Oliveira Silveira, poeta, nasceu em Touro Passo (RS) no ano de 1941. Publicou, entre outros, Germinou, Porto Alegre, 1968; Banzo, Saudade Negra, Porto Alegre, 1970; Pêlo Escuro, Porto Alegre, 1977; Roteiro dos Tantãs, Porto Alegre, 1981; Anotações à Margem, Porto Alegre, 1994. Todos livros de poesia. Seus poemas também já foram traduzidos, entre outras lÃnguas, para o inglês e o alemão, e essas traduções apareceram respectivamente na revista Callaloo, The Johns Hopkins University Press (1995), e na antologia Schwarze Poesie, Edition Diá, 1988.
De 1995 para cá, mais exatamente com a publicação do ensaio “Transnegressão†(in Presença negra no Rio Grande do Sul, org. Fernando Seffner, UE, Cadernos Porto & VÃrgula, págs. 47-55), momento em que comecei a escrever de maneira mais crÃtica a respeito de poesia e coisas afins, o percurso textual de Oliveira Silveira tem sido objeto do meu interesse e da minha fruição. Cabe lembrar (e disso me orgulho) que mantemos um diálogo fraterno já há mais de 25 anos.
Sobre sua poesia, entre outras coisas, posso adiantar ao leitor que Oliveira Silveira despreza a complexidade do “literário†convencido e convencional em benefÃcio de outra espécie de complexidade, a saber, ele credita suas forças numa secura antes espartana do que cabralina. Oliveira é capaz de uma contensão e de uma elegância que só me permito associá-las à sempiterna e serpentina vanguarda da velha-guarda de todos os sambas. A metalinguagem do samba - que se dá a ver na mais ligeira recordação de alguns exemplos do seu cancioneiro -, desmente a concepção de que o uso da metalinguagem é uma prerrogativa viciosa e restrita à erudição de cunho burguês. Assim, como acontece na arte dos grandes sambistas, a nota metalinguÃstica comparece na obra de Oliveira Silveira, mas de maneira não exibicionista. Oliveira, então, fala de poesia no poema, mas como se reconhecesse um discreto fardo contido nesta sorte de felicidade “arte-feitaâ€.
A gestalt severa e exata da poesia de Oliveira, sua brevidade grave e algo epigramática - considerada se quisermos a partir da perspectiva que reconhece uma vertente negra na literatura brasileira -, é emblema de ceticismo tanto em relação à ética do homem branco, quanto ao viés estético referendado pelo meio literário, representação especular, mas com suas particularidades, dos conflitos étnicos e sociais presentes sob o arco ideológico. Oliveira nunca perde de vista, no trato com a matéria verbal, que o que aà está em causa é a visão da poesia como arte, isto é, ele constrói o poema desde um ponto de vista estético. A poesia é uma coesão fundo-forma. A idéia ou o conteúdo são visados pelo poeta como dados estéticos e construtivos agenciados e relacionados a outros dados estéticos que compõem a estrutura do poema. Sua poesia, portanto, não cabe dentro dos limites reducionistas de uma “arte participante†ou engajada.
A poesia de Oliveira Silveira se nutre de uma salutar desconfiança a propósito do poder de comunicação da metáfora. Silveira parece dar-se conta de que a naturalização da metáfora, sua precedência, por assim dizer, sobre outros elementos da função poética da linguagem, encobre um barateamento expressivo mesclado a uma afetação kitsch que está a serviço da mundanização da figura do poeta e de sua inserção filisteÃsta nos quadros de um sistema literário cada vez mais chapa-branca. Felizmente, imbricada em sua poesia elegante há a dose essencial de antipoesia.
Os poemas de Oliveira Silveira continuam, portanto, crÃticos e, a cada dia que passa, menos alambicados. Um desaforo calmo aos medianeiros da metaforização indecorosa. Os versos de sua linguagem produzem uma estranha delicadeza que vela maliciosamente o cacto “áspero, intratável e forteâ€.
Oliveira, o homem que inventou o 20 de Novembro. Tradutor de Aimè Cèsaire e Langston Hughes. Poeta que se atreveu a exercitar, hoje, o que nos restou do eco épico (Souzalopes dixit) sem cair em erro: refiro-me à obra Poema sobre Palmares de 1987, onde Oliveira tematiza e recria a experiência histórica e hoje canonizada do mais importante quilombo das Américas. Silveira, um dos poucos poetas que se banhou na lÃquida algaravia das lÃnguas africanas. E mesmo não se dedicando por inteiro a uma franca experimentação poética, Oliveira, em alguns dos seus livros, tem contribuÃdo com inteligentes exemplos de poemas que se fragmentam até a unidade mÃnima da palavra, isto é, a letra.
Em tais poemas, suspensa na página branca, a letra quase deixa de ser letra ao “contornar†ou esboçar, digamos assim, desenhos metonÃmicos de atabaques, gaiola, banjo: em suma, todo um arranjo não-convencional, concorrendo para subverter a linearidade discursiva. Não tenho receio de afirmar que estes poemas ampliam consideravelmente as possibilidades de leitura da obra de Oliveira Silveira.
E, finalmente, numa época em que a prática da autopromoção faculta a muito poeta de segunda categoria um lugar de destaque no florilégio medÃocre das letras “locais†(Porto Alegre), o silêncio vil e incivil em torno do nome de Oliveira Silveira - sem esquecer que para isso contribui a sua orgulhosa e solitária modéstia - pode ser interpretado como um sinal de distinção. Em resumo: quem não leu ainda a poesia de Oliveira, seja por imperÃcia, seja por má-fé, que não atrapalhe.
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Ronald Augusto nasceu em Rio Grande (RS) a 04 de agosto de 1961. Poeta, músico, letrista e crÃtico de poesia. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992) Confissões Aplicadas (2004) e No assoalho duro (2007). É co-editor, ao lado de Ronaldo Machado, da Editora Éblis www.editoraeblis.blogspot.com. Traduções de seus poemas apareceram em Callaloo African Brazilian Literature: a special issue, vol. 18, n0 4, Baltimore: The Johns Hopkins University Press (1995), Dichtungsring - Zeitschrift für Literatur, Bonn (de 1992 a 2006, colaborações em diversos números, poesia verbal e não-verbal) www.dichtungsring-ev.de. Artigos e/ou ensaios sobre poesia publicados em revistas do Brasil e sites de literatura: Babel (SC/SP), Porto & VÃrgula (RS), Morcego Cego (SC), Suplemento Cultural do Jornal A Tarde (BA), Caderno Cultura do Diário Catarinense (SC), Suplemento Cultura do jornal Zero Hora (RS); Revista Dimensão nº 28/29, tradução de poema de e. e. cummings (MG); Revista ATO (MG); Revista RODA - Arte e Cultura do Atlântico Negro (MG); www.cronopios.com.br; www.overmundo.com.br; www.revista.criterio.nom.br; www.germinaliteratura.com.br; www.slope.org; entre outros. Despacha nos blogs: www.poesiacoisanenhuma.blogspot.com e www.poesia-pau.zip.net. Ministra oficinas e cursos de poesia e é integrante do grupo os poETs: www.ospoets.com.br
(*) Mais trabalhos de Rosa Marques em VERBAVISUAL.
Em honra do poeta Oliveira Silveira, ontem falecido.
O que fazer se não chorar quando morre um grande poeta?
O que fazer senão sofrer quando um poeta maior se vai?
O que fazemos os que gostamos das letras quando um mestre delas nos deixa?
sofrer um tanto mais
chorar mais um tanto
arriscar uns versos em preito.
Não!
Aplaudir a existência fértil da pessoa
e a obra dele revivê-la, recontá-la, torná-la eterna!
Li poemad de Oliveira Silveira, um grande que nos deixou - e sem licença!
Benny Franklin · Belém, PA 4/1/2009 20:11Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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