energético sem soar forçado. É uma satisfação ouvir um grupo de Rap que caminha bonito entre a opção de narrar histórias sangrentas ou simplesmente falar banalidades. Pentágono é hoje o que se tem de melhor em Rap pra balançar o quadril e as idéias. Não deixe de conferir o show caso o grupo passe por sua cidade!
Além destes quatro lançamentos quentes, vale ainda citar: o disco de estréia do rapper baiano Daganja (“Entre versos e prosasâ€) um empreitada do selo Positivoz records; o fenômeno Emicida e o sucesso do single "Triunfo"; os 5 anos da rádio Boomshot; o sucesso de público do Indie Hiphop (foram 5 mil pessoas em dois dias de evento); e o lançamento da mix-tape Rotação 33 e 1/3 (produzida por KL Jay, DJ do Racionais MC´s).
Para 2009 já podemos aguardar o disco de estréia do MC Marechal, o segundo disco do BNegão e os Seletores de Freqüência e um EP solo de Lurdez da Luz (MC do grupo Mamelo Sound System). O Rap agoniza, mas não morre. Segue cada vez mais na cadência da independência, buscando novas formas de entender um mundo que atropela quem cochila.
É isso ai, João, uma forma de comunicação e expressão tão identficada com o povão, jamais poderá morrer.
É bola pra frente...!
Abraços
pois é pedro, acho que a grande questão para o rap hoje é que o povão não se identifica mais com ele...
no rio o rap nunca foi lá muito popular, mas andei recentemente por são paulo (centro e periferia) e tomei um susto com a falta de interesse pelo rap.
nas conversas que tive com pessoas do hiphop, a maioria culpou a ascensão do funk carioca (o saco de pancadas favorito das periferias) nas favelas como causa dessa queda de popularidade do rap.
Eu acho que a coisa vai mais pela desilusão com o próprio rap, um pouco dessa sensação pode ser entendida nessa entrevista com o grupo costa a costa: http://tocadiscopublico.blogspot.com/2007/08/costa-costa-90-do-rap-nacional-perca-de.html
l
um trecho importante da entrevista, é uma fala do don l, mc do costa a costa:
"Não tem mais dinheiro no Rap, xapa! Porque a rua não acredita mais nas suas mentiras. Não dança mais o seu som mal produzido, as suas rimas meia boca, sem swing, sem sinceridade. Ninguém agüenta mais a apologia da derrota."
na entrevista o costa a costa divide o rap nacional em novo e velho (no sentido de proposta estética, não de tempo de atuação no mercado).
essa galera que eu falei na matéria se difere 100% desse "rap nacional velho", é a equipe de reconstrução. que está tentando abrir caminhos pra uma outra história dentro do hiphop.
Voce tem razão, o que acontece com as manifestações tão enraizadas é de sofrerem alterações e sofrerem alterações com o tempo parece outra, mas é por ai.
abraço
andre.
Não sou versada neste estilo de música, mas torço por elas permanecerem, pois são manifestações culturais e raciais de extrema importância na sociedade atual.
Muito bom o artigo e aprendi um pouco mais hoje.
Paravéns e votado. Ivette G M
valeu, ivette!
eu acredito que o rap vai continuar acontecendo independente da estruturação de um mercado porque as motivações para quem faz rap vão muito além da lógica do mercado musical (se é que ainda existe alguma lógica, ou algum mercado).
essa falta também tem um lado positivo (sempre há de ter!): dá uma liberdade bacana para que as pessoas possam continuar se expressando de forma livre e criativa, o que ainda falta um pouco pro nosso rap bombar cada vez mais forte.
joao xavi · São João de Meriti (RJ)
O Rap agoniza, mas não morre...
Um trabalho de fólego e profundidade, verdadeira referéncia.Uma leitura com muito conteudo dando uma visáo do Universo da noss amúsica e do Povo Artista insurgindo com sua criacáo poderosa e reconhecida por qualidade e talento.
Parabéns pelo Trabalho táo elevado que orgulha a toda gente e a toda nossa terra táo amada.
Abracáo Amigo
Valeu XAVI.
O Rap já esta inserido em todos os gêneros. já se embrenhou. E o partido alto? e a rima da Folia de Reis? o Repente? Ta tudo ai, se transformando, se misturando, mudando de nome, de vestuário, de classificações. Som Bom é que não falta.
é noise!
Sumesmo Xavi, 1 pelo belo texto, 2 pela lembrança! Grande Abs!
blequimobiu · Salvador, BA 26/1/2009 19:55
tem uma rapaziada nova muito boa chegando...
confiram ae ta disponÃvel aqui no overmundo o meu single com Dj Hum, Não Para:
http://www.overmundo.com.br/banco/don-l-dj-hum-nao-para
Nunca vai morrer, faz parte da cultura! by Ser Universitário
Rodrigo Siqueira O. · São Paulo, SP 9/5/2011 14:14Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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