“Eu, Joaquim Maria Machado de Assis, morador à rua do Cosme Velho, n. 18. Sou natural da cidade do Rio de Janeiro, tendo aqui nascido a 21 de junho de 1839, filho legitimo de Francisco José de Assis e de Maria Leopoldina Machado de Assis...”. Trecho do rascunho do testamento de Machado de Assis. In: Exposição Machado de Assis. Rio de Janeiro: MEC, 1939.
O rascunho acima não se trata apenas de um trecho do testamento de Joaquim Maria Machado de Assis. Ele exemplifica também as raridades que muitos dos visitantes encontrarão na nova exposição do Museu da Língua Portuguesa, localizado na cidade de São Paulo.
A exposição – Machado de Assis, mas este capítulo não é sério – instiga logo no primeiro passo ao leitor machadiano e, principalmente aos mais desavisados sobre as obras deste ícone da literatura brasileira.
Praticamente toda exposição, que teve seu início no mês de julho, envolve. Seja por meio de frases, fotos e áudios de trechos dos seus livros, ou seja pelos escritos contidos no chão e nas paredes, dedicando uma total sintonia entre autor e leitor. Todo o cenário é composto por trechos das obras do escritor: moveis que retratam a época, cartas de amigos e alguns documentos sobre o cronista.
A atualidade dos textos deste intenso contista - possivelmente um dos maiores do mundo, traduz um mundo não ultrapassado e que a cada trecho lido planta-se na mente do duvidoso leitor o dia-a-dia que Machado de Assis relatava tão bem e que ainda persiste em acontecer. Toda essa ousadia de Machado é a prova que a mostra dignifica ao precioso leitor.
“Se lhes disser desde já, que não tenho papas na língua, não me tomem por homem despachado, que vem dizer coisas amargas aos outros. Não, senhor; não tenho papas na língua, e é para vir a tê-las que escrevo. Se as tivesse, engolia-as e estava acabado. Mas aqui está o que é; eu sou um pobre relojoeiro, que, cansado de ver relógios deste mundo não marcam a mesma hora, descri do ofício.
A única explicação dos relógios era serem igualzinhos, sem discrepância; desde que discrepam, fica-se sem saber nada, porque tão certo pode ser o meu relógio, como o do meu barbeiro. [...] Foi por essas e outras que descri do ofício; e, na alternativa de ir à fava ou ser escritor, preferi o segundo alvitre; é mais fácil e vexa menos”. Crônica de Bons Dias! 5 de abril de 1888. Ainda bem que Machado de Assis escolheu este outro ofício.
Ao caro Leitor
Machado era um atento observador da cidade do Rio de Janeiro. No corredor que retrata ele como ‘O Folhetinista’ pode-se encontrar um imenso painel com casos que ele sempre publicou nos vários dos seus contos. A tecnologia sempre presente no museu amplia-se com uma linguagem diferenciada, para declamar toda astúcia do homem observador. E, com mais palavras e/ou frases o visitante e simples leitor logo atende ao recado e inspira-se a viver dentro da exposição n’um momento único, como se andasse pela famosa rua do ouvidor.
As diversas facetas do maior escritor brasileiro, em tempo é lembrada por diversas personalidades em um determinado bloco da exposição. E é por este faro, que o agora duvidoso leitor desenvolve novo pensamento sobre machado. “As palavras são como acaso e fatalidade, lançam idéias e sentimentos, nos faz despertar e acordar de um sono, de um sonho que parecia não ter mais fim. É um sentimento ímpar este”. Um pensante leitor, traduzindo de um modo geral a exposição.
Palavras em circulo e um pensamento inesperado, surgem de frente ao esporte que Machado adorava praticar – o jogo de xadrez. Uma pequena mesa ao centro e o desenrolar de algumas frases num cômodo ímpar, aplica-se no visitante uma sensação incomparável . Toda astúcia machadiana é destacada neste trecho, que anexado a um outro sentimento que o agora atento leitor encontrará nos próximos passos.
Interatividade ao nobre leitor
Um corredor escuro e um imprevisto, figuram em grande destaque cinco telões, sendo um de frente para o outro e cada um seguindo uma linha de raciocínio, aplicando-se um verdadeiro gabinete de leitura. Imagens e sons, tudo bem explícito. Vozes de algumas personalidades exaltam textos e pensamentos machadianos. Neste determinado ponto o assíduo leitor passa para atento ouvinte.
Xico Sá, Malu Mader, José Celso Martinez Corrêa, José Miguel Wisnik, são alguns dos que emprestam suas incomparáveis locuções para uma sensação sem rumo, sem contexto – que é à parte que mais ousa com os escritos de Machado de Assis. É uma ligação não desastrosa ao espelho, que antecede ao abismo.
O delírio
Uma última saliva, pois a garganta não cansa em absorver os pensamentos dos textos deste nobre autor. O delírio se faz na parte final da exposição. Aparece então aos olhos mais atentos o angustiado leitor. Trechos de outros contos de Machado; documentos; testemunhos da vida do escritor e folhas das primeiras edições dos seus livros ficam avulsos na parede do museu. Tudo é um delírio a solta.
“[...] restituído à forma humana, vi chegar um hipopótamo, que me arrebatou. Deixei-me ir, calado, não sei se por medo ou confiança; mas dentro em pouco, a carreira de tal modo se tornou vertiginosa, que me atrevia interroga-lo, e com alguma arte lhe disse que a viagem parecia sem destino.
- Engana-se, replicou o animal, nós vamos à origem dos séculos.
[...] contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um nevoeiro, uma coisa única. Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulo dos imperfeitos, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das coisas.
[...] Meu olhar, enfarado e distraído, viu enfim chegar o século presente, e atrás dele os futuros. Aquele vinha ágil, destro, vibrante, cheio de si, um pouco difuso, audaz, sabedor, mas ao cano tão miserável como os primeiros, e assim passou e assim passaram os outros, com a mesma rapidez e igual monotonia. Redobrei de atenção; fitei a vista; ia enfim ver o último o último! [...]
[...] um nevoeiro cobriu tudo menos o hipopótamo que ali me trouxera, e que aliás começou a diminuir, a diminuir, a diminuir, até ficar do tamanho de um gato. Era efetivamente um gato. Encarei-o bem; era o meu gato Sultão, que brincava à porta da alcova, com uma bola de papel... ”. Alguns trechos do Delírio, capítulo VII das Memórias Póstumas.
Todo ‘delírio’ pode um dia chegar ao fim e é assim que a mostra instiga e depois convida o procurado e incansável leitor a concluir sua leitura num último bloco da exposição. Uma enorme estante com diversos títulos de Machado de Assis e muito outros títulos sobre o autor, para deleite do último e voraz leitor, que não contente com tudo que leu, ouviu e assistiu, ainda assim, persiste numa última varredura, justificando, portanto, toda essa atualidade Machadiana.
No fim, sobra para você, talvez ‘distraído’ leitor, que numa última e atenta chamada, ainda assim, não se contenta com este capítulo que insiste em não se fazer de sério.
– “A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se não te agradar, pago-te com um piparote, e adeus.” - ‘Ao leitor’, Memórias póstumas de Brás Cubas, 1881.
Em tempo: este curioso e atento admirador do Museu da Língua Portuguesa, por gostar tanto da nossa língua e deste maravilhoso museu, já atendeu outras três exposições neste recinto. A primeira o instigou, mas ele por erro maior não trouxe seus relatos por aqui. A segunda foi o verdadeiro encontro com a estrela maior. O terceiro é decerto o encontro que amplia o pensamento para as nossas raízes e este último que atravessa a barreira do imaginário faz despertar a verdadeira essência da nossa língua, como este nobre museu sempre ousou.
È linda! E o texto aqui é maravilhoso.
Parabéns, higor!
Muito boa dica. Matéria esplêndida. Poxa, mas chama! Se eu vacilar nem vejo.
bjos
CD
Agradecido fico com tua singela passagem..
bj grande
Higor,
Inteligentes informações.
Texto produzido com elegância
Beijos,
Regina
AMIGO HIGOR...
Primeiro você escreveu sobre “Joaquim Nabuco” e agora presenteia seus amigos com o escritor mestre dos mestres: “Machado de Assis”. Eu agradeço! Acho que os amigos “overmanos” também agradecerão! Seu bom gosto está fazendo escola... É material para leitura e com direito à releitura! Danado de bom! Cultura da maior qualidade... Viva a educação! Meninos e meninas: vamos saborear os livros dos grandes escritores! E dos pequenos também! O universo das letras não pode se apagar... Luz sempre para a literatura!
Hoje mesmo (grande coincidência) andava na Avenida Paulista e recebi um livreto - impresso pela UNESP - com o resumo de dois textos de “Machado de Assis”: “Missa do Galo” e “Uns abraços”. Peguei quatro exemplares... E devorei dentro do metrô! Vale uma dica para os vestibulandos de plantão: “Machado de Assis” é assunto “quente” para os próximos vestibulares e “ENEM 2008”.
O “Higor jornalista” está escrevendo como “gente grande”. E sem jogar confete - que não é de minha personalidade - posso afirmar que será um dos destaques do jornalismo brasileiro dos próximos anos. Espero que continue sempre buscando tópicos desta grandeza. A contribuição para a educação de jovens será impagável!
Uma crítica necessária: o texto está na forma correta. É educativo! Informa e prende o leitor!
Gostei! E aprendi um pouco mais!
Abraços.
Lailton Araújo
Machado é dinâmico. A leitura de Machado rende ! Parabens Higor, bela matéria, texto excelente por aqui! Viajei noslinks...
Bravo!
Amiga Regina, fico muito grato com seu postado.. muito obrigado.
Claudia, teu elogio pra mim é começar o dia com pé direito... obrigado!
Professor Lailton, fico até sem palavras para lhe agradecer. Muito obrigado mesmo pelo incentivo. Sinto-me feliz demais com tuas palavras. Obrigado amigo.
Cintia, nossa nobre poetisa muito obrigado pelo elogio e por passar, valeu mesmo. Você é um anjo.
Lindo texto! O Museu deveria ser itinerante...uma pena eu não poder ir à São Paula para conferir nos próximos dias.
Luísa Alves · Porto Alegre, RS 28/8/2008 11:02Lindo texto! O Museu deveria ser itinerante...uma pena eu não poder ir à São Paulo para conferir nos próximos dias.
Luísa Alves · Porto Alegre, RS 28/8/2008 11:02Parabéns pela matéria. Machado é sempre relevante, ainda mais quando se trata de textos pouco conhecidos.
Marcos Paulo Carlito · , MS 28/8/2008 12:49
Olhares sobre um capítulo que não é sério
Higor Assis · São Paulo (SP) ·
Um Tema e um Autor importantíssimo. voce passou muitas informacóes e tornou a leitura um aprendizado legal.
Temos muitos bons escritores mas, Machado de Assis é bem dizer nosso número um, temos de construir uma familiaridade com ele que escreveu muito, temos de sempre ler alguma coisa, como que plantando sementes para florir aogum dia.
Ficou muito bom.
Parabéns pelo Trabalho.
Abracáo Amigo.
Luísa, Marcos, Regina, Azuir.
Muito obrigado pelo elogio e pela passada por este cantinho. Valeu amigos !!!
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