Uma qualquer Recife
Uma qualquer Recife cidade sitiada
é a escuta PSI,
a escritura psiu de seus arquitetos da mais sutil
urbanidade ao redor dos favores
da SANTA CASA DE MISERICÓRDIA.
Restauram apenas fachadas em cores vivas,
reinventando a cidade-cartão-postal-global
em sua dignidade tão degradante, sufocada,
turismo mimético do Pelourinho e advertências.
Uma cidade, além das dúvidas e suspeições,
é o conjunto de seus buracos. Imanentes e
galácticos. Cartesianos e dionisÃacos.
Gilbertianos por todos os séculos.
- Jomard Muniz de Brito
Sofri meu primeiro atentado poético quando voltava de casa para o trabalho. Confesso que só conhecia aquela figura, que passava todos os dias caminhando nas transversais da principal avenida do centro do Recife, a Conde da Boa Vista, tempos depois. Bermuda, meias longas, cabelos brancos sempre penteados para trás, óculos de armação grossa e escura. Jomard Muniz de Brito sempre passava com sua pasta, com várias folhas impressas – ou eram xerox? – com algo de sua autoria. Não entrega a qualquer. Depois que soube disso eu tive até orgulho.
Não lembro muito bem sobre o que era o então atentado. Isso porque, daquele fim de tarde até hoje, quando vim a conhecer todos os detalhes sobre o que considero ser o maior livre-pensador em circulação na capital, perdi a conta de quantos tantos outros recebi. Sobre o Papa, sobre as eleições, Caetano Veloso, o 11 de setembro e o que mais fosse notÃcia. Jomard sempre desenvolveu seu fraseado com uma das construções mais inteligentes de palavras que já li. Sempre de maneira despretensiosa, divertida, aparentemente sem compromisso. Sua presença é sempre certeza de uma inquieta pausa na correria (sub)urbana para muita reflexão.
E ele está sempre presente em todos os lugares.
Em tantos, que me permiti o prazer de não entrevistá-lo formalmente, mas de descobri-lo. Com 70 anos completados há poucos meses, uma das primeiras coisas que descobri é como é fácil cair no clichê de recitar ofÃcios quando o assunto é Jomard Muniz de Brito. Professor da Universidade Federal da ParaÃba, ainda insistente aluno da Universidade Federal de Pernambuco, poeta, ator, diretor, escritor, crÃtico de cinema e de música, cineasta. A lista cresce o tanto quanto a paciência do ouvinte permitir. Das salas de aula, aos porões da ditadura militar, gosto de pensar em Jomard como o perfeito antagonista a outro famoso paraibano, o escritor Ariano Suassuna.
O que o segundo propõe de tradição, o primeiro oferece de modernidade. Ariano condenou o manguebit, Jomard freqüentou o festival Abril pro Rock. O dualismo mais divertido que já observei, antes de descobrir que ele foi nosso principal representante do tropicalismo. Qual seria minha surpresa, tempos depois, pesquisando, ler que o hoje secretário de cultura já deu dois murros no jornalista Celso Marconi, justificando que “era para Jomard, mas já que ele não está aqui, leva você mesmoâ€. Bingo. Estava mesmo certo.
“Filho da pernambucana Maria Celeste Amorim Silva com o paraibano José Muniz de Britto, nasci na Rua Imperial, bairro de São José, em 1937. Sou hÃbrido de nascença, mas errante por opção antiprovincial. Mas foi o escritor José Rafael de Menezes que me levou a ser professor titular da UFPBâ€.
Em entrevista ao Jornal do Commercio
Seus atentados poéticos nasceram de uma proposta editorial para publicar um livro. Funcionam como uma coletânea de trabalhos, mas que nunca pararam de ser gerados após o dito chegar à s prateleiras. Já haviam sido anunciados em 1997, quando na ocasião de um disco, Jomard começava a discorrer sobre uma “filosofia popâ€. O termo, entenda como quiser, é o melhor filtro para observar as passagens de Jomard Muniz de Brito. Autor também de “Contradições do Homem Brasileiroâ€, que foi recolhido pela ditadura, que forçou sua aposentadoria sob o argumento de que ele influenciava negativamente a mente dos jovens. Se é que você me entende...
“Ele dizia que, sem o mÃnimo consenso de humor, a tragédia brasileira seria muito mais insuportávelâ€, lembra, evocando o ex-caixa do Banco Econômico, na Bahia. Jomard apressa-se e corrige a frase: pede para tirar consenso. “Não gosto, de jeito nenhum. O pensamento homogêneo, único, o politicamente correto, tudo isso vem do nosso capitalismo tardio e onipresenteâ€, fala o homem que acumulou vários rótulos ao longo de sua existência: tropicalista, iconoclasta, agitador, maluco, marginal e até baiano. Tudo por causa de sua conhecida e Ãntima relação com figuras como Glauber Rocha e Caetano Veloso, entre outros.
Em entrevista ao Jornal do Commercio
Observar esse trânsito de Jomard em tantas camadas intelectuais – da vernisage ao show de rock, da mesa de debate a mesa de bar – é perceber o quanto o tempo não passou. Ou, mais grave, o quanto tempo ainda precisa passar. Este “último dos Dandisâ€, como já foi citado, ressurge sempre apresentado por um novo sorriso de quem percebe os trâmites do pensamento, mas não se importa em revelar. A modéstia é sempre seu maior charme. A maneira como ele a consegue expor – nos fazer perceber que ele está sendo modesto - é sempre um irresistÃvel convite a seus atentados poéticos.
“Nós, ainda intelectuais, precisamos perder ou dispensar tanta arrogância de salão ou de televisão. Confiar menos na potência de cantos e cátedras. Suspender afãs de julgamento. Trapacear com as linguagens estabelecidas. Cultivar a ironia socrática nos aforismos nietzscheanos. Cortes epistemológicos arrebentando o núcleo das complexidades.â€
Em entrevista a revista Trópico
Palavras que, importante reforçar, não tomam apenas forma escrita. O atentado de Jomard é visual, auditivo e como mais ele conseguir expressar. Em tempos em que a vida e a função do CD está em questão, ele fez o que é mais recomendado para compreender essa história. Gravou um, junto com a banda Comuna, e disponibilizou inteiro na Internet. Seguiu com a história. Abriu uma conta no MySpace e no Youtube. Uma metáfora perfeita para avisar que Jomard Muniz de Brito abriu as portas de sua produção, para todos aqueles que estejam interessados em também descobri-lo.
“Amador, como um contra-burguês, tal diz Roland Barthes; e um amador, como um incompetente, tal diz o senso comumâ€, explica. “Comungo a anti-ambição de ser um cineasta profissional. Minha única atuação profissional foi lecionarâ€
Em entrevista a Folha de Pernambuco
Como seu trabalho não está em Creative Commons, seguem alguns links oficiais de Jomard
- Baixe o disco de Jomard com a Comuna
- Seus principais curtas-metragens
- MySpace de Jomard
Será que ele não se interessaria em escrever uns posts aqui pro Overmundo?
Egeu Laus · Rio de Janeiro, RJ 18/5/2007 00:06
A vezes me envergonho de não conhecer pessoas como estás.
Parabéns pela matéria, vivo aprendendo e aprendo vivendo.
Higor,
Do Jomard, procura no sebos Do Modernismo à Bossa Nova, edição de 1966 com prefácio de Glauber Rocha, editado pela Civilização Brasileira.
Abraço!
Higor, engrosso o seu coro. Não conhecia também. Mas Overmundo é isso aÃ. Dupla-troca. Escambo cultural. Muito bom. Valeu Bruno. Um abraço.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 18/5/2007 16:17
Excelente matéria! Parabéns Bruno! Eu também,como meus amigos overmanos, não conhecia essa ilustre pessoa, gostei muito de tudo que li sobre ele no seu texto.
Abraços!
Eita, Bruno, fiquei muito feliz com o teu texto e principalmente com “Não entrega a qualquerâ€. Rsrsss... Eu tive essa sorte no dia 16 de fevereiro, quando ele me entregou um texto sobre o Bloco do Nada. Já estava me sentindo muito metido. E agora sabendo disso... rsrsrs....
Parabéns pela matéria.
Egeu, muito obrigado pela dica. Vou procurar este livro esta semana.
Higor Assis · São Paulo, SP 21/5/2007 11:53
Muito bom , parabéns!!!Votado.
Ps. Devido a importância da criação da Primeira Biblioteca Comunitária Especializada Em Cultura Afro-brasileira e Africana, no subúrbio de Salvador-Ba. Por Favor vote em: http://www.overmundo.com.br/agenda/biblioteca-comunitaria-especializada-em-cultura-afro-brasileira-e-africana
parabens pra você Bruno e para este grande nome do circuito cultural pernambucano. Viva a poesia, a cultura e Jomar, sempre!
graça grauna · Recife, PE 13/5/2008 07:32
Bruno,
Jommard merece todas as reverências, não as pomposas, mas as substanciais.
Você fez isso de uma forma muito interessante, dialogando com a obra e com a forma de ele intervir nas coisas.
Jommard, em 1985/86, foi o candidato mais votado para a presidência da Fundação de Cultura da Cidade do Recife em uma lista triplÃce indicada pelos artistas, decisão que prevaleceu na ocasião.
Todos os que não queriam a perpetuação de uma cultura de gabinete votamos nele.
Excelente matéria, Bruno, que só agora viajando pelos corredores do Overmundo eu descobri. Como o semi-poeta aqui é fã de Jomar, fiz até um versinho pra ele.
Já pensou ? Zé Preá fazendo sextilha pra Jomar?
Jomar é uma overdose
Mas nunca foi aloprado
Inteligente e brilhante
Ele é mocambo e sobrado
Nessa briga de tutano
De Jomar com Ariano
Vou guerrear do seu lado!
Diga isso a Jomar quando encontrar com ele, Bruno. Ele é uma overdose do BEM. Diga que quero abraçá-lo!
Zé Preá - poeta popular
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